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Angola

2009-2019: Uma década perdida?

[Especial 10 Anos] Balanço

Num País com uma economia praticamente dependente do petróleo, a velha máxima de que a história se repete faz sentido. O FMI está de novo em Angola. A crise, a diversificação económica e a necessidade de reformas continuam a ser temas actuais. Principais mudanças só no poder político e no quadro regulatório.

A crise, a diversificação económica, o elevado peso do Estado na economia, as privatizações e as reformas do Governo para melhorar o ambiente de negócios do País eram temas quentes em Fevereiro de 2009, quando o Expansão lançou o primeiro número. Hoje, passados 10 anos, o ambiente socioeconómico praticamente não mudou e o País continua pouco competitivo e muito dependente da exportação de petróleo.

Num País em que, a título de exemplo, cerca de 95% das exportações são petróleo, a velha máxima de que a história se repete faz sentido. Há 10 anos, o País estava a braços com problemas na balança de pagamentos provocados pela queda abrupta das reservas de divisas, sobretudo devido à queda do preço do "ouro negro". "Reflexos da crise internacional", defendiam-se as autoridades, numa altura em que se começavam a preparar os caminhos que levariam Angola a bater à porta do Fundo Monetário Internacional (FMI), de quem obteve um empréstimo de 1,4 mil milhões USD no âmbito de um Stand By Arrangement, programa de ajuda com um prazo de 27 meses.

A assistência do FMI, que incluía um pacote de reformas estruturais, com o objectivo de diversificar a economia, foi considerada um sucesso. Passados 10 anos, o cenário do FMI em Angola repete-se. No ano passado, Angola voltou a solicitar a assistência financeira ao Fundo, pelas mesmas razões e com os mesmos objectivos.

"Foram feitos muito poucos progressos no que respeita à real diversificação da economia", reconhece Manuel Nunes Júnior, ministro de Estado do Desenvolvimento Económico e Social, que há 10 anos era ministro da Economia e nessa qualidade foi orador na conferência de lançamento do Expansão, a 12 de Fevereiro de 2009, sobre "Os desafios da economia angolana" que reuniu cerc a de 300 participantes.

"O processo de diversificação da economia avançou muito pouco", corrobora Aguinaldo Jaime, actual "patrão" da entidade supervisora de seguros, que há 10 anos era coordenador da reestruturação da Agência Nacional para o Investimento Privado - ANIP e também apresentou uma comunicação no evento do Expansão.

Ana Dias Lourenço, que ocupava a pasta do Planeamento, Álvaro Sobrinho, que liderava o Banco Espírito Santo Angola (BESA) e Pedro Mendonça, partner daMckinsey, completaram o leque de oradores.

Manuel Nunes Júnior anunciou, nessa conferência, várias medidas de combate à crise, que passavam pela "redução dos gastos públicos em bens e serviços", pela reprogramação dos investimentos públicos e pela reestruturação das empresas públicas estratégicas, mas também pela diversificação económica, com a aposta na redução de importação e aumento das exportações. O ministro apontava a um abrandamento no crescimento da economia do País naquele ano, que acabou por se verificar, já que o Produto Interno Bruto desacelerou de um crescimento a dois dígitos em 2008, para 0,9% em 2009. Passada uma década, o País atravessa um período de três anos seguidos de recessão.

No evento, a agora primeira-dama enumerou alguns dos desafios do País: demografia, manutenção das infra-estruturas e equipamentos sociais, bem como o capital humano do País. "Não há qualquer possibilidade das economias registarem um crescimento económico e sustentável sem existência de uma força de trabalho qualificada", dizia Ana Dias Lourenço. Passados 10 anos não se sabe a opinião da primeira-dama, já que se escusou a responder às questões do Expansão, alegando indisponibilidade de agenda.

Uma década depois do primeiro número do Expansão, Angola continua nos últimos lugares de índices internacionais que avaliam a competitividade, o ambiente de negócios, a transparência, a governação ou o desenvolvimento humano (ver página 5).

A única diferença significativa de há 10 anos para hoje pode estar na "vontade política" resultante da mudança na cadeira da presidência do País, que conduziu a um conjunto de alterações legislativas, saudadas por observadores, investidores externos e agências de rating.

Do novo quadro regulatório, aprovado após a eleição de João Lourenço para o cargo de Presidente da República, em Agosto de 2017, sobressai a nova Lei do Investimento Privado, que anula a exigência de sócio angolano nos projectos de investimento de capital estrangeiro e um montante de capital mínimo, assim como uma nova política de vistos, facilitadora dos processos de obtenção de visto. Os processos judiciais contra antigos titulares de cargos públicos, responsáveis políticos e empresários também ajudaram a criar a percepção de que está a ser levado a sério o combate à corrupção, uma das bandeiras hasteadas pelo actual Chefe de Estado, durante a campanha eleitoral e nos primeiros meses de mandato presidencial.

Para o economista Alves da Rocha "a economia nacional, depois de 2009, está num processo de desaceleração estrutural na sua dinâmica de crescimento, com variações reais do PIB pífias e com episódios de recessão" e, se "não se registarem mudanças estruturais consistentes e sustentáveis, vai ser assim até 2022". A tudo isto, acrescenta o economista e colunista do Expansão, deve-se acrescentar que, nos últimos anos, "a população tem vindo a empobrecer paulatinamente", já que o crescimento económico não acompanha o crescimento da população que hoje é de 30,2 milhões de habitantes, mais 7,9 milhões do que em 2009.


Álvaro Sobrinho diz que "não houve ímpeto reformista" em 2009

Há dez anos, quando participou na conferência organizada pelo Expansão, o então PCA do ex-Banco Espirito Santo Angola (BESA), Álvaro Sobrinho, admitiu que "mitigar os efeitos" da crise internacional eram o maior desafio do País, uma crise que ninguém esperava. "Não há nenhuma razão racional, tudo falhou, gestores, analistas, autoridades de supervisão, analistas, auditores, governo". Hoje, em resposta a questões remetidas pelo Expansão, Sobrinho sublinha que "já não são análises e diagnósticos que Angola precisa", uma vez que o "grande problema continua a ser a dependência do preço do petróleo".

"O que necessita de dar é uma volta enorme na criação de um ambiente de negócios suportado na criação de infra-estruturas, optimizadas e bem direccionadas, que possibilitem que Angola seja olhada como um País preferencial para grandes multinacionais investirem, em detrimento de outros países, nomeadamente países africanos. Angola tem de se tornar um país atractivo para o investimento, como forma de criar know-how, empregos sustentáveis e melhoria progressiva da sua estrutura produtiva", refere.

Por fim, e olhando para 2009, admite que a entrada do FMI no País naquela altura trouxe medidas que ficaram aquém do desejado, já que "quer o Fundo Soberano, que não cumpriu a sua missão, quer o clima de negócios, que não evoluiu nada de especial face aos países concorrentes, são exemplos de que não houve ímpeto reformista. Pelo contrário, a economia levantou-se novamente pelo preço do petróleo".


(artigo publicado na edição 512 do Expansão, de sexta-feira, dia 22 de Fevereiro de 2019, disponível em papel ou versão digital com pagamento em Kwanzas. Saiba mais aqui)


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