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"Se dependesse da Literatura, já teria morrido à fome há muito tempo"

PEPETELA

Um dos maiores escritores nacionais, Pepetela, conta ao Expansão que os africanos não tiveram tempo para pensar no tipo de sociedade e de regime político e económico mais compatível com a sua cultura, sendo obrigados a adoptar modelos estrangeiros.

Durante a guerrilha escreveu os seus primeiros livros, entre os quais "Mayombe". Como conciliava as duas actividades, e como é escrever em tempo de guerra e, depois, de paz?

Escrevia nos tempos livres, sobretudo à noite, à luz de uma lamparina. Durante o dia ia observando e pensando no que escreveria. Quando estava em missão, os papéis ficavam escondidos, embrulhados em plástico por causa da chuva. Não era fácil escrever sempre, mas era possível pegar nas folhas pelo menos uma vez por semana.

Em 1997, foi o primeiro autor angolano a ganhar o Prémio Camões, o mais importante da língua portuguesa. O prémio contribuiu para projectar a literatura angolana lá fora?

Em Portugal teve influência. Nos outros países não. E até hoje é um prémio com pouca expressão no Brasil.

Esteve envolvido, em 1975, na criação da União dos Escritores Angolanos (UEA). Identifica-se com a UEA de hoje?

Sempre me identificarei com a UEA, foi a minha primeira associação e primeiro editor. Tive vários cargos nela e tenho orgulho nisso.

Como vê a nova geração de escritores angolanos?

Há muitos jovens (ou menos jovens) que escrevem e o gosto de criar estórias está neles. Os angolanos têm gosto em contar estórias. O problema, por um lado, é a dificuldade de publica- ção. Por outro, nos jovens de hoje, dada a qualidade do ensino existente, nota-se a capacidade de efabulação e narrativa, mas pouco domínio do português escrito. É uma enorme desvantagem. Mas têm-se revelado regularmente novos escritores com qualidade.

A sua formação em Sociologia contribuiu para a criação dos seus romances?

Estudei Sociologia para melhor poder conhecer a realidade social angolana e escrever sobre ela. Por isso, sim, foi um óptimo instrumento para a minha literatura.

"Se o Passado Não Tivesse Asas" é uma história que narra dois períodos temporais. Um tempo de guerra (1995) e um mais próximo, de paz (2012). Era este o país que esperava?

Quando estávamos na Luta de Libertação, todos sonhávamos com um país independente, livre e com forte justiça social. Atingimos a independência, já não foi mal. Mas esperava que, quarenta anos depois, estivéssemos bem melhor, e sobretudo que não tivéssemos o grau de pobreza ainda existente.

Dos clássicos aos contemporâneos, quais são os seus escritores preferidos?

É sempre injusto referir outros escritores como os preferidos. Mas devo reconhecer a influência de escritores brasileiros como Jorge Amado, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, também a geração fantástica norte-americana de Hemingway, Steinbeck, Faulkner, ou de franceses como Camus, Sartre, Your cenar... São tantos os escritores de que gosto...

A "Gloriosa Família" resultou de uma pesquisa de sete anos. Em média, quanto tempo leva para escrever os seus livros?

Os livros com base na História levam, de facto, mais tempo, pois exigem pesquisa. Mas eu vou colhendo e guardando elementos ao mesmo tempo que posso estar a escrever sobre a actualidade. E também posso escrever e não publicar logo, para que o livro se revele de facto estar pronto. O tempo é, pois, uma variável muito indefinida. Há o da escrita propriamente dita e há o do livro, isto é, o tempo que decorre entre o começo e a edição. E há os que morrem quase à nascença.

Está a escrever um livro neste momento?

Não. ..

Tem mostrado preocupação no que diz respeito à adopção de modelos ideológicos e sociais de países europeus por parte de Angola. Considera que isso poderá ter influenciado a actual situação económica do País?

Não sei, pois também não sei se é possível inventarmos modelos só nossos. Mas é minha ideia que nunca deram aos africanos o tempo para pensarem no tipo de sociedade e de regime político e económico mais compatível com a sua cultura (ou suas culturas) e desejos. Obrigaram-nos sempre a imitar modelos estrangeiros. Precisaríamos de tempo e muita conversa entre nós para inventarmos algumas coisas nossas, com as quais nos sentíssemos confortáveis. É um desejo, até hoje inalcançável. Outros dirão, utópico. Isso não me incomoda. O que me incomoda é aceitarmos qualquer receita que qualquer vendedor de banha de cobra nos venha impingir como a maior das verdades. A ditadura dos mercados, por exemplo. Ou os projectos megalómanos.

Considera que Angola é um país de contrastes?

Claro que é um país de contrastes. E o fosso entre os riquíssimos e os pobres não pára de aumentar. Até onde irá essa brutal diferenciação social?

O falta para reduzir esse fosso?

Falta muita coisa, alguma já está dita atrás. Honestidade e bom senso nunca são demais.

Há quanto tempo vive da Literatura?

Se dependesse da literatura, já teria morrido à fome há muito tempo. Nem teria constituído família! A crise teve impacto nas vendas dos seus livros? A crise em Angola até agora não afectou muito a venda dos meus livros. Já noutros países se nota mais essa questão.

"As utopias são necessárias"

Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos, mais conhecido como Pepetela, nasceu no dia 29 de Outubro de 1941, na província de Benguela. Em 1974, o escritor desempenhou os cargos de director do departamento de Educação e Cultura de Angola. No futuro, Pepetela espera que Angola esteja um pouco "mais em ordem", já com medidas concretas e aplicadas na transparência dos processos políticos e económicos, com menos obras grandiosas e quase inúteis e muitas mais pequenas iniciativas de sucesso. O escritor pede: "que se fale e discuta e manifeste com plena liberdade", referindo que "podem ser apenas sonhos, mas as utopias são necessárias...".