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Angola

Empresa de Isabel dos Santos recebe subsídio que é só para empresas públicas (texto integral)

Mais de 18 milhões USD

Conta Geral do Estado de 2015 regista um subsídio operacional de 2.450 milhões Kz à Niara Holdings, de Isabel dos Santos. MinFin confirma mas diz que o dinheiro foi para pagar participação da ENDE na Efacec. A filha do ex-PR garante que nunca recebeu nada da CGE ou do OGE e ameaça processar o Expansão.

A empresa de Isabel dos Santos Niara Holdings recebeu, em 2015, 2.450 milhões Kz, cerca de 18 milhões USD ao câmbio de 2015, a título de subsídios operacionais, um apoio financeiro destinado apenas a empresas do Sector Empresarial Público (SEP), revela a Conta Geral do Estado desse ano, publicado em Diário da República a 28 de Fevereiro.
A Niara é a última empresa do quadro 77 do documento com o título transferência de recursos financeiros para o SEP, por parte do Instituto para o Sector Empresarial Público (ISEP), que inclui mais 23 empresas, todas públicas, que receberam um total de 53,6 mil milhões Kz, o equivalente a 400 milhões USD, em subsídios operacionais do Estado - ver fac-símile. O nome da empresa de Isabel dos Santos, que de acordo com a imprensa portuguesa está registada na Madeira, surge com um asterisco, mas o documento de 576 páginas não inclui qualquer referência que justifique a atribuição de um subsídio operacional a uma empresa fora do domínio público.
O Expansão questionou o Ministério das Finanças sobre o assunto que respondeu: "No quadro em referência, havia um pagamento a ser feito por conta da ENDE. Entretanto, o Tesouro adiantou o pagamento directamente à empresa Niara [Holdings] relativo ao investimento que a ENDE [Empresa Nacional de Distribuição de Electricidade] fez para a aquisição de uma participação na Efacec [empresa portuguesa fabricante de produtos de energia, sistemas e mobilidade eléctrica]. Este valor passaria posteriormente por um acerto de contas entre a ENDE e o Tesouro Nacional, por contrapartida de subsídios".
Em 2015, a Winterfell, sociedade à época totalmente detida pela Niara, adquiriu uma participação de 72,6% na Efacec num negócio que envolveu 200 milhões de euros, também segundo a imprensa portuguesa. Posteriormente, a empresa de Isabel dos Santos vendeu 40% da Winterfell à ENDE por um valor não revelado.
Feitas as contas, a ENDE, através da Winterfell, detém uma participação indirecta de cerca de 29% na Efecec. A confirmar-se o valor avançado pela imprensa lusa, a participação da ENDE na Eface teria custado 80 milhões de euros, 40% de 200 milhões de euros. Valor muito acima do registado na CGE de 2015, os referidos 18 milhões USD, cerca de 16,5 milhões euros.
Com efeito, segundo o MinFin, a verba inscrita nos subsídios operacionais serviu para pagar a aquisição desta participação da ENDE na Efacec.
Contudo, o ministério de Archer Mangueira não esclarece porque é que uma participação accionista de uma empresa pública numa empresa privada é contabilizada como subsídio operacional a uma empresa privada. O MinFin apenas diz que a operação "passaria posteriormente por um acerto de contas entre a ENDE e o Tesouro Nacional, por contrapartida de subsídios" sem, no entanto, precisar se passados mais de dois anos o "acerto" já foi feito e, caso tenha sido, quando é que foi feito. A CGE de 2015 é a última disponível. A CGE de um ano deve ser entregue na Assembleia Nacional no segundo semestre do ano seguinte a que diz respeito.
Analistas contactados pelo Expansão consideram "no mínimo, estranha" a forma como a operação foi contabilizada. "Se, de facto, estamos perante o pagamento da participação na Winterfell adquirida pela ENDE à Niara, deveria ser a ENDE a entregar o dinheiro à Niara e nunca o Estado", justificam.
Em 2016, Eurodeputados do Intergrupo do Parlamento Europeu sobre Integridade e Transparência, Corrupção e Crime Organizado apresentaram uma queixa à Comissão Europeia sobre a conformidade da compra da empresa portuguesa Efacec por Isabel dos Santos, por via da Winterfell. Na altura, a Winterfell informou através de comunicado que se tratou de um processo de aquisição "transparente" que cumpriu as regras aplicadas em Portugal e em Angola, adiantando que "não houve nenhum financiamento por fundos públicos, não houve quaisquer subsídios da ENDE à Niara Holdings, e não houve, deste modo, apoio financeiro do Estado angolano à Niara Holdings ou aporte algum de fundos públicos a favor da Niara Holdings".
Ainda de acordo com o comunicado, o "facto de a ENDE ser uma entidade pública obrigou, de acordo com as regras de Direito Administrativo Angolano, ao cumprimento escrupuloso de um conjunto de procedimentos e formalidades". E acrescentou: "De igual modo, a senhora engenheira Isabel dos Santos é investidora na Niara Holdings o que, de acordo com as várias regras e recomendações aplicáveis, incluindo pelas Directivas Europeias, levou ao cumprimento de um conjunto de regras e procedimentos (...) em todas as interacções com instituições de crédito, auditores, escritórios de advogados e outras entidades às quais seja aplicável a Directiva 2015/849 (ou, antes, o Regulamento EU 648/2012)".
Em resposta a questões colocadas pelo Expansão, sobre o pagamento registado na CGE 2915, Isabel dos Santos respondeu: "A Niara Holdings nunca recebeu verba alguma da conta geral do estado ou do OGE. É falsa toda e qualquer afirmação que a Niara Holdings tenha recebido qualquer verba ou dotação do Estado angolano ou OGE. Se tal for publicado, a Niara Holdings procederá com queixa crime por difamação contra qualquer jornalista individualmente, a título pessoal, e contra o órgão de comunicação social, a título colectivo, que publicar estas falsas insinuações".