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Opinião

A chocante desigualdade de rendimentos no mundo

Laboratório Económico

A Oxfam (confederação de 20 organizações e mais de 3.000 parceiros que trabalham em mais de 90 países sobre problemas de pobreza, distribuição de rendimentos e melhoria das condições de vida) lançou no dia 20 de Janeiro o seu Relatório sobre a Desigualdade no Mundo de 2018.

Dez anos depois da grande recessão mundial e da crise financeira de 2009, os factos revelam um aprofundamento absurdo da desigualdade no mundo e uma capacidade notável do sistema capitalista recuperar de situações menos boas.

Os mais ricos do mundo - localizados nas economias mais desenvolvidas, como os Estados Unidos e a França, mas também na China e México - tiveram em 2018 mais riqueza do que nunca, numa cadência diária de enriquecimento de 2.500 milhões USD por dia.

O slogan de 2009, segundo o qual "os ricos é que deviam pagar a crise" (eu próprio, nas abordagens sobre as incidências locais da notável desaceleração económica mundial, defendi que deveriam ser os angolanos abastados a pagar os efeitos da recessão económica e do descalabro financeiro e que o Estado deveria criar um imposto sobre as fortunas), é hoje uma perfeita anedota, atendendo ao aprofundamento das desigualdades mundiais: 26 multimilionários (15 dos Estados Unidos) tiveram em 2018 tanto dinheiro quanto 50% da população mundial.

As elevadas taxas de crescimento económico na China têm ajudado a retirar da pobreza absoluta milhões de cidadãos (estima- se em 350 milhões) - mais emprego (dado o modelo extensivo e de mão-de-obre intensiva usado) - e a criar um mercado interno de razoável dimensão (tendencialmente concorrente do mercado externo, onde a China domina), que permita manter as dinâmicas do passado. Mas também propiciaram a criação de uma burguesia com muito dinheiro (o que não deixa de ser um paradoxo num país que se intitula de socialista), que desde há alguns anos passou a figurar nos rankings internacionais dos mais ricos do mundo.

O relatório da Oxfam de 2018 identifica 4 chineses na lista dos 26 multimilionários que enriqueceram, durante o ano passado, a uma cadência diária de 2.500 milhões USD. Sem cálculos adicionais, pode concluir-se por uma enorme desigualdade na distribuição do rendimento nacional neste país, cujo PIB por habitante foi de cerca de 8.000 USD em 20181. Angola não tem tido taxas elevadas de crescimento do PIB desde 2008.

Pelo contrário, a intensidade de variação tem diminuído, a recessão tem acontecido, o rendimento médio por cidadão tem decaído (em termos reais e nominais) e as condições de vida da maioria da população têm-se deteriorado a uma velocidade inaceitável (elevado desemprego, deficiências na saúde e no saneamento básico, salários baixos e tendencialmente com perda real do seu valor de compra, etc.).

Sinais de que a pobreza deve ter aumentado (aguardo com enorme expectativa os resultados do novo IBEP, em curso de execução o respectivo inquérito) e piorado a distribuição do rendimento, a despeito das medidas e acções do Governo de João Lourenço tendentes a reduzir a corrupção (fonte comprovada de enriquecimento ilícito e de promoção de desigualdades de acesso e de distribuição do rendimento nacional).

Os aumentos anuais do PIB por habitante têm diminuído desde 20112, tornaram-se negativos em 2014, 2015, 2016 e 2018 (-USD 621), mantendo esta tendência em 2019, invertida nas previsões do FMI para 2020 e 2021, embora com valores muito baixos, absolutamente ridículos, respectivamente, USD 97 e USD 6.

Estes diferenciais traduzem, afinal, o que há para distribuir no processo de funcionamento da economia e do seu crescimento real. Por isso, são importantes as declarações do Doutor Henrick Larsson, director do PNUD em Angola, na Conferência da 6.ª Semana Social, organizada pela Associação Cívica Mosaiko e que decorreu em Luanda entre 17 e 24 de Janeiro do presente ano: "a taxa de pobreza aqui em Angola é de 52%, e é muito elevada, um em cada dois angolanos vive em pobreza multidimensional".

O que pode significar que a taxa de pobreza, definida segundo os padrões internacionais convencionais, é mais elevada, expurgada de elementos que a amenizam no cálculo multidimensional. Num dos artigos que publiquei neste semanário sobre Angola 2019, identifiquei, entre outros desafios e ameaças para a economia nacional, a pobreza como um dos mais importantes, porque se relaciona com diferentes vertentes económicas, sociais e políticas.

Em quanto as medidas previstas no Acordo com o Fundo Monetário Internacional irão afectar a pobreza? Ninguém ainda ousou fazer os cálculos, nem o Governo, nem o FMI, nem a sociedade civil angolana3. É curioso assinalar as cautelas que Christine Lagarde colocou no seu pronunciamento público, no final da sua visita a Angola em Dezembro do ano passado, sobre algumas medidas de contenção e ajustamento que devem ser tomadas até 2021.

Os ajustamentos macroeconómicos - quase a qualquer preço - característicos das visões liberais do funcionamento das economias, se não forem acompanhados de ajustamentos microeconómicos acabam por ter apenas efeitos nefastos sobre as classes sociais mais dependentes e vulneráveis. O CEIC estimou para 2017 a taxa de pobreza entre 52,3% e 58,4%4, dependendo das alterações no modelo de distribuição e redistribuição do rendimento.

No entanto, havendo vontade política de se corrigirem desigualdades sem razão de ser - porque não resultam nem dos mecanismos de mercado, nem de diferenças de aptidões entre os cidadãos, nem da incidência de outros factores5 - e melhorar os mecanismos de se transformarem oportunidades em realidades de acesso à renda, então a incidência da pobreza poderia rondar 50%.

Melhorias mais expressivas poderão ocorrer se, entretanto, o crescimento do PIB se tornar mais intenso, permanente e inclusivo. Por exemplo, sendo possível uma taxa de crescimento de 11,7% ao ano e na hipótese Ep/r=-0,796, a taxa de pobreza em 2023 poderia ser de 41,6% e na hipótese Ep/r=-1,45 de 26,8%. Tomando como politicamente sensível o factor demográfico, então os desafios estão evidentes: promover o crescimento do PIB em bases sustentáveis e alterar o modelo de redistribuição do rendimento e da riqueza (imposto sobre as fortunas, na perspectiva de Piketty, e imposto sobre a propriedade das terras, na óptica do economista-chefe do Banco Mundial, Albert Zeufack (7).

Como consequências colaterais deste processo extraem- se o reforço da procura interna, o aumento do emprego e a facilitação da diversificação. No entanto, a sustentabilidade deste processo só será possível com medidas específicas de reafectação de parte do rendimento nacional às classes sociais mais desfavorecidas, o que terá de ser comprovado por investigação adicional.

Notas
(1) https://pt.m.wikipedia.org
(2) CEIC, Relatório Económico 2017, página 197.
(3) Refiro-me evidentemente a efeitos materiais e imateriais palpáveis, para além do que costuma ser useiro e vezeiro quanto à maior confiança dos mercados financeiros internacionais, impactando positivamente as taxas de juro e a maior disponibilidade de crédito. Esquece-se que em Angola o serviço da dívida pública representa 50% das receitas do Estado e, em 2019, a dívida pública total representará praticamente 80% do PIB e 113,4% do PIB não petrolífero (se não houvesse petróleo, a economia angolana estaria praticamente falida). São estes factos, aliados às dinâmicas de crescimento, à disponibilidade de moeda externa e aos modelos de transferência de rendimentos para o exterior que contam para os investidores estrangeiros e as instituições bancárias internacionais.
(4) CEIC, Relatório Económico 2017.
(5) Incidência do compadrio, da corrupção, da impunidade, do desvio de fundos do Estado, etc.
(6) Ep/r - elasticidade pobreza/rendimento.
(7) Entrevista ao Semanário Expansão de 6 de Abril de 2018 e Aula proferida na Universidade Católica de Angola em 30 de Março de 2018.