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Opinião

Presidente João Lourenço, ajude a reforçar as universidades angolanas

Alves da Rocha

O próximo ano afigura-se muito desafiante nas três dimensões através das quais os fenómenos sociais são analisados e perspectivados: económico/financeiro, social e político. O Presidente João Lourenço terá de ultrapassar alguns obstáculos e contradições de natureza política - que ficaram patentes no Seminário do MPLA sobre o combate à corrupção e ao nepotismo - para poder atacar as debilidades económicas e institucionais do processo de crescimento económico (do meu ponto de vista será difícil já em 2018 atingir-se uma taxa de crescimento do PIB de 4,9%, cujas razões tenho vindo a apresentar ao longo do ano em fase de fecho de contas) (1).

As promessas que fez durante a sua campanha eleitoral são muito exigentes em transparência, competência, conhecimentos científicos e técnicos e vontade política. E não se esqueça que uma das mais enfáticas que fez foi a de criar todas as condições, necessárias e suficientes, para que a maior parte das Universidades angolanas façam parte dos principais rankings internacionais. O Presidente sabe que isso não acontece da noite para o dia, sabe que muito trabalho tem de estar em cima da mesa, muitas opções estratégias têm de ser tomadas, muita investigação e pesquisa científica tem de ser feita, muitas networks com Universidades estrangeiras têm de ser constituídas, muito investimento tem de ser feito, afinal, muita coisa tem de acontecer.

A Universidade Católica de Angola (UCAN) sabe por experiência própria o tamanho do esforço e da dedicação que teve de colocar no seu trabalho para que hoje seja a única Universidade angolana a figurar no ranking das 100 melhores Universidades africanas, ocupando o 78ª lugar. A UCAN, depois da reunião do seu Senado Universitário realizada em 14 do corrente mês, aprovou um Plano de Desenvolvimento Estratégico para 2017-2021 onde o grande objectivo é o de melhorar a sua posição no ranking do qual faz parte e integrar-se noutros muito mais exigentes em qualidade de ensino e de pesquisa, de organização e funcionamento, de melhoria de instalações, de fornecimento de serviços, de publicações de trabalhos, de relacionamento com outras universidades, de vinda de professores estrangeiros para lecionarem com os seus docentes matéria novas do conhecimento científico nas diferentes áreas do conhecimento global, etc.

As universidades são centros de saber, e nessa qualidade têm de o criar, adotar (imitação criativa) e aplicar. Mas igualmente são organizações da sociedade civil e nessa particularidade interagir com os agentes, privados e públicos.

O Presidente João Lourenço, também nas suas intervenções públicas, tem defendido as parcerias-público privadas como uma solução para o programa de infra-estruturas do Governo (também tenho manifestado reservas sobre estas modalidades de financiamento das obras públicas, sobretudo pelos encargos advenientes para o Estado e penalizadores das futuras gerações, bastando para isso atentar no que se passa em alguns países da União Europeia onde os ónus das rendas são incomportáveis para os orçamentos nacionais), mas nunca se referiu às parcerias Estado-Universidades, através das quais estas podem transmitir conhecimentos para aquele tendentes a melhor estruturar as suas decisões políticas e de políticas económicas e sociais. Existem razões para esta lacuna.

O Estado necessita de muitos estudos e não podendo realizá-los por si próprio - por insuficiência de quadros ou de tempo - tem de ir às Universidades angolanas, discutir com elas (ou com as melhores, no seu entendimento), apresentar os termos de referência, verificar as suas capacidades científicas e técnicas, a capacidade e qualidade dos seus docentes e investigadores e assim estabelecer parcerias para que sejam estas estruturas angolanas a colaborar consigo na busca das melhores interpretações dos problemas e das mais adequadas soluções. Não se esqueça, Presidente João Lourenço, que para além da análise sustentada em informação estatística (de base ou derivada), está o feeling, a forma de se sentirem os problemas e esse é apenas nosso, dos angolanos. Não são os estrangeiros que nos virão dizer como sentir os nossos problemas e delinear soluções, as melhores, do nosso ponto de vista. E é justamente neste ponto que se justifica o título do meu artigo.

Através de informações que obtive, não são nem os nossos Ministérios - a despeito de depois no final os documentos terem os seus nomes - nem os quadros desses Ministérios, nem as Universidades angolanas (ou os seus centros de pesquisa) que estão envolvidas na actualização da Estratégia de Desenvolvimento de Longo Prazo e na elaboração do novo Plano de Desenvolvimento de Médio Prazo 2018-2022. Dois documentos que podem vir a custar cerca de 10 milhões de euros, em moeda forte. Estes trabalhos foram entregues a duas empresas estrangeiras de consultoria, uma das quais já partícipe em trabalhos anteriores da mesma natureza. Uma das razões que me foi apresentada para estas adjudicações directas é a experiência que as mesmas apresentam.

Mas afinal, se as Universidades angolanas não efectuarem este tipo de estudos, quando adquirirão experiência? Até quando esta sobranceria estrangeira se vai manter - já dura há muitos anos - e afinal para que servem as Universidades angolanas se o seu papel de centos de investigação, pesquisa e estudos é desvalorizada pelo próprio Governo? Afinal para que serviu a explosão universitária dos últimos anos? Afinal, as Universidades angolanas não servem para nada, ou apenas - como algumas empresas estrangeiras de consultoria que contactaram com a UCAN o propuseram - para disponibilizar informação sistematizada e actuarem como centrais de telefonistas para disponibilizarem contactos oficiais.

Mas não é apenas de dinheiro forte que se trata (os montantes atrás referidos ou uma percentagem apenas, dariam muito jeito a algumas Universidades privadas presentemente com dificuldades financeiras, decorrentes de uma crise de que não foram parte responsável), mas também de disponibilização de informação. Estas empresas estrangeiras têm as portas completamente abertas para o acesso a todo o tipo de informação, justificando com a necessidade de se cumprirem os prazos e os termos contratuais.

Muitas vezes trata-se de informação reservada e estratégica que é entregue a essas empresas, adquirindo, por essa via, uma vantagem competitiva em concursos subsequentes. A este propósito vou citar Arnaldo Lago de Carvalho, um dos mais conceituados economistas angolanos (dos tais que têm o feeling dos nossos problemas) em entrevista ao Semanário Expansão de 1 de Dezembro do corrente ano: "(...) mas mais grave do que isso foi o facto de ter sido aberto tudo o que é arquivo da Sonangol a uma montanha de consultores que hoje em Portugal têm mais informação da Sonangol do que nós todos juntos". É isto o que se passa e tem ocorrido em muitos Ministérios. Quando a UCAN solicita, através da sua Reitoria, informação para os seus trabalhos de pesquisa, a mesma nos é negada.

Parafraseando uma afirmação de um político já desaparecido: "Em primeiro lugar as universidades angolanas, em segundo lugar as universidades angolanas, em terceiro lugar as universidades angolanas, em quarto lugar as Universidades angolanas e depois logo se verá que parcerias constituir".

(1)Na Teoria da Política Económica encontram-se identificados os lags entre as medidas/instrumentos e os objectivos/metas, sendo um dos mais longos o da correlação entre investimento e produto, de que dei conta no meu último artigo.

Alves da Rocha escreve quinzenalmente