Como os "kilapis" incentivam os "micheiros"
Que o Estado estava a atrasar-se a pagar aos fornecedores já toda a agente sabia. Mas faltava saber qual o valor. Já se sabe. E não é pouco. "(...) Estima-se que se tenham acumulado 3% do PIB [Produto Interno Bruto] em atrasados de pagamentos internos", lê- -se no relatório do corpo técnico do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre as consultas de 2016 ,ao abrigo do artigo IV.
De acordo com o FMI, em 2016, o PIB angolano, isto é, os bens e serviços finais produzidos em Angola, ascendeu a 17,7 biliões Kz, o que coloca os atrasados em cerca de 473 mil milhões Kz. Em dólares, estamos a falar de 2,9 mil milhões USD.
A lei angolana considera em atraso as facturas referentes a contratos de empreitadas de obras públicas e de aquisição de bens e serviços não pagas até 90 dias após a data de vencimento.
Se as dívidas do Estado às empresas são más em qualquer parte do mundo, a situação ainda é mais grave em Angola, onde para muitas empresas o Estado é o principal, senão mesmo o único, cliente.
As dívidas do Estado angolano criam uma espécie de círculo vicioso na economia. O Estado não paga às empresas. Sem capitais próprios e fraca capacidade de endividamento, empresas começam por atrasar pagamentos aos fornecedores e até aos trabalhadores. Mas se a situação persistir as empresas mais dependentes do Estado acabam mesmo por fechar.
Por isso, deve ser saudada a autorização do Presidente da República para a emissão de cerca de 403 mil milhões Kz de dívida pública para a regularização de atrasados. O desafio agora é não deixar que o flagelo volte.
Acresce que os efeitos nefastos dos atrasos nos pagamentos não se esgotam na economia, chegando a incentivar a corrupção.
Crise para a maioria, os atrasos nos pagamentos do Estado constituem uma oportunidade para uma minoria: os "micheiros", indivíduos bem conectados dentro do Governo e do partido maioritário que pululam pelos corredores dos ministérios e outros órgãos do Estado. Começam por identificar os fornecedores do Estado que aí se dirigem para reclamar os pagamentos em atrasado. Uma vez identificada a presa, propõem-se ajudar. Primeiro na validação das dívidas, depois no pagamento. Como não há almoços grátis, a ajuda é prestada em troca de uma "micha", percentagem sobre o valor recebido. Com a corda na garganta, muitas empresas acabam por ceder.
Mas no fundo, quem acaba por pagar a "micha" é o próprio Estado sob a forma de preços mais altos. Conhecedores do modus operandi do Estado, quando fazem um orçamento, as empresas põem no preço eventuais atrasos nos pagamentos e "michas". Ou seja, no fundo no fundo, quem paga as "michas" são os contribuintes.