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Opinião

Questões sobre desenvolvimento regional e descentralização administrativa em Angola

Laboratório Económico

As reflexões constantes deste artigo são uma cópia de um texto escrito em 18 de Outubro de 1996, posteriormente considerado no meu livro "Economia e Sociedade em Angola" (1ª edição em 1997, LAC-Luanda Antena Comercial - 1500 exemplares, 2ª edição da Editorial Nzila, Julho de 2007, 1500 exemplares e 3ª edição em preparação pela Texto Editores, com lançamento previsto para Julho deste ano).

A actualidade dos raciocínios, observações e considerações então escritas é confrangedora perante a realidade actual.
"As questões regionais em Angola são das que mais no segredo dos deuses têm estado, sendo, no entanto, das mais importantes para o crescimento económico e das mais sensíveis da problemática da construção do Estado-Nação. A nova lei-quadro do sistema de planeamento dá às questões regionais uma ênfase que não está a ter a devida atenção da parte das autoridades nacionais. Esta lei confere às regiões uma determinada autonomia em matéria de preparação do desenvolvimento económico, definindo, em conformidade, os órgãos responsáveis pelas diferentes etapas da elaboração e execução dos programas de desenvolvimento regional. Apesar deste dispositivo legal, a prática concreta da programação regional não existe, porque e para além doutras razões, não estão nem definidas, nem aprovadas, as regiões-plano. São do meu conhecimento algumas propostas sobre esta matéria. Entendo, porém, que sobre ela não se tem promovido a necessária discussão, sendo talvez essa a justificação de uma abordagem excessivamente clássica na divisão regional do País, privilegiando-se uma óptica transversal em vez de uma outra mais longitudinal, mais integradora economicamente e mais aglutinadora do ponto de vista social. Ora bem, não se pode aplicar a programação regional sem se definirem as regiões-plano. Esta matéria tem a ver com a problemática mais geral do ordenamento do território, da consideração de eixos estratégicos do desenvolvimento nacional e da eventual constituição de pólos de crescimento económico.
Sobre o ordenamento do território são pertinentes as observações que se seguem. As movimentações da população provocadas pela guerra e, sobretudo, a situação que vai prevalecer no pós-guerra, vão determinar uma distribuição da população certamente bem diferente da que existia em 1975. E o xadrez populacional é basilar para a programação do desenvolvimento económico e social, já que, sem mercado de consumo e na ausência de mercado de trabalho, os investimentos não se realizam. Investimentos produtivos e investimentos em infraestruturas, qualquer um destes tipos a necessitar de uma massa crítica populacional para os rendibilizar. Por outro lado, o ordenamento também se prende com a programação das grandes obras de infraestruturas de transportes e comunicações e de energia e águas. As grandes barragens vão alterar as linhas clássicas do desenvolvimento do País. Tratam-se de empreendimentos cujas externalidades se constituirão, talvez num futuro ainda distante, em autênticos pólos de atracção de investimentos, que poderão reverter as tendências actuais de concentração económica no litoral do País. O ordenamento físico relativiza-se, outrossim, nos planos directores urbanos, municipais ou locais, com áreas definidas para habitação, agricultura, indústria, etc. Em conclusão, o ordenamento do território é uma pré-condição para o planeamento ou a programação regional.
O segundo aspecto relevante desta problemática da regionalização é o referível aos eixos prioritários do desenvolvimento. Isto não quer dizer que se não devam elaborar programas expeditos de intervenção regional ou provincial, com uma extensão temporal curta e bem definida e voltados para a superação de algumas dificuldades que sobressaem como factores obstaculizantes do exercício normal das actividades económicas. Estes programas expeditos devem ter como núcleos polarizadores das suas finalidades a manutenção das capacidades de trabalho das populações e a preservação do seu espírito de iniciativa, uma e outro amplamente degradados pela crise económica e pelos horrores da guerra. Devem, igualmente, ser integrados nestes eixos estratégicos de desenvolvimento estudos sobre as vocações produtivas das regiões, direccionados para o conhecimento das potencialidades efectivas desses espaços territoriais, para a avaliação da viabilidade da sua exploração económica no curto e médio prazo e para o balanceamento da sua importância relativa. Mais um tema de reflexão neste contexto do desenvolvimento regional é o relacionado com a constituição de pólos de crescimento económico. Este aspecto prende-se com opções estruturais quanto à forma como o crescimento económico se deve operar. Subjacente à filosofia dos pólos de crescimento está a teoria do desenvolvimento económico desequilibrado. Angola possui, efectivamente, zonas e regiões que, por um conjunto variado de razões e por um entrecruzamento de factores sinergéticos se podem constituir em pólos de crescimento económico. A teoria dos pólos de crescimento económico (ou dos pólos de desenvolvimento regional) tem dois momentos de actuação: um primeiro, em que se acentuam os efeitos centrípetos das actividades produtivas - podendo levar ao depauperamento populacional das regiões circunvizinhas e mal preparadas para suportar a pressão da emigração para as regiões a experimentar índices de progresso mais elevados - e um segundo momento, em que os efeitos de irradiação suplantam os de atracção, ocorrendo, em consequência, uma maior difusão e distribuição dos resultados do crescimento económico. A consistência real de todo este raciocínio só será efectiva com a existência de uma estratégia global de crescimento e desenvolvimento, no contexto da qual estejam caracterizados e definidos os eixos estratégicos de afirmação das políticas económicas.
A segunda grande questão - autêntica questão prévia - relaciona-se com a descentralização administrativa e a desconcentração do poder político. Não é nova e desde há muito que se vêm elaborando estudos e até publicando legislação. A programação regional pressupõe, não apenas um processo e um acto de participação e envolvimento das regiões, mas acima de tudo uma capacidade de autonomamente se dirigirem e gerirem as políticas e as acções no sentido de se promover o desenvolvimento económico e o progresso social. À autonomia têm de estar ligados poder de decisão e de intervenção e capacidade financeira. O primeiro pode ser formalmente delegado numa óptica de descentralização e desconcentração, enquanto a segunda se deve paulatinamente constituir na exacta medida do reforço da autonomia e da implantação e desenvolvimento das actividades económicas. Para que o poder de decisão seja formalmente outorgado tem de existir ao nível central, onde o mesmo se encontra concentrado, consciência e vontade políticas de que o caminho a seguir é esse. O que parece não ser a situação prevalecente, donde e como quase sempre historicamente aconteceu, o poder ter de ser conquistado e não solicitado. Uma recente viagem que fiz às províncias de Benguela e do Cuanza-Sul permitiu verificar, do meu ponto de vista naturalmente, a existência dessa vontade e dessa determinação em se conquistar um poder de decisão pela via dos factos consumados, ou seja, demonstrando-se realizações, havendo ou não dinheiro disponível. É, com efeito, uma atitude bem diferente da que genericamente caracteriza o modo de actuar da maior parte dos responsáveis, sendo esta atitude de doentia passividade, talvez ainda resquício da mentalidade de partido único".
Tenciono continuar a abordagem desta questão no próximo artigo do dia 15 de Junho, com considerações, já actuais, de onde ressalto reflexões sobre os custos da regionalização/descentralização.
Alves da Rocha escreve quinzenalmente