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"Os criativos são vistos como alguém que resolve os problemas"

Mónica de Miranda

Artista e investigadora, Mónica de Miranda tem a sua obra "Panorama" patente na galeria do Banco Económico. A artista portuguesa, com raízes angolanas, sugere a aposta nas indústrias criativas para mudar e rentabilizar zonas críticas das cidades.

Como define a exposição "Panorama", que está patente na galeria do Banco Económico?
É uma exposição constituída por várias obras em fotografia e instalação em vídeo, feitas em várias alturas para retratar dois lugares específicos de Angola: Luanda e Malange. Mostro o Cine Karl Max e o hotel Panorama, em Luanda, e o hotel Globo, em Malange. Além de apresentar os espaços, tenho algumas personagens, como a bailarina e as gémeas que vão percorrendo os cenários e contam histórias, para dar um ar mais humano.

O que Luanda e Malange têm de especial?
São relações biográficas, tem a ver com a minha geografia afectiva. A minha mãe e avó são angolanas e viveram entre Malange e Luanda, no fundo, quis contar histórias. No vídeo, mostramos os edifícios antigos que são apagados pelos novos que surgem à sua volta, como o hotel Panorama que está ali um pouco esquecido, e os novos edifícios a pressionar o apagar dessa memória. Com a exposição questiono também o que fazer com a história: apagamos ou transformamos e preservamos?

Vive entre Lisboa e Angola. Como concilia o seu trabalho com esta rotatividade?
A minha residência permanente é Lisboa. Tenho vindo a trabalhar muito em Luanda, onde venho três a quatro vezes por ano e, cada vez, por mais tempo.

Já teve os seus trabalhos expostos em vários países, já expôs em bienais e museus internacionais. Considera-se uma artista do mundo?
Completamente. Acho que quando somos da diáspora, porque temos mãe de um lugar e pai de outro, não nos definimos como sendo apenas de um lugar, mas de vários. Estive emigrada em Londres, onde fiz o meu percurso todo. Depois estive no Brasil durante muito tempo, onde fui casada com um brasileiro. Então, tenho muitas referências.

Tem algum lugar de sonho onde gostasse de expor?
Acho que gostava muito de conseguir chegar até à Ásia e aos Estados Unidos da América, que seria a prioridade. Em termos de carreira artística é importante, porque tem uma estrutura muito grande e impulsionadora.

Como concilia as suas funções de artista com as de investigadora?
As partes têm que se complementar, se não, não seria possível gerir estas duas componentes. A área da investigação começou como um complemento para as artes.

É possível mudar o contexto económico que se vive actualmente em Angola com a arte? Como?
A arte faz-nos reflectir. Primeiro acho que a arte tem o seu valor económico. O que me levou a fazer arte foi pensar em vários aspectos económicos e políticos que o trabalho levanta, e penso que a arte é fundamental para o crescimento económico. É tão importante que se invista na arte, como em outra qualquer área.

Qual dos seus trabalhos descreve melhor a situação económica de Angola?
O Panorama, de certeza.

A cultura anda a reboque da economia ou o inverso é possível em Angola?
Acho que não é uma coisa tão linear, dependendo do contexto económico, mas acredito que as duas coisas estão interligadas. A cultura gera economia e a economia gera cultura.

Como olha para o surgimento das indústrias criativas?
Às vezes, é difícil entender, mas os departamentos de economia vão apostando na área criativa e nos criativos como alguém que resolve os problemas. Vemos países europeus a usarem a cultura em zonas que são sujeitas a intervenções, de vários níveis. Vi em Londres, assim como em Portugal, no Intendente, que hoje é uma das zonas mais caras de Lisboa, e vejo isso acontecer aqui em Angola, no Cazenga, com o aproveitamento da Fábrica de Sabão. É uma área que deve ser bem explorada e aproveitada por nós, os artistas.

Malange, Luanda e Lisboa: as três cidades de Mónica

A trabalhar entre Lisboa e Luanda, Mónica de Miranda é artista e investigadora com trabalhos baseados em temas de arqueologia urbana e geografias pessoais. Licenciada em Artes Visuais pela Camberwell College of Arts (Londres, 1998), Mónica é fundadora do projecto de residências artísticas Triangle Network em Portugal e fundou, em 2014, o projecto Hangar - Centro de Investigação Artística, em Lisboa. Nos tempos livres, gosta de viajar com a filha, "pegar no carro e sair sem destino", como disse.

Aos 42 anos, considera-se uma artista do mundo, devido às suas inúmeras influências culturais. No momento, lê "As mulheres que fugiram com os lobos", da psicanalista Clarissa Pinkola Estés, que fala da liberdade das mulheres para serem elas próprias. Gosta de sumos naturais e, entre a comida angolana, destaca o mufete.

(artigo publicado na edição 501 do Expansão, de sexta-feira, dia 30 de Novembro de 2018, disponível em papel ou versão digital com pagamento em Kwanzas. Saiba mais aqui)