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"Há males que vêm por bem. A chegada do FMI é um mal necessário"

Entrevista a Waldemar Bastos

Agora que já se pode falar de política, Waldemar Bastos pensa regressar a Angola. Com um prémio de cultura na mala, o músico e compositor procura uma "forma digna" de poder viver na terra que o viu nascer. Sobre a vinda do FMI, diz que é um mal necessário.

Como recebeu a notícia de que tinha vencido o Prémio Nacional de Cultura e Artes, na categoria de Música?
Recebi com surpresa, pois não estava nos meus horizontes. Acabei por recebê-la com satisfação, uma vez que se trata de um prémio vindo das instâncias máximas da minha terra. É gratificante.

Sabia que estava nomeado?
Não, pois estava focalizado numa digressão por alguns países da Europa e Estados Unidos. Acordei de manhã, em Los Angeles, e vi o Facebook já com centenas, para não dizer milhares, de publicações de parabéns, uma das primeiras do meu amigo José Eduardo Agualusa. Tive de parar para reflectir no que se estava a passar.

Receber o prémio na sua terra Natal tem um sabor diferente? Porquê?
A terra é sempre o primeiro público. As gentes da nossa terra são uma das mais importantes fontes inspiradoras do artista. A terra é o seu berço. Quando se é reconhecido pela nossa terra, e neste caso institucionalmente, é de um sentimento não exprimível por palavras. Provoca uma grande alegria na alma.

O prémio chegou no momento certo ou tardou?
Não há mal que não acabe. Depois de uma noite de escuridão densa nasce sempre um novo dia, onde o sol raia, trazendo-nos a esperança de um novo tempo.

Hoje, o menino já pode falar de política?
Acredito que sim, é salutar e faz prosperar. A diversidade e antagonismo de ideias constrói, tendo como resultante a bissetriz, que mais não é que o ponto de encontro das diferentes abordagens e visões.

Pensa em regressar ao País?
Sim, estou a procurar a forma digna de poder viver na terra que me viu nascer, o lugar que é o meu solo materno.

Nestes anos em que esteve fora recebeu convites para espectáculos em Angola?
Praticamente nenhuns. E quando assim foi, uma vez aqui na terra, havia uma sabotagem milimetricamente preparada, que fazia não acontecer o espectáculo ou, se acontecesse, não havia o mínimo de divulgação, para assim criar a frustração. Era de uma humilhação tremenda.

Por que razão?
Há um ditado que diz "há razões que a razão desconhece", mas, no caso concreto, a razão já é conhecida. Chego à conclusão que era uma música de cariz cultural embebida nos nossos valores que, paradoxalmente, não interessava valorizar. Porquê? O tempo já fala por si...

Encerrou a 5.ª temporada do projecto musical "Show do Mês". O que representa para si, em termos simbólicos?
O "Show do Mês" teve o condão de acontecer num momento em que ganhei o Prémio Nacional de Cultura e Artes, num tempo de mudança de paradigma, augurando dias de esperança.

É uma pessoa de muitas contas ou é consumista?
Não sou consumista. Faço questão de não me deixar hipnotizar pelos media, na sua constante pressão de nos levar à aquisição de futilidades que, na minha forma de ser e estar, são naturalmente dispensáveis.

Visitou Mbanza Congo ou fica para uma próxima?
Infelizmente não, mas está para muito breve.

Do que mais sente falta quando pensa em Angola?
Sinto falta do sorriso e do afecto das pessoas simples da minha terra, bem como da sua frondosa natureza.

É possível mudar o contexto económico que se vive actualmente em Angola com o recurso à música? Como?
A música tem um papel fundamental na reposição de valores e no consequente resgate da sua alma. É muito importante que os músicos dêem a sua participação pró-activa, ajudando nesta mudança de paradigma. Não será qualquer música, mas sim aquela sedimentada nos arquétipos da nossa cultura, presente na essência multicultural do nosso ADN angolano.

A chegada do FMI a Angola é uma boa ou má notícia?
Diz o ditado «há males que vêm por bem" e outro que diz "há males necessários". O mais importante é dar passos em frente, tendo sempre em atenção os graves erros de um passado recente.

Engenharia, música e fé: as três dimensões de Waldemar

Waldemar Bastos é natural de Mbanza Congo, actualmente Património Cultural da Humanidade. Formado com o 3.º ano do curso de Engenharia Electrotécnica e o Curso de Engenheiros Técnicos Controladores de Antena de Satélites (estação terrena de satélites) da Funda, prefere ficar longe do fogão e sempre que vai à cozinha pouco mais faz além de ovo cozido, estrelado ou mexido. Aos 65 anos, completados a 4 de Janeiro, ocupa os tempos livres "a contemplar o mar, para além da linha do horizonte, lá onde Deus mora".

Sobre música, "toda de qualidade", ouve desde o folclore tradicional, passando por diversos estilos, até à música clássica. Os livros de cabeceira são "A Força do Silêncio" e "Deus ou Nada", do Cardeal Robert Sarah, assessor do Papa Francisco. Casado e com dois filhos, continua a trabalhar para o progresso pessoal e do colectivo, no entanto, adverte, "é preciso nunca esquecer que, realmente, o futuro só a Deus pertence".


(entrevista publicada na edição 505 do Expansão, de sexta-feira, dia 4 de Janeiro de 2019, disponível em papel ou versão digital com pagamento em Kwanzas. Saiba mais aqui)