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Opinião

João Lourenço vs José Eduardo dos Santos

Laboratório Económico

A luta política entre os actuais dois presidentes já ultrapassou os muros do chamado "Kremlin", a sede do MPLA. Sabe-se - benditas redes sociais quando utilizadas da melhor maneira para informarem o maior número possível de cidadãos - que nunca mais as relações políticas entre os dois serão, como provavelmente já foram, o que coloca em cima da mesa a questão de saber quem manda mais: os estatutos do partido ou a Constituição da República: "A percepção pública de que o poder em Angola tem agora um carácter bicéfalo, tendencialmente conflituoso, é considerada por sensibilidades internas do regime, mas também em meios da sociedade, como prejudicial à criação de um clima de confiança no País, capaz de gerar fenómenos de retracção do investimento privado"(1).
A influência do Partido sobre a Governação do País esbateu-se muito de há uns anos a esta parte e ainda bem: a luta política no seio de uma democracia é a luta política e a governação das coisas económicas, financeiras e sociais outra bem diferente. A elaboração dos programas de política económica e das estratégias de crescimento tem de estar sobretudo subordinada aos postulados e teoremas da Ciência Económica e não a opções de natureza doutrinária e política (a opção ideológica da acumulação primitiva de capital só deu resultados positivos para os ricos e abastados (a maior parte dos quais do MPLA)). Como forma de catarse, procura-se a recuperação dos milhares de milhões de dólares evadidos do País. Eu, pessoalmente, duvido do sucesso desta operação, porque, por um lado, a maior parte dos capitais transferidos para o exterior são propriedade de militantes e governantes do MPLA e, por outro, parece que a Lei não acautelou o que deveria ter sido acautelado para o sucesso da operação(2).
Provavelmente hoje e passados apenas sete meses da sua retirada da condução directa dos destinos do País, são mais os detratores da liderança económica, política e social de José Eduardo dos Santos, do que verdadeiramente os adeptos. A maior parte dos que sempre o apoiaram - talvez o melhor termo seja "o idolatraram" - hoje reivindicam o seu afastamento imediato. Porquê? Que outros (novos?) reagrupamentos se estão a constituir em redor do recém-eleito Presidente da República que começam a achar a sua presença e intervenção um incómodo à sua afirmação política e um obstáculo ao realinhamento e reconstituição dos seus interesses económicos e financeiros? Estes novos grupos (dos quais afinal ainda fazem parte alguns "retornados" das falanges de apoio incondicional de José Eduardo dos Santos), pelos sinais e informações que se vão conhecendo, pretendem a criação de massas críticas de interesses corporativos que os perpetuem no exercício do poder político e na obtenção de retornos económicos e financeiros que também caracterizaram a liderança de José Eduardo dos Santos.
Serão estas novas "elites" capazes de se sacrificar pela salvação económica e financeira do País (as imolações devem ser, antes de mais, exigidas a quem sempre foi e ainda é parte dos problemas criados, e não a quem sempre foi vítima dos erros e dos atropelos). Serão capazes de atacarem a corrupção - bandeira política eleitoral levantada bem alto pelo candidato oficial do MPLA (3)-, investirem o que desviaram das finanças públicas e dos bancos comerciais do Estado em actividades produtivas e de prestação de serviços geradoras de valor agregado interno (esta seria, indubitavelmente, a melhor maneira de conseguirem prestígio, reclamarem posições de relevo na governação e na governança do país, e não pela rota da bajulação), incrementar o emprego, ajudar a construir uma imagem externa de confiança de Angola, na base da competência, da ética e da moral, do trabalho, da solidariedade e, finalmente, do comprometimento com a redução da pobreza e a redistribuição do rendimento???
Muitos dos que foram chamados e bastantes dos reconduzidos não apresentam perfil académico, científico, investigativo e mesmo profissional para se sentarem nas cadeiras da governação e da decisão, num contexto de grandes dificuldades financeiras do País e quando a sua imagem externa continua degradada e insusceptível de atrair investimento estrangeiro na quantidade requerida para a retoma, em termos defensáveis e sustentados, das dinâmicas de crescimento do PIB. E é disto que se receia: uma manutenção, pura e simples, das mentalidades corporativas e rentistas do "new middlle management", quem afinal faz mover a máquina administrativa e decisória. De uma atitude de "revolução" e mudança, mostrada durante a campanha eleitoral e primeiros meses de expectativa, está a passar-se para uma recuperação de hábitos e comportamentos incompagináveis com a NEP - Nova Economia Política (com a permissão de Vladimir Illic Ulianov) - que se gostaria que fosse, para os tempos modernos, a política económica plasmada em 6 (!) documentos do Governo, mais o Orçamento Geral do Estado para 2018 e o esperado Plano Nacional de Desenvolvimento 2018-2023. Como se garantir uma boa gestão da estabilidade macroeconómica - a ser tentada em condições financeiras dramáticas e económicas adversas, portanto, reclamando muitos sacríficos da parte de quem não tem feito outra coisa nestes 43 anos de independência - e transformá-la numa alavanca para o crescimento económico e o desenvolvimento social?
A governação de José Eduardo dos Santos terminou com a economia a definhar e as finanças públicas obrigadas a endividarem-se para níveis que não se verificaram no passado. A Teoria Económica estuda as relações entre a dívida das Nações e o crescimento económico, não sendo difícil de entender que, praticamente em todas as circunstâncias, a correlação entre endividamento e crescimento do PIB é negativa. São alguns os estudos versados nesta problemática, citando-se o elaborado sob coordenação do presidente da Associação Económica Europeia - que mostra que os países com maiores rácios dívida-rendimentos das famílias são os que menos crescem - e o desenvolvido por Emil Verner da Universidade de Princeton para um conjunto de 30 países, nos últimos 40 anos, e no contexto do qual se percebeu que o aumento dos rácios dívida imobiliária-PIB tinham sistematicamente resultado em crescimento do Produto Interno Bruto mais lento e aumento do desemprego(4).
E é insuficiente à governação de João Lourenço apresentar taxas de crescimento do PIB em redor de 5% (a não ser pelas expectativas positivas que possam criar nos agentes privados, mas sem encontrar respaldo credível no acervo de políticas e de instrumentos da política económica a serem usados), quando os pressupostos e fundamentos que irão validar o funcionamento da economia nacional em 2018 estão longe de justificar tal optimismo (a não ser aumentos inesperados do preço do barril de petróleo).
Portanto, aos desafios políticos de João Lourenço juntam-se os de natureza estritamente económica, não havendo grande margem de manobra para os atacar.

(1) Africa Monitor Intelligence, 15 de Março de 2018.

(2) Qual é o Controlo para Garantir que é repatriado só o que Foi Expatriado? Entrevista concedida ao Semanário Expansão por Andrea Moreno, Perita Judicial em Delitos Económicos, Expansão 9 de Março de 2018.

(3) Continuam envoltos em segredo de Estado os desvios dos dinheiros do BESA. O Expresso de 10 de Março de 2018 reabre, de certa forma, o dossier com um artigo de investigação da autoria de Micael Pereira e intitulado "Álvaro Sobrinho foi perdoado por José Eduardo dos Santos" nomeadamente em relação ao montante de 1,6 mil milhões de euros "emprestados?" a cinco misteriosas entidades (Socidesa, Govest, Saímo, Cross Funde Vaningo).

(4) Amir Sufi e Atif Mian - O verdadeiro motor do ciclo económico, Semanário Expresso, 10 de Março de 2018.
Alves da Rocha escreve quinzenalmente