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Opinião

Afinal vai haver ou não acordo com o Fundo Monetário Internacional?

Comentário

São sempre negociações difíceis e complexas. As doutrinas em que se baseiam as abordagens sobre a situação financeira e económica do País diferem entre o Governo e o Fundo Monetário Internacional (FMI). O Governo porque receia perder as eleições se os ajustamentos macro, meso e microeconómicos forem violentos, apesar de necessários.

Não creio que o Governo tenha uma preocupação legítima sobre o mais do que certo agravamento da situação social dos angolanos, em especial das franjas mais desfavorecidas (60% da população). Teve inúmeras oportunidades de o fazer, nos anos "gordos" das receitas fiscais e de exportação do petróleo.

Preferiu outras opções - enriquecimento da elite que o rodeia -, correndo agora o risco de nem este apoio conseguir, ainda que escasso em termos da aritmética das eleições.

As posições do FMI são conhecidas: sem estabilização dos macoeconomic fundamentals, a retoma do crescimento não vai acontecer e a atracção de investimento estrangeiro poderá estar adiada.

QUE PONTOS PODEM ESTAR NA AGENDA DAS DISCUSSÕES? ELENQUEI OS SEGUINTES:

a) Revisão do PND, ou seja, a elaboração de um novo plano a médio prazo 2018-2022: será no fundo o programa eleitoral do MPLA às eleições de 2017. Havendo acordo com o FMI, as políticas e programas acordados farão ou não parte do novo PND?

b) Fortes reservas políticas de amplos sectores do MPLA quanto à assinatura de um memorando de entendimento com o FMI, em particular em clima pré-eleitoral e que acabará por condicionar as políticas "mplaistas" no futuro (quatro anos pode ser o tempo de duração do acordo com o Fundo).

Parece, inclusivamente, que o próprio Presidente da República, que assinou a carta-convite ao FMI para vir ao País discutir com as autoridades o estabelecimento de um programa de apoio financeiro e técnico à diversificação económica (na explicação do Governo este é o principal objectivo, mas por hábito é o Banco Mundial que se envolve em matérias de financiamento de projectos para o desenvolvimento dos países-membros), não estará pelos ajustes, dada a sua reconhecida reserva (aversão?) por esta instituição de Bretton Woods.

c) Independentemente do montante que vier a ser acordado - dependente da efectiva situação económica e financeira do País, definida segundo os critérios, parâmetros e medidas do Fundo e se é para resgate, apoio à balança de pagamentos ou suporte da diversificação económica -, o Governo terá de ter também como referência o programa com o FMI, que não abdicará de o formular e controlar a respectiva execução. Como vai ser então a gestão da política económica com tantos documentos e políticas em cima da mesa da governação?

d) Como é que se solicita ao FMI apoio técnico para a diversificação da economia, se o Governo já tem um estudo sobre o mesmo assunto, que custou cerca de 1 milhão USD, financiado pelo BAD e realizado por um consórcio português de consultores?

Quando o trabalho foi entregue às autoridades angolanas foram apresentadas várias reservas sobre a sua completa validade. Será por isso que agora se solicita o envolvimento do FMI?

e) Havendo acordo - ou seja, anuindo-se na agenda de negociações e nos pontos mais sensíveis da situação financeira e económica nacional -, a assinatura do respectivo programa de assistência financeira não ocorrerá antes de um ano, tantas são as voltas a dar dentro desta instituição internacional.

Ou seja, a probabilidade de se assinar acabará por ocorrer depois das eleições e a sua implementação talvez aconteça apenas no início de 2018. Que programa o MPLA e o seu novo Governo saído das eleições vão implementar? Uma desavença com o FMI, traduzida pelo incumprimento de parte das cláusulas, pode levar à sua denúncia pelo Fundo, o que beliscará a já de si muito frágil imagem internacional de Angola, sobretudo nos mercados financeiros.

As previsões sobre o crescimento económico de Angola têm vindo a sofrer sucessivos ajustamentos em baixa, tendo o Banco Mundial (Global Economic Prospects, Junho de 2016) colocado a respectiva taxa para 2016 em 0,9% (correspondente a uma degradação das condições de vida de -1,81%) e 3,1% em 2017 e 3,4% em 2028 (do meu ponto de vista também sujeitas a revisão, atendendo ao esperado comportamento em baixa do preço do petróleo, o comprometimento de 50% das receitas de exportação do petróleo para se pagarem dívidas contraídas e garantidas com este recurso natural, à quebra da procura interna pelo efeito elevação dos preços e à contínua prevalência dos conhecidos escolhos para se fazerem negócios rentáveis no País).

"Segundo o FMI, o PIB per capita angolano irá recuar 0,5% em 2016, 0,3% em 2017, depois de não ter crescido em 2015. A inflação será de 19,1% em 2016 e 15,2% em 2017. As últimas previsões da Economist Intelligence Unit apontam para um crescimento médio do PIB de 2,6%/ano entre 2016-2020.

O que significa que Angola continuará a crescer abaixo da média regional, logo a empobrecer em relação aos seus pares. E que, tendo em conta o crescimento populacional, os angolanos vão continuar a viver com menos - o que certamente acrescentará ao descontentamento entre os mais desfavorecidos. O PIB real continuará a evoluir consoante tendências no sector energético, apesar de esforços para diversificar a economia, que também levantam dúvidas ao FMI." (1)

f) O papel da política monetária e do Banco Nacional de Angola, nas suas "vestes" de banco central sem grandes foros de autonomia política, é ponto-chave num possível acordo com o Fundo. Conforme tenho referido, esta instituição não tem sido capaz de garantir alguns dos itens importantes da função estabilidade da economia através do Estado, deixando resvalar a taxa de inflação para níveis não acontecidos deste 2012 (uma projecção linear para o final deste ano coloca a taxa perto de 50%). Sem crescimento, sem divisas, sem facilitação de acontecerem novas actividades, sem infra-estruturas e sem capital humano, o empresário estrangeiro não vem - limitando-se, provavelmente, a marcar lugar através das intenções de investimento.

g) Outra matéria relevante para este dossier é a da sucessão presidencial. Como, seguramente, o MPLA ganhará as eleições legislativas e presidenciais de 2017 - a única dúvida relaciona-se por quanto, tendo em vista a deterioração da situação social, o aumento da pobreza, o incremento do desemprego - só em 2015 foram "criados" 60.000

novos desempregados, apesar das estatísticas do MAPTESS dizerem que ocorreu um incremento global - as instituições internacionais, e neste caso o FMI, estão preocupadas com o cumprimento dos acordos financeiros que possam ser assinados com Angola.

Agosto é a data crucial para se traçarem cenários mais consistentes e concretos sobre esta temática.

h) O risco político em Angola tem vindo a aumentar, segundo medições de algumas agências internacionais de estudos sobre a segurança no mundo. A queda do preço do petróleo, a desaceleração do ritmo de crescimento do PIB, o desemprego - não fosse o sector informal e a situação seria muito mais dramática -, a degradação da qualidade dos serviços sociais prestados, a crescente intervenção estatal na economia e o fraco Estado de Direito são os indicadores que apontam nesse sentido. Neste contexto, adicionar um Programa Financeiro com o FMI - necessariamente austero - a esta frágil situação é correr riscos sociais e políticos inconvenientes para o partido governista.

i) Um outro ponto de importância nesta agenda conjunta Governo/FMI é o da segurança jurídica para atrair investimento privado estrangeiro, relevante para alavancar a recuperação da dinâmica de crescimento perdida depois de 2008 e para a estruturação da diversificação do tecido exportador do País. E segurança jurídica é algo que Angola não tem, ainda que de acordo com o Doing Business, o atributo "segurança do investimento estrangeiro" não se encontre ameaçado por nacionalizações ou outras intervenções politico/doutrinárias/ideológicas semelhantes. No entanto, prolifera no sistema judicial angolano uma sensação de assimetria e desigualdade na resolução de diferendos, entre quem é próximo do regime e o cidadão/empresário comum. Para além da morosidade das sentenças.

(1) África Monitor Briefing de 9 de Junho de 2016