As previsões de crescimento do PIB para 2018 do FMI
A última missão do Fundo Monetário Internacional a Angola (de 1 a 16 de Março de 2018), no âmbito do Artigo IV dos seus Estatutos, teceu elogios à neófita Governação de João Lourenço, acreditando a equipa de economistas desta instituição financeira internacional, criada no âmbito dos Acordos de Bretton Woods nos longínquos anos 50 do século XX, inscreveu no seu comunicado de imprensa a sua enorme expectativa nos compromissos assumidos pelos governantes na restauração da estabilidade macroeconómica e na melhoria da governação.
Como é de bom tom, novos administradores e gestores da economia merecem 100 ou mais dias de benefício da dúvida, esperando-se que, pelo menos, as promessas mais marcantes e que com certeza tiveram um efeito fundamental sobre os eleitores que os escolheram como novos timoneiros do País, sejam cumpridas. São os casos da luta frontal e determinada contra a corrupção e a impunidade (o CEIC vai ficar muito atento ao evoluir deste processo, tal como os seus investigadores que desde há muito tempo se tornaram militantes activos desta causa), a melhoria da governação (eliminando-se gorduras orçamentais e tornando a prestação de serviços públicos, em todas as áreas, mas destacadamente na educação e saúde, mais eficientes) e o apoio incondicional ao empresariado privado, ainda que com preferência pelo nacional. Na Introdução deste Relatório Económico já foram apresentadas abundantes reflexões sobre o contexto político que pode limitar o alcance dos efeitos esperados, na base de uma desconfiança sobre se na verdade se está a assistir a uma mudança. De paradigma económico certamente que não, de regime político seguramente que não também. O CEIC - criado em 2002 para estudar e acompanhar a realidade social e económica do País - já atravessou várias fases em que as expectativas de mudança e de reestruturação do Estado foram altas, vivendo-se ainda hoje algumas das frustrações entretanto acumuladas nestes anos todos. Daí que a nossa atitude seja ainda e por enquanto de esperar para ver, sem se enjeitar a satisfação de contribuições que sejam solicitadas.
O Fundo Monetário Internacional baseia a alteração da sua previsão do crescimento económico de Angola para 2018 de 1% para 2,2% na esperada melhoria da governação (o Programa de Reforma do Estado, um dos seis do novo Governo(1), está recheado de boas intenções, como de resto muitos outros cuja implementação, sem sucesso, foi tentada durante a Presidência de José Eduardo dos Santos). Será que existe, de facto, algo de novo neste Programa de Reforma das Instituições do Estado? Será que a sua elaboração levou em atenção as causas de insucesso dos outros? Ainda que o cerne do problema não esteja na elaboração dos programas, mas sim na capacidade institucional e na vontade política de reformar .
A consolidação fiscal é outro elemento de crença da Missão do FMI, justificativo dessa alteração. Sabendo-se que os processos de consolidação fiscal são permanentes - em todos os países e não apenas em Angola - a diferença está no serviço da dívida pública, atrofiante do crescimento do PIB não petrolífero. Em capítulos anteriores foram já apresentadas análises e reflexões sobre a matéria e a recomendação que o CEIC pode fazer é sobre a necessidade de controlo da dívida pública, de modo a evitar-se o "crowning out" (efeito de evicção) e torná-la num factor de crescimento. Neste sentido, o FMI recomenda especificamente o respeito pelo limite de 60% para o rácio da dívida pública, tornando-a assim sustentável e amiga da economia privada(2).
Do seu resumo de missão retira-se a seguinte observação: "A economia angolana está a observar uma ligeira recuperação económica. As perspectivas mais favoráveis relativamente ao preço do petróleo oferecem uma oportunidade para reforçar as políticas macroeconómicas e dar um ímpeto renovado às reformas estruturais permitindo a Angola realizar o seu pleno potencial".
A Nova Lei do Investimento Privado contém atractivos interessantes para os investidores, principalmente estrangeiros que deixarão de estar sujeitos a determinadas exigências da Lei anterior, como a de obrigatoriamente cederem 35% do capital, a do montante mínimo de investimento (um milhão USD na Lei anterior e livre na nova) e a da concessão de benefícios (decisão do Presidente da República na Lei anterior, liberdade de negociação com a Agência do Governo na nova). Com uma Lei assim mais liberal, pode ser que os custos financeiros da diversificação possam ser também cobertos através do investimento privado. Estas alterações de natureza legal e institucional estão apenas subjacentes nas previsões do FMI, depois de finalizada a sua última missão a Angola. Mas, na ausência de outras reformas macroeconómicas fundamentais e que repetidamente incorporam os relatórios de Missão do FMI, as anotadas anteriormente podem ter um papel crucial no impulso do crescimento económico, talvez mais do que as expectativas quanto à nova governação de João Lourenço.
Do ponto de vista do CEIC, a taxa de crescimento do PIB em 2018 vai ser afectada, negativamente, pela situação financeira da economia e do Estado, resumidamente expressas nos itens seguintes(3):
n Excesso de imposição fiscal sobre as empresas e atitudes de guerra permanente contra os empresários desencadeadas pela AGT: a AIA pede o fim da hostilização das micro e pequenas empresas com multas fiscais e lembra que para um maior crescimento do País se deve investir na agricultura.
n A Associação de Empesas de Comércio e Distribuição Moderna de Angola quer que as autoridades acelerem o pagamento das dívidas estatais aos distribuidores para aliviar a pressão da falta de cambiais. Esta associação lembra ao Governo que o mercado de consumo está estagnado, o que torna difícil a vida das empresas que já enfrentam a crise e a falta de crédito.
n A Associação dos Empreiteiros de Construção Civil e Obras Públicas de Angola defende que o bolo disponibilizado no PIP (Programa de Investimentos Públicos) deve ser repartido numa carteira de investimentos para as pequenas e médias empresas, de forma a garantir a sobrevivência de muitas delas. Exige transparência na contratação das empreitadas, acabando-se com os processos de ajuste directo.
n A Confederação Empresarial de Angola, numa carta aberta a João Lourenço, espelhou a difícil situação das empresas dos diferentes sectores de actividade, pedindo uma amnistia fiscal para o período 2012-2017. Denuncia a mão pesada da AGT, acusando-a de não olhar para a conjuntura económica.
n O sector da hotelaria está entre os mais afectados pela crise e as taxas de ocupação continuam em baixa. Algumas unidades têm fechado as portas e há milhares de desempregados. Os empresários reconhecem que a falta de crédito e o fisco estão a agravar a situação das empresas e pedem um financiamento de USD 220 milhões.
Ou seja e aparentemente não existem razões substantivas para que o Fundo Monetário Internacional tivesse corrigido a sua previsão de 1,6% para 2,2% para 2018.
(1) Na reunião de 15 de Março da Comissão Económica do Conselho de Ministros, realizada no Dundo, capital da Lunda Norte, foi apresentado e aprovado o primeiro (provavelmente o último) relatório de balanço de execução do Plano Intercalar Outubro 2017/Março de 2018 que continha 144 medidas/acções para se porem em prática em vários domínios económicos, sociais e financeiros. A conclusão é que foram iniciadas 134 e apenas completadas 37 (????). Normalmente, os Governos do MPLA não são nada modestos quando se trata de elaborar planos ou programas, consentindo tudo e mais alguma coisa, na presunção de que tudo se poderá realizar no período estabelecido. Muitas vezes não se tem consciência das suas próprias limitações em recursos humanos e financeiros.
(2) Reformar estas instituições públicas é um processo muito demorado e que vai (terá necessariamente de o fazer) atacar interesses constituídos, possuidores de defesas políticas que a qualquer momento serão accionadas e, provavelmente, de uma forma violenta. Reformar um Estado como o actual, cheio de vícios e de mentalidades e comportamentos herdados do Partido Único e dos procedimentos administrativos de gestão económica do sistema socialista e envolver neste processo gestores, políticos e funcionários, donos desses interesses é como fazer o harakiri.
(3) Semanário Expansão de 6 de Abril de 2018.
Alves da Rocha escreve quinzenalmente