Porque Angola não podia ficar de fora do FACTA
Criado com o objectivo de combater a evasão fiscal de contribuintes norte-americanos com activos financeiros no estrangeiro através da recolha, processamento e troca de informação fiscal entre Estados, o Foreign Account Tax Compliance Act afirma-se como um instrumento de combate à fuga aos impostos dos países aderentes, aos paraísos fiscais e ao branqueamento de capitais e apoio ao terrorismo, do qual o nosso País não se podia alhear sob pena de prejudicar a sua imagem.
Foi assinado, no dia 10 de Novembro de 2015, na sede do Ministério das Finanças, o Acordo Intergovernamental no âmbito do Foreign Account Tax Compliance Act (FATCA), entre a República de Angola, representada pelo ministro das Finanças, Armando Manuel, e o governo dos Estados Unidos da América (EUA), representado pela embaixadora norte-americana em Angola, Helen Meagher La Lime.
O regime do FATCA tem como principal objectivo combater a evasão fiscal dos sujeitos passivos norte-americanos que detêm activos financeiros em instituições financeiras transfronteiriças. A adesão a este regime de um número cada vez maior de países conduz, no entanto, a acções e consequências mais abrangentes, como sejam o combate i) à evasão fiscal transfronteiriça dos sujeitos passivos de imposto dos países aderentes e consequente diminuição da receita estatal; ii) à existência de paraísos fiscais; e iii) ao branqueamento de capitais e apoio ao terrorismo.
Uma vez que este regime passa, primordialmente, pela recolha, processamento e troca de informação fiscal entre Estados, Angola deverá também aderir ao Common Reporting Standard (CRS), uma ferramenta que permite a troca automática de informação fiscal a nível global, possibilitando aos países signatários a obtenção de informação sobre os seus residentes fiscais com investimentos em instituições financeiras localizadas em países terceiros.
O CRS deverá entrar em vigor no dia 1 de Janeiro de 2016, estando o primeiro reporte de informação previsto para Setembro de 2017. Actualmente, 61 países assinaram um Acordo Multilateral e 30 países assumiram um compromisso informal de adesão. Entre os signatários, encontram-se quatro países africanos, estando o Fórum Global para a Transparência e Troca de Informações Fiscais a estudar métodos para captar a adesão de mais países do nosso continente. A própria União Europeia adoptou a troca automática fiscal do CRS como novo padrão obrigatório entre os seus Estados-membros.
Os objectivos dos EUA expressamente referidos, com a implementação do FATCA, são o combate à fraude e evasão fiscal internacional, praticada por cidadãos e residentes fiscais norte-americanos, na medida em que o mesmo obriga a que as instituições financeiras estrangeiras – directamente, ou através das suas autoridades nacionais – passem a submeter informações sobre contas e activos detidos por US Persons, tornando-se mais difícil a ocultação de rendimentos obtidos no estrangeiro e tributáveis nos EUA.
Impactos e penalizações Embora a adesão ao FATCA assuma um carácter voluntário, os impactos e penalizações decorrentes da não adesão a este regime são bastante abrangentes, podendo, no limite, prejudicar a competitividade de uma instituição financeira nacional que optasse por não participar no regime, ou a própria imagem da República de Angola, enquanto país não cooperante nos desígnios do combate à fraude e evasão fiscal internacionais, e do combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo.
Não podemos também ignorar o facto de que a não adesão ao FATCA implicaria a imposição de uma tributação, à taxa de 30%, por via de retenção na fonte, sobre todos os rendimentos fixos determináveis, anuais ou periódicos – nomeadamente juros e dividendos – com origem nos EUA.
Adicionalmente, a partir de 1 de Janeiro de 2017, a sujeição a retenção na fonte incidirá também sobre o valor bruto resultante da alienação de activos financeiros norte-americanos. Adesões à escala mundial Ainda que este seja um processo impulsionado pelos EUA, a verdade é que a adesão ao FATCA é, hoje, uma prática disseminada nas mais importantes economias mundiais. Resulta, da análise dos dados disponibilizados pela administração fiscal norte-americana, uma tendência mundial de adesão ao FATCA, incluindo-se neste leque países com os quais Angola mantém importantes relações comerciais, as quais seriam prejudicadas caso não houvesse adesão ao regime.
O número de adesões ao regime FATCA não pára de crescer e espera-se que a repercussão do FATCA atinja proporções globais, abrangendo entre 100 mil e 700 mil organizações financeiras, inclusive nos EUA.
Todas estas organizações deverão partilhar informação, de modo a evitar a possibilidade de se esconderem fortunas no estrangeiro. À medida que mais países adiram ao FATCA (quer pela vantagem da troca de informação, que lhes permitirá tributar os valores que os seus cidadãos guardam em contas offshore, quer para fugir às sanções), tanto mais difícil será o branqueamento de capitais.
O regime FATCA é visto como um esforço do governo norte-americano para eliminar a privacidade financeira do sistema bancário internacional. Tendo em conta que, de acordo com a publicação Corporatocracy – FATCA Reporting and Drug Money Laundering de 29 de Agosto de 2014, o branqueamento de capitais provenientes de cartéis de drogas atingiu o 85% da economia global em 2012, o FATCA surge como um instrumento que se impunha.
Conclusão Num momento em que a globalização da economia e dos mercados financeiros não é uma mera expectativa, mas sim um facto consumado, era crucial evitar a exclusão do movimento global de adesão ao FATCA, passando Angola a fazer parte deste importante regime de luta contra a evasão fiscal e contra o branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo.
Num mundo cada vez mais globalizado, a transparência e a partilha de informação são as únicas alternativas possíveis na luta contra o crime organizado e a corrupção. Ora, é precisamente essa transparência que o FATCA exige, sendo inequívoco o compromisso de Angola com a transparência financeira e, concomitantemente, com a luta contra o branqueamento de capitais.
O curriculum angolano contra a lavagem de dinheiro
Angola demonstrou já, por diversas vezes, o seu sério e profundo compromisso com a luta contra o branqueamento de capitais Tendo em conta a aprovação, por parte da República de Angola, da Resolução n.º 19/99, de 30 de Julho (DR I.ª Série, n.º 31), da Resolução n.º 21/10, de 22 de Junho (DR I.ª Série, n.º 155) e a Resolução n.º 38/10, de 17 de Dezembro (DR I.ª Série, n.º 239) que ratificam as Convenções das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas, a criminalidade transnacional e a supressão do financiamento ao terrorismo, respectivamente, de modo a garantir a segurança territorial e do sistema financeiro angolano, e para adoptar e implementar as disposições legais constantes das referidas Convenções, o nosso país publicou, em Diário da República, a Lei n.º 12/10, de 09 de Julho, sobre o Combate ao Branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo.
Devido, entretanto, à necessidade de revisão do sistema de prevenção e repressão do branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, no sentido de garantir a sua conformidade com os padrões internacionais, efectuaram-se alterações à Lei n.º 12/10, de 09 de Julho, aprovando, a Assembleia Nacional, a Lei n.º 34/11, de 12 de Dezembro, Lei do Combate ao Branqueamento de Capitais e do Financiamento ao Terrorismo, fundamental no reforço do exercício das funções das autoridades nesta área.
No envidamento de esforços para o combate ao branqueamento de capitais, o Governo criou uma Unidade de Informação Financeira (UIF), tutelada pelo Ministro do Interior, para monitorizar e combater operações suspeitas de branqueamentos de capitais e financiamento de terrorismo. Este novo órgão trabalha directamente com os organismos competentes nos domínios da justiça, fiscal, bancário, diplomático e administrativo, devendo seguir a sugestão do Fundo Monetário Internacional no sentido de o Governo angolano se empenhar mais em garantir a transparência das contas públicas.
De acordo com a UIF, os esforços do nosso país na integração em organizações internacionais de luta contra o branqueamento de capitais começaram a produzir frutos com a admissão de Angola como membro observador do Grupo Regional da África Oriental e Austral contra o Branqueamento de Capitais (ESAAMLG), na 21.ª reunião do task force group, em Zanzibar (Tanzânia), em Abril de 2011, dando-se início ao processo de tornar o país membro efectivo do ESAAMLG, avaliando-se o seu grau de cumprimento das recomendações do Grupo de Acção Financeira Internacional (GAFI).
Plano estratégico
Depois da sua integração como membro efectivo do ESAAMLG, Angola ficou com a responsabilidade de elaborar um plano estratégico de implementação nacional, para conseguir ultrapassar as deficiências apontadas pelo Mutual Evaluation Plan, elaborado pelo Banco Mundial, sob mandato do ESAAMLG, em 2011. O plano estratégico de implementação nacional de Angola foi aprovado em Setembro de 2013, na 13.ª reunião do Conselho de Ministros do ESAAMLG. Já este ano, a 28 de Janeiro, a Assembleia Nacional aprovou a Lei da Criminalização das Infracções Subjacentes ao Branqueamento de Capitais e a Lei Reguladora das Revistas, Buscas e Apreensões, reforçando o seu compromisso com a luta internacional contra o branqueamento de capitais.
Uma delegação angolana – chefiada pelo Ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, RUI JORGE MANGUEIRA – apresentou, no dia 10 de Fevereiro deste ano, em Paris, o pacote relativo ao branqueamento de capitais, aprovado no dia 28 de Janeiro pela Assembleia Nacional, ao GAFI.
O diálogo entre Angola e o GAFI tornar-se-á, indubitavelmente, ainda mais estreito, na medida em que o nosso país assume, até 2015, a presidência do ESAAMLG. A legislação aprovada e a regulamentação do sector financeiro – a que não é estranha a própria Reforma Tributária actualmente em curso no nosso país, que visa remodelar e actualizar todo o sistema tributário e modernizar, tornando-a mais eficiente e célere, a Administração Tributária – são provas concretas dos esforços empreendidos por Angola na luta contra o branqueamento de capitais, contra o narcotráfico e o financiamento do terrorismo.
*Mestre em Direito; Administrador da Administração Geral Tributária (AGT)