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Opinião

Tudo por causa do petróleo

Laboratório Económico

Talvez ainda seja cedo para se concluir por uma perda estrutural da importância relativa do petróleo na economia nacional. Porém, a sua participação no crescimento do Produto Interno Bruto tem vindo a diminuir desde 2013, não sendo temerário afirmar-se que uma das razões para a perda de dinâmica e velocidade do crescimento económico nacional se deveu às sucessivas quebras na produção e nas exportações deste produto de base.
O CEIC, nas suas diferentes abordagens do crescimento económico do País reflectidas nos relatórios anuais e em estudos sectoriais parcelares - dos quais os relacionados com a diversificação da economia angolana são, provavelmente, os mais salientes - sempre sustentou que, por ora e de uma forma clara e sustentável, não têm aparecido sectores e actividades produtivas que possam substituir, na dimensão das enormes necessidades do País, o petróleo como fonte de receitas.
O Centro continua a recusar avaliar a diversificação apenas na base do rácio PIB petrolífero/PIB total, porque é mais uma operação aritmética do que, de facto, uma alteração estrutural. Sem a injecção de dinheiro proveniente do exterior por contrapartida das vendas de petróleo fica difícil cobrir as necessidades de investimento na agricultura, manufactura e energia, pois o sistemático recurso à criação de dívida pública externa não é uma solução sustentável. O surgimento de novas fontes de financiamento externo da economia é demorado, exigindo políticas macro e microeconómicas adequadas.
Depois de resolvido o conflito militar interno, Angola já foi sujeita a dois choques petrolíferos, todos com origem na baixa do preço do barril do petróleo. O de 2009 acabou por ser passageiro - logo em 2010 se assistiu a uma recomposição em alta do valor do crude no mercado internacional - mas com consequências negativas de grande dimensão sobre a economia angolana e o nível de vida da sua população. (ver gráfico)
São claros os dois ciclos pós-finalização da guerra civil: o primeiro, 2008-2012, incorpora uma quebra do preço do barril de petróleo de 35% em 2009, mas imediatamente seguida de uma recuperação em 2010 e que terminou em 2013 com uma baixa de -2,9% e início do segundo choque petrolífero (2012/2017).
Durante o primeiro choque da nova era (pós finalização da guerra civil) foi registada uma recessão nominal, com o PIB a preços correntes a averbar uma quebra, de 2008 para 2009, de - 26,5% e a taxa real de variação do nível geral da actividade económica ter sido inferior a 2%. Uma autêntica catástrofe financeira: as receitas fiscais totais estabeleceram-se em -46,5% do que no ano anterior e as petrolíferas experimentaram uma quebra de -57,9%. Os investimentos públicos, que conjuntamente com as receitas de exportação do petróleo eram e continuam a ser as duas mais importantes fontes do crescimento económico nacional, tiveram de ser reajustados em baixa. A taxa de inflação foi de 14% (por derivação da quebra das receitas em divisas alimentadoras das reservas internacionais líquidas) e a participação relativa do sector na criação de riqueza nacional baixou para 39,1%.
O abalo subsequente ao segundo choque petrolífero em 2014 foi semelhante nos seus agravos económicos, sociais e financeiros. No segundo semestre, a queda do preço do barril de Brent foi de mais de 45% e a média anual foi de cerca de 10%. No entanto, a queda do preço do barril de petróleo em 2015 (face a 2014) foi tremenda, sendo estimada em -50,9%, bem superior à observada em 2009 (-38,5%). Consequentemente, a taxa de crescimento do PIB baixou para 4,1% e no ano seguinte para 0,9%.
De resto, depois de 2009, a economia nacional perdeu o jeito de crescer que tinha adquirido durante a sua época dourada (2002/2008) e até 2017 as suas dinâmicas de crescimento têm sido muito baixas e até recessivas, seja em termos nominais, seja em perspectiva real. Em termos comparativos, este segundo choque petrolífero foi bem mais devastador do que o de 2009, tal como os dados da tabela seguinte o expressam. (ver tabela)
As informações anteriores confirmam, igualmente, um fenómeno que o CEIC já tinha identificado há algum tempo nas análises contidas no Relatório Económico, qual seja, a desaceleração estrutural do crescimento económico. Com efeito, as taxas médias anuais de crescimento das três componentes do Produto Interno Bruto apresentam-se com uma apetência intrínseca para a sua desvalorização temporal, tendo sido em 2012/2017 quase quatro vezes inferior à de 2002/2008. As perversidades deste segundo choque petrolífero foram quase indeléveis ao se considerarem outras componentes da macroeconomia nacional, como as receitas fiscais, as receitas em divisas para a economia, a inflação (cujo combate, durante muito tempo, se ancorou numa taxa de câmbio sobrevalorizada, ficando ainda por contabilizar os custos económicos (sobre a diversificação, por exemplo) e as perdas financeiras desta política de contenção dos preços a qualquer preço (passe o pleonasmo), as exportações líquidas e os investimentos públicos. Sem grandes alternativas em termos da economia real, a saída descortinada pela estratégia da política económica do Governo tem sido o endividamento crescente, sem, entretanto, se cuidar de avaliar a eficiência das obras públicas, a sua capacidade de retorno financeiro e de se tornarem, de facto, em mais produto potencial para a economia (ou seja, mais crescimento no futuro).
Também as informações formatadas na mesma tabela anterior por grandes períodos de tempo possibilitam uma leitura social da influência do petróleo na economia nacional: durante todo o período 2012/2017 assistiu-se a uma recessão social expressa na depreciação das condições gerais de vida da população, tendo os cidadãos ficado, em cada ano, mais pobres (1).
Com menos receitas do petróleo, o Governo não tem, de momento, outras bases e outros fundamentos para garantir a estabilização macroeconómica, o que torna o exercício da política económica, no geral e da política fiscal e monetária em particular, muito difícil e complexo, e sujeito a algumas imponderabilidades. Tratar-se-á, no curto/médio prazo, de uma estabilidade instável (2).


(1) A taxa de crescimento médio anual da população está estimada pelo INE em cerca de 3,2%.
(2) O Programa de Estabilidade Macroeconómica do Governo não apresenta suficientes argumentos teóricos e contabilidade do crescimento para que os resultados esperados aconteçam, na realidade. Mesmo que o preço do barril de petróleo se venha a situar no USD 65, as necessidades de financiamento da economia serão, ainda assim, muitos exigentes e absolutamente fora dos limites da capacidade de endividamento a longo prazo do País. No Prodesi (Programa de Apoio à Produção, Diversificação das Exportações e Substituição de Importações de seu nome completo) estão enunciadas muitas intenções no sentido de se reanimar a produção nacional e promover a diversificação das exportações, a maior parte delas recuperada, aparentemente sem actualização, das Linhas Mestras para a Definição de uma Estratégia para a Saída da Crise Derivada da Queda do Preço do Petróleo no Mercado Internacional. Enquanto novos fundamentos não forem equacionados e prevalecerem situações totalmente nocivas ao processo de crescimento (burocracia, corrupção, impunidade, capital humano desqualificado e sem incentivos, infraestruturas sem qualidade, desigualdade, rendimento médio baixo, produtividades incompetitivas, etc.), a criação de uma outra base de crescimento para lá do petróleo tem no tempo e nas novas atitudes dois elementos de comprovação muito importantes.


Alves da Rocha escreve quinzenalmente