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Angola

"A dívida pública tem penalizado muito toda a definição da política económica do País"

Wilson Chimoco, economista, na Grande Entrevista Expansão

O economista e analista considera que os actuais níveis de endividamento vão "empatar" o desenvolvimento das diversas áreas da economia nacional, numa altura em que o Governo persegue várias metas, com destaque para o PRODESI. Em entrevista ao Expansão, admite que o regresso ao crescimento ainda deverá demorar algum tempo.

Tem sido muito crítico em relação à forma como o Executivo tem actuado para tirar o País da crise. Se fosse ministro das Finanças que medidas urgentes adoptaria?

Sem ser radical, usava o suficiente para parar o País, no sentido de que tinha de rever tudo aquilo que já tem sido feito, mas não começava do zero. Isto, para rever efectivamente o que têm sido os encargos para o Estado em termos fiscais, garantindo que o que tem sido pago foi utilizado anteriormente numa despesa ou num serviço a favor do Estado, portanto em benefício das populações. Penso que começaria por aí. O nosso maior tema hoje é a dívida pública. Isso é que tem penalizado muito toda a definição da política económica do País. Então, eu iria avaliar até que ponto é que esta dívida pública foi contraída em benefício do Estado.

Porquê é que acha que a dívida pública é o "calcanhar de Aquiles" do Governo?

Toda a política económica que está a ser desenvolvida desde a entrada em funções do Governo, de 2017 para cá, tem sido em torno da estabilização macroeconómica do País. E esse propósito exige essencialmente uma estabilização nas finanças públicas, ou seja, uma revisão nos pressupostos que foram adoptados pelo menos entre 2014 e 2017, naquilo que foram os grandes défices públicos registados, de modo a poder trazer o nível de endividamento público para níveis sustentáveis.

É na dívida que está focada a equipa económica do Governo?

O Estado está focado no endividamento público, e reduzir o endividamento público é a chave para que depois consigamos rever as despesas de capital que é fundamental. Com menor endividamento público, o Governo consegue fazer mais e melhor. E enquanto o Governo estiver amarrado aos níveis de endividamento que tem, dificilmente teremos uma política do Estado que pelo menos consiga impulsionar o crescimento económico, ou que esteja virada para questões sociais e que reduza os níveis de desigualdade e pobreza que se vão registando nos últimos tempos.

Com os níveis de dívida como estão, não se chega ao desenvolvimento económico e social?

Para o modelo social intervencionista como o que temos hoje, com os níveis de endividamento actuais, dificilmente o Governo vai ter pernas ou capacidade para executar e fazer as coisas a acontecer.

Como sustenta essa posição?

São dívidas que foram contraídas em termos não muito claros, um conjunto de sobrefacturação, corrupção, além da qualidade das próprias obras que foram produzidas. Há um conjunto de "senãos" por detrás dessas dívidas que hoje faz todo o sentido vermos o estado em que a economia se encontra.

O País falhou ao ter-se endividado?

A dívida não é má de todo. Todos os Estados têm dívidas e constituem-nas. Há países que têm níveis de endividamento elevado, mas depois há sempre uma proporcionalidade, entre o nível de endividamento e aquilo que são os níveis de qualidade de vida, de infra-estruturas e bem-estar dos cidadãos destes países. O que não se verifica no nosso País.

Em 2020 atingimos a quinta recessão consecutiva. 2021 será o ano que poe fim à recessão?

É pouco provável. Fizemos muito pouco para podermos sair da recessão. Nós estamos a depender ainda muito das variações do contexto externo. Os tais choques externos têm ainda um impacto relevante sobre aquilo que é a evolução da nossa economia interna. E internamente fizemos muito pouco para que pudéssemos ter certeza que, por nós mesmos, e por aquilo que fizemos, possamos vir a crescer em 2021. As minhas expectativas são muito reduzidas nessa matéria. Se voltarmos a crescer é porque, possivelmente, o preço do barril do petróleo vai estar em níveis superiores àqueles que previmos.

Por nós mesmos não chegamos lá...

Internamente, daquilo que são os fundamentos da nossa economia hoje, são poucas as probabilidades de que a economia volte a crescer.

O que faltou fazer?

Faltou o essencial. O crescimento económico não é algo aleatório, não acontece por acaso. Isso já vem sendo estudado há muito tempo, países que têm sabido adoptar as recomendações têm tirado proveitos necessários. Penso que o que teríamos de fazer, a princípio, e não fizemos, era fundamentalmente tornar as nossas instituições em instituições credíveis.

Como é que se processaria essa estratégia?

É dar rendimento às pessoas, educação e saúde. As pessoas com capacidade de compra conseguem, depois, internamente, ter condições de atrair investimento directo estrangeiro, porque o investimento estrangeiro que atraímos até hoje é investimento estrangeiro para o sector petrolífero. Não é um investimento que vinha porque Angola era um mercado apetecível ou porque as pessoas tinham poder de compra. Não é esse o investimento que atraíamos. E logo por aí, dificilmente a economia vai crescer. E se crescer vai ser um crescimento não sustentado e tão pouco inclusivo, porque vai ser sempre a reboque da indústria petrolífera.

Previsões para 2021?

É difícil fazer-se previsões, porque está tudo muito incerto e estamos muito dependentes daquilo que é o programa de vacinação contra a Covid-19 que em princípio, e segundo metas do Governo, começa já em Fevereiro. Já vamos perder dois meses, praticamente, e o ano tem 12 meses. E fazer futurologia daquilo que pode ser o desempenho da economia, tirando dois meses nos 12 anuais, significa que ficamos com perto de 80% da nossa capacidade interna. Estou em crer que, se se mantiver a actual tendência de aumento do preço do petróleo, e internamente já se reviu as quotas de produção de petróleo da OPEP - e nós aqui conseguimo-nos desenvencilhar -, poderemos, sim, para este ano, possivelmente, evitar uma sexta contracção do PIB.

Então vai haver uma estabilização?

Estou muito focado naquilo que aconteceu em 2020. Produzimos abaixo da nossa capacidade, não porque não tivemos capacidade de produção, mas pelas limitações que a Covid-19 trouxe. E estou em crer que, para este ano 2021, vai acontecer isso, ou seja, um ajustamento daquela capacidade que deixamos de produzir em 2020 para 2021, mas isto, como disse, vai depender da eficiência do plano de vacinação no País. Se o plano correr bem, e essa nova estirpe do coronavírus, que está a surgir, não se propagar pelo País, estou em crer que vamos conseguir fazer ajustamentos interessantes.

Pode apontar exemplos dos sectores onde esses ajustamentos podem acontecer?

No sector da agricultura, por exemplo, mesmo na indústria transformadora. Mas também no sector diamantífero houve uma capacidade que ficou por produzir, perto de 50%, segundo dados do sector. Tenho a certeza que se este ajustamento se fizer possivelmente evitaremos em 2021 uma sexta contracção da economia.

O que é que falhou no País para não crescer há cinco anos consecutivos?

É mais uma questão de diagnóstico. Fez-se um diagnóstico errado da situação económica do País, e depois fez-se uma prescrição médica também não muito consistente com aquilo que são as nossas reais necessidades. Buscar uma receita que é aplicável para realidades completamente diferentes da nossa podem sempre fazer sentido em papel, em projecções e em modelos, mas, na realidade, depois as coisas tendem a complicar-se. O que aconteceu foi exactamente isso.

(Leia o artigo integral na edição 608 do Expansão, de sexta-feira, dia 22 de Janeiro de 2021, em papel ou versão digital com pagamento em Kwanzas. Saiba mais aqui)