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Grande Entrevista

"A má gestão e a corrupção prejudicaram muito o progresso do País"

Grande Entrevista a EMÍLIA CARLOTA DIAS, 1.ª VICE-PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA NACIONAL

Aos 46 anos, Emília Carlota Dias é a segunda figura da Assembleia Nacional. Em entrevista ao Expansão fala sobre os desafios da governação de João Lourenço e admite que o Parlamento tem responsabilidades pelo elevado nível de corrupção e pobreza que afecta o País.

É deputada à Assembleia Nacional desde 2008. Em Outubro passado, foi designada primeira vice-presidente do Parlamento, em substituição de Higino Carneiro. Como encara o desafio de ser a segunda figura do Parlamento angolano?
Encaro como um desafio de grande responsabilidade, pois tenho a consciência da função que exerço. Note que a partir do momento em que somos eleitos, o nosso compromisso com povo tem que ser maior. Não importa de que partido fizemos parte ou fomos eleitos. Não é fácil coadjuvar o presidente da Assembleia Nacional. Como sabe, nas ausências e nos seus impedimentos, a figura imediatamente a seguir é logo a primeira vice-presidente. Então, o nosso compromisso é sempre o sentido de missão e procurar participar nas possíveis soluções para o País que se pretende em progresso.

Quando foi indicada a assumir um o cargo de elevada responsabilidade, o que pensou? Sentiu-se capacitada ou terá mais que ver com a vontade de quem a indicou?
Normalmente é a pergunta que todos nós gostamos de fazer quando alguém é indicado ou nomeado a desempenhar qualquer responsabilidade pública. Mas devo responder-lhe o seguinte: ninguém se sentiria capacitado a assumir um cargo de elevada capacidade sem um aprendizado. É claro que há sempre receios, há sempre ansiedades, ou mesmo alguma insegurança, mas penso que a vida é um conjunto de experiências e vivências, que ao longo do tempo nos dá um conhecimento capaz de qualquer um de nós vir a desempenhar com zelo e dedicação toda uma responsabilidade que nos é confiada. De facto, tive alguma insegurança, não porque me senti incapaz, mas sobretudo porque noto e sinto - e é do nosso conhecimento de todos que esta função é de elevada responsabilidade.

O actual momento político que o País vive, impulsionado com o slogan do partido do Governo "corrigir o que está mal, e melhorar o que está bem", exige do Parlamento a adopção de uma nova postura?
Sim. Assembleia Nacional deve estar engajada a implementar medidas que visam assegurar o Estado Democrático e de Direito, a defesa da democracia representativa e participativa. Penso que a par do envolvimento de outros sectores, do Parlamento angolano se espera mais acções na sua função representativa, política e legislativa, de controle e fiscalização.

E nas circunstâncias actuais em que o Parlamento está limitado à fiscalização das acções do Titular do Poder Executivo, como os deputados podem exercer, eficazmente, as suas competências constitucionais?
O exercício de fiscalização dos deputados não se resume na fiscalização dos actos do Titular do Poder Executivo. O acórdão do Tribunal Constitucional foi mais, sobretudo, na interpelação aos membros do Executivo e que a Constituição não previa, e, o Tribunal, achou que era uma violação muito flagrante da constituição. Mas nos termos do regime da Assembleia Nacional, a fiscalização pode ser feita, embora alguns achem que isto não é fiscalização. Os inquéritos parlamentares são uma forma de fiscalização.

O combate à corrupção é uma das bandeiras do Governo. Acredita no seu êxito?
Eu devo acreditar, estar optimista, porque as reformas da governação em Angola devem ser consideradas como um objecto imprescindível a prosseguir. E, também, devemos reconhecer que a corrupção afecta, inevitavelmente, o processo de gestão orçamental.

Tem uma ideia de como a corrupção prejudicou e afectou a imagem do País?
Por isso é que agora, o Governo do Presidente João Lourenço... ou seja, não só o Governo de João Lourenço, mas também o então de José Eduardo dos Santos sempre falou no combate à corrupção. Agora, com esta reforma política que o País está viver, este combate está ser acérrimo. De facto, durante muitos anos, a má gestão e a corrupção ganharam proporções que prejudicaram muito o País no seu progresso social e desenvolvimento.

Uma coisa é o que o Presidente Eduardo dos Santos falava, no que diz respeito ao combate à corrupção, e outra era a prática...
São coisas conjunturais. Todos nós tínhamos consciência do mal, mas agora o importante é que estão a ser dados bons sinais.

Olhando para o quadro que descreve, de pobreza e corrupção, não faz mea culpa aos deputados?
Pergunta difícil...

Ou seja, se chegamos a este nível é porque o Parlamento não desempenhou o seu papel devidamente?
Com toda sinceridade, em 2008, quando entrei para o Parlamento, nós tínhamos o que chamávamos de deputações. E deputações era justamente isto: fiscalizar os actos do Executivo. Viajávamos para as províncias, trabalhávamos com os governos locais para saber como estava a ser feita a gestão orçamental, tínhamos acesso à contabilidade do GEP (Gabinete de Estudos e Planeamento) das províncias... o rumo das coisas mudou, hoje é o quadro que temos. O melhor que temos que fazer é resgatar e dar a competência necessária de fiscalização da Assembleia Nacional...

Deixaram de fiscalizar por vontade própria, ou por alguma imposição de um agente externo ao Parlamento?
Eu vou fugir a esta pergunta...

Que lugar tem o ex-presidente na história de Angola?
Um grande patriota, o arquitecto da paz, um homem pacificador e, sobretudo, um homem muito nobre. É merecedor de todo o nosso respeito. Temos o País que temos, mas devemos a ele grande parte das vitórias.

Entretanto, foi na sua vigência que ocorreram as maiores fraudes ao erário público...
Mas o problema da corrupção, o problema da pobreza, já existem há bastante tempo. Não foi Eduardo dos Santos que trouxe a corrupção e a pobreza a Angola. Embora não seja uma justificação plausível, temos que trabalhar os programas de combate à pobreza e melhorar.

E onde é que Eduardo dos Santos terá falhado?
Prefiro não responder...

Foto: Adjali Paulo

"Os que foram indiciados, até prova em contrário, são inocentes"

Alguns deputados e ex-governantes foram indiciados por vários crimes relacionados com desvios do erário público. Por este andar, teme que o ex-presidente possa vir a ser arrastado?
É uma pergunta difícil, mas ninguém está acima da lei. A lei é igual para todos. Mas, deixe-me dizer o seguinte: os que foram indiciados, até prova em contrário, são inocentes. Enquanto não forem julgados e considerados culpados, temos que partir do princípio que todos eles são inocentes. Mas tal como disse, e muito bem, o presidente do partido, no discurso de tomada de posse, nem que formos os primeiros a tombar...

O facto de alguns deputados (do MPLA) estarem indiciados tem criado algum desconforto ao Parlamento?
Sim, sim. Na medida em que houve um incidente de um deputado, que foi retirado do avião. De facto, caiu-nos muito mal, e por consequência disso, houve reuniões a vários níveis na Assembleia Nacional, justamente porque se coartou um direito ao deputado. Ele tem imunidades, ele não está ser julgado, porque para se tirar imunidades a um deputado, é preciso que haja um despacho de pronúncia do juiz. Até porque, quem retira a imunidade é o plenário, através de uma resolução. Se não foi feito nada disto, o deputado não pode ser coartado nas suas liberdades e garantias. Foi uma ofensa muito grande à honra do deputado.

A Assembleia ficou satisfeita com o pedido de desculpas do Ministério do Interior ou deveria haver consequências?
Eu acho que devia haver consequências, porque depois vai havendo várias ordens superiores e tudo será possível.

O facto de ser jovem e mais ainda por ser mulher, aumenta nas responsabilidades que carrega, ou é indiferente?
Não importa ser jovem ou adulto, o que importa é encarar com responsabilidade as tarefas que nos são confiadas. Há jovens em toda a parte dos sectores da vida política, pública e administrativa, a dar bons exemplos de quadros competentes e capazes.

O número de deputadas é satisfatório?
Os partidos políticos e coligações devem ter como prioridade a promoção e inserção da mulher na vida política activa, sobretudo a mulher jovem. Em 2008, quando entrei no Parlamento, tínhamos mais mulheres, estávamos acima de 30%. Em 2012 tivemos uma baixa, mas não tão acentuada como nesta legislatura. Porquê? Justamente porque há pouca inserção das mulheres nas listas dos partidos, o que desfavorece a igualdade de género na Assembleia. Por outro lado, as mulheres são colocadas como suplentes e não efectivas. Logo, quando um governador é exonerado, por qualquer motivo, a deputada terá que ceder o lugar ao titular.

Apesar das mulheres representarem 30% dos 220 lugares, é notável a sua pouca participação nos debates. Isto não descredibiliza o seu papel na "Casa das Leis"?
Não sei se é correcta a forma como formula a questão. Também não quero entrar numa avaliação discriminatória, mas, pessoalmente, denoto que tem havido uma participação crescente e activa nas discussões...

Como explicar que, em quase 44 anos de independência, as mulheres sejam ainda preteridas em lugares chave?
É a ideia que se tem. Mas, a minha opinião, muito pessoal, nós as mulheres não podemos sentir- -nos preteridas. Devemos, sim, dar o nosso melhor, devemos estar nos lugares por merecer.

Os números não mentem: são 20 ministros contra 11 ministras e das 18 províncias apenas duas são dirigida por mulher...
Não questiono a estratégia do Presidente da República, ele é que sabe as opções que tomou. Mas, ainda assim, continuo a reiterar que vamos trabalhar e o mérito vai acabar por falar por si.

É de falta de mérito que João Lourenço não equilibrou na composição do seu Governo?
São muitas mulheres que se destacam. E o Presidente está a caminho do segundo ano de governação, portanto, penso que o presidente sabe bem das estratégias que tem e com que quadros poderá contar.

Foto: Adjali Paulo

"João Lourenço é um homem de desafios e não recua"

Que avaliação faz dos 16 meses de governação do Presidente Lourenço?
É pouco tempo, mas estamos diante de um Presidente bastante sério, um homem de desafios, comprometido com a causa do povo angolano. Se todos nós ajudarmos, vamos ter uma Angola melhor para todos. Esse combate à corrupção vai ser das mais difíceis, mas como ele próprio diz, não podemos ter medo e não podemos recuar. Será uma luta cerrada para todos aqueles que insistem continuar nas velhas práticas de má gestão.

Parece que João Lourenço está ser incompreendido, mesmo dentro do MPLA, há quem diga tratar-se de uma perseguição aos antigos colaboradores do ex-presidente.
Eu não vejo a coisa assim. Quem é, efectivamente, quadro do partido, sabe que não é verdade. Os que querem desvirtuar, querem porque querem. O programa é mesmo, os dirigentes são os mesmos, então não passa de meras intrigas que muitos gostam de fomentar.

Em que é que o Presidente João Lourenço está proibido de falhar?
Tem um compromisso muito sério do seu programa de governação. E, naquilo que a gente vê, é melhorar a condição social do nosso povo, porque, o Presidente está a dirigir um País numa crise económica gritante. Nós andamos por Angola inteira e vemos o nível de pobreza das nossas populações. Daí as soluções que está a procurar no exterior do País, para tentar buscar e negociar o máximo de recursos para que tenhamos outras condições.

É a pessoa ideal que o MPLA poderia encontrar para corrigir o que está mal?
Sim, porque ele é um homem de desafios, muito observador, conhecedor do partido como ninguém, não é um homem de alas, de grupos. E eu falo e cito que o Presidente João Lourenço é um homem de desafios e e ele não recua. Como sabe, durante muitos anos, ele foi vice-presidente da Assembleia Nacional...

Da OPA ao Parlamento

Adjali Paulo

Chegou à política ainda pequena, ao tempo da OPA, a Organização do Pioneiro Angolano. É natural do Namibe, mas foi na província da Huíla onde deu início à carreira política, quando passou a integrar o Comité Provincial, de onde "saltou", mais tarde, para secretária-nacional adjunta da JMPLA, o braço juvenil do MPLA.

Nas fileiras da organização juvenil do partido governante, chegou a ser vista como potencial líder, mas o facto de ter colocado o lugar à disposição, por incompatibilidade de tempo face às tarefas de deputada, gorou as expectativas dalguns sectores da juventude da "grande família" que queriam vê-la na liderança.

Além de 1.ª vice-presidente da Assembleia Nacional, é membro do Comité Central e do Bureau Político do MPLA. Casada e mãe de três filhos, Carlota Dias, 46 anos, é licenciada em Ciências da Educação.


(entrevista publicada na edição 515 do Expansão, de sexta-feira, dia 15 de Março de 2019, disponível em papel ou versão digital com pagamento em Kwanzas. Saiba mais aqui)