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Grande Entrevista

Dívida de 800 milhões USD a empresas do Brasil já está a ser regularizada

Grande Entrevista a PAULINO DE CARVALHO NETO, EMBAIXADOR DO BRASIL EM ANGOLA

A mudança de Executivo no Brasil não vai alterar as relações com Angola, revela o embaixador, que acrescenta que estão a chegar empresários brasileiros para investir no agronegócio e na indústria. Falta ainda diminuir dificuldades nos vistos.

O Brasil passou por uma mudança ao nível da governação com a eleição do Presidente Jair Bolsonaro, que motivou receios na comunidade internacional por algum extremismo no seu discurso. Como serão as relações com Angola?
As relações são tradicionais, são intensas. Temos aqui uma comunidade brasileira grande e empreendedora, que está muito integrada na sociedade e nas economias locais. E isso vai continuar. É do interesse, tanto do Brasil como de Angola, de privilegiar o investimento privado. O que Angola precisa, e quer, é investimento no País e que as empresas estrangeiras se instalem aqui. As empresas brasileiras estão dispostas a fazer isso. Não posso revelar agora, mas há interesse de empresas e de investidores brasileiros em participarem, tanto na área do agronegócio como na produção industrial, em Angola.

Quanto pode valer o agronegócio em Angola para os brasileiros?
Os investimentos brasileiros em Angola, na área do agronegócio, serão de dimensão média. Não serão imensos, não. Até para testar o terreno e ver como as coisas funcionam, qual a capacidade de escoamento dessa produção. Tudo isso ainda tem de ser pesado e avaliado, na prática.

São empresas que já têm presença aqui ou são novas empresas que surgem?
Algumas já têm presença em Angola, e mais ainda, são empresas grandes. São investidores brasileiros e empresários do sector do agronegócio que têm interesse em investir aqui.

Pode dar exemplos de áreas onde pretendem investir?
Na área de produção de milho e de soja há boas possibilidades.

Neste momento, a presença brasileira em Angola está fixada em que áreas?
Em áreas que são pouco visíveis, mas onde a presença brasileira é grande. A área da prestação de serviços, das tecnologias de informação, do comércio, para além das empresas brasileiras que construíram obras e participaram na reconstrução de Angola. Muitas dessas empresas tinham mão-de-obra muito qualificada, e quando deixaram de operar nos mesmos níveis que operavam, muitos desses ex-funcionários abriram os seus negócios na área dos serviços, restaurantes e do pequeno comércio. Há uma presença razoavelmente grande de brasileiros empreendedores em Angola, algo como 15 mil pessoas.

Quanto é que vale a balança comercial Angola-Brasil?
Em torno de 458 milhões USD em exportações brasileiras para Angola e 210 milhões USD de importações, em 2018. Já foi maior, sem dúvida, antes da crise.

Quando falamos em produtos de exportação brasileira falamos de quê?
De carne, açúcar, milho, soja, produtos alimentares, peças e equipamentos para veículos automóveis.

E o que é que o Brasil compra a Angola?
Derivados de petróleo. O Brasil é autosuficiente em petróleo, mas em determinados nichos precisamos de tipos específicos de óleo.

Quais são as principais queixas que os empresários brasileiros que operam em Angola lhe apresentam?
Ainda há uma certa dificuldade na obtenção de vistos, embora tenha havido uma mudança nas normas angolanas com o propósito de facilitar a concessão de vistos, em especial, para os cidadãos estrangeiros que querem fazer negócios em Angola. Ainda há muita demora na concessão de vistos, vistos muito curtos. Muitas vezes, vistos que não são de múltiplas entradas, ao contrário do que fazemos sistematicamente. Como regra, todo o cidadão angolano que peça um visto para ir ao Brasil receberá um visto com duração de um ano e com múltiplas entradas.

Quanto ao repatriamento de divisas...
Já foi pior. As perspectivas são bem mais alentadoras.

Os empresários brasileiros queixam-se da desvalorização da moeda nacional?
Qualquer empresa, seja angolana ou estrangeira que tinha recursos equivalentes em EUR ou USD a uma determinada taxa e essa taxa passou por uma desvalorização de 30 a 50% a perda foi de igual montante. Todo o investidor passa pelo risco cambial.

Há empresários brasileiros com dificuldade em receber pagamentos do Estado angolano?
Já houve, entre 2016 e 2018, mas registou-se uma melhoria significativa. As informações que tenho é que essas empresas começam a receber o pagamento de dívidas anteriores relativas a contratos de prestação de serviços.

Há empresas com dívidas que não foram reconhecidas pelo Estado angolano?
Há um processo de reorganização e reestruturação desse sector em Angola, que cabe ao Ministério das Finanças gerenciar, para que as dívidas possam ser reconhecidas e pagas. É um aspecto preliminar.

Qual é o montante de dívidas a empresas brasileiras?
O valor da dívida reconhecida girava em torno dos 800 milhões USD, mas boa parte já está em processo de pagamento.

E qual é o montante da dívida não reconhecida?
Não tenho esses números.

Em relação à dívida reconhecida de 800 milhões USD, estamos a falar de quantos anos?
A partir de 2010. É um aspecto positivo porque há um início de regularização do pagamento.

Os empresários nunca se queixaram aos representantes do Governo brasileiro sobre o facto de essa dívida em USD, há 10 anos, ter um valor e, hoje, com a diferença cambial, ter outro?
Manifestam descontentamento, mas cabe a eles tratarem directamente com as autoridades angolanas. Nós fazemos ver que essas empresas contribuíram muito para a economia angolana e que as empresas têm expectativas de receber esses recursos. Há um limite naquilo que podemos fazer.

O que é que pode afastar os empresários brasileiros e dissuadi-los de investir em Angola?
O que talvez ainda afaste o empresário brasileiro de Angola é um relativo desconhecimento do potencial do País, mais do que qualquer outro aspecto.

Foto: Quintiliano dos Santos

Construtoras brasileiras querem e vão continuar em Angola

O Brasil financiou projectos de gigantes da construção em Angola. Hoje, é notório que construtoras brasileiras estão menos actuantes aqui...
O que houve, desde o ano passado, pelo menos, é uma mudança na forma de se fazer negócio aqui, em Angola. Com as mudanças na legislação angolana que facilitam o investimento estrangeiro, há o interesse não só de empresas brasileiras como de outros países de investir aqui, de criar emprego. Então é menos uma dependência de financiamentos externos e mais um convite às empresas estrangeiras que venham e se instalem. E o Brasil em alguns sectores tem plenas condições de cumprir essa necessidade de Angola, em especial na área do agronegócio. Já há movimentos nesse sentido.

Angola deixou de ser atractiva para empresas brasileiras, na área das obras públicas?
As obras públicas em Angola dependem de financiamento público, da capacidade do Estado angolano de ter recursos para investir. Não só com empresas brasileiras como locais. O mais importante é Angola ter novamente condições de financiar as suas obras públicas, que é uma questão orçamental e de estabelecimento de prioridades. As prioridades de Angola hoje são mais na área da saúde e da educação e menos na área de infraestruturas. Depende de uma decisão do Governo angolano e cabe às empresas locais e estrangeiras investir nessas áreas.

Mas há empresas brasileiras a deixar Angola?
Mesmo nos sectores afectados pela crise económica no Brasil e em Angola e em decorrência da operação Lava Jato, essas empresas continuam em Angola. Nenhuma delas saiu. Só que, naturalmente, reduziram os seus negócios. Estão numa fase de venda de activos para poderem continuar com o seu negócio, não só aqui como no Brasil.

Nada indica que saiam?
Não. As indicações que tenho recebido dos representantes dessas empresas é que querem e vão continuar em Angola.

Foto: Quintiliano dos Santos

Há um Bolsonaro como candidato e um como Presidente empossado

Dois países com dois Governos novos, com políticas novas e que querem mudar as suas posições nos rankings internacionais. O que é que o Brasil pensa fazer para melhorar o seu ambiente de negócios?
Redução de tarifas de importação de bens e serviços, facilitação de burocracia para instalação de empresas no Brasil. Hoje, para abrir uma empresa no Brasil o tempo médio é maior que em Portugal ou em qualquer outro país da União Europeia. O que queremos é reduzir o tempo necessário útil para que uma empresa posso ser instalada no Brasil. São medidas macro e microeconómicas que vêm facilitar o investimento de empresários brasileiros e estrangeiros.

E a redução de impostos está prevista?
Redução de impostos também. Ou seja, no limite, o que se quer no Brasil, e o ministro da Economia [Paulo Guedes] tem reiterado isso, é, se não for estabelecer uma taxação única, reduzir, e muito, o imposto sobre o rendimento, não só de pessoas físicas como de pessoas jurídicas. Ou seja, que as empresas paguem menos impostos, mas que o accionista, se não reinvestir o seu capital, terá de pagar um imposto, talvez, maior. Mas reduzir basicamente o imposto dos assalariados para que tenham maior capacidade de consumo. Tendo maior capacidade de consumo, as empresas vão produzir mais, investir mais e criar mais empregos.

O Presidente brasileiro recuou na questão do acordo do clima e agora diz que não vai sair. Temos um Presidente com posições menos extremadas?
São dois momentos distintos que temos de levar em consideração: um como candidato a Presidente e como Presidente eleito sem tomar posse. Outro, já empossado, já Presidente da República, no exercício pleno da sua função, em que tem de passar mensagens para um público mais amplo. Não necessariamente para o seu eleitor. E isso faz com que, por exemplo, o Presidente ressaltou que o Brasil manterá a sua presença no Acordo de Paris. Até porque o Brasil sempre foi um actor importante nas negociações de desenvolvimento sustentável.

Neste contexto, há novas directrizes para os embaixadores?
Primeiro, devo partir do que é que explica a eleição do Presidente Bolsonaro. O combate à corrupção é dos aspectos que fez com que fosse eleito. Foi uma das suas bandeiras. E a segurança pública. Há uma necessidade no Brasil de se aprimorar a segurança pública, pois os índices de violência urbana, infelizmente, ainda são muito elevados. Então, essas duas bandeiras de campanha fizeram com que Bolsonaro fosse eleito com uma vantagem bastante grande em relação aos demais candidatos. O Presidente pretende, não só combater a corrupção - e uma maneira de combater a corrupção é abrir a economia - como fazer com que o sector privado tenha mais liberdade, mais autonomia e dependa menos do Estado. Essa relação do Estado com o sector privado, muitas vezes, leva à corrupção. Uma maneira de evitar que isso ocorra é dar mais autonomia às empresas para que possam fazer os seus negócios sem ter de pedir favores ou benefícios ao Estado.

Vamos ter, portanto, uma economia brasileira mais liberal...
Não tenho a menor dúvida. É um dos aspectos principais do seu programa de governo. É uma economia em que o sector privado tem um peso maior.

Esta semana, foi noticiado o fim da importação de carne do Brasil por parte da Arábia Saudita, depois da transferência da embaixada brasileira em Israel de Telavive para Jerusalém...
A razão não foi essa. Há vários estabelecimentos agrícolas, no caso de produção e exportação de frango para a Arábia Saudita [que não cumpriam] com as normas de corte e de abate que os países muçulmanos exigem. O Brasil continua a exportar para esse país. Havia 15 estabelecimentos e 3 foram suspensos. Mas a razão foi exclusivamente técnica, não há nenhuma outra razão pela qual a Arábia Saudita tenha proibido temporariamente as importações de frango. Não há relação com qualquer outro aspecto.

DR

De Roma para Luanda

Nascido a 13 de Fevereiro de 1961, em Curitiba, Paulino Franco de Carvalho Neto chegou a Angola, no final de 2016. Diplomata de carreira desde 1986, é formado em diplomacia e Relações Internacionais pelo Instituto Rio Branco (Brasil) e em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas. Foi director da Organização dos Estados Americanos (OEA) no Ministério das Relações Exteriores, de 2013 a 2016.

Anteriormente, foi um dos responsáveis na Chancelaria brasileira pelas negociações multilaterais na área do Meio Ambiente. Já serviu nas embaixadas do Brasil em Roma (Itália), Santiago (Chile) e Berna (Suiça), bem como na missão do Brasil junto à ONU, em Genebra (Suíça). É embaixador do Brasil em Angola desde 28 de Novembro de 2016.