Soberania
Na semana passada, a questão da dupla nacionalidade dos cidadãos com cargos públicos e políticos, e o perigo que podem representar para soberania nacional, foi colocada em cima da mesa, alimentando discussões à volta do "eu sou mais angolano que tu", e que acaba sempre na ideia de exclusão, em que os mais "puros" reclamam para si vantagens sobre os "impuros", que "deixaram" os seus avós e bisavós misturarem o sangue com o "inimigo".
Quando se troca a análise do carácter e a verticalidade das acções concretas pelos ascendentes genealógicos como critério do que pode representar perigo para a soberania de um País está, na verdade, a branquear-se os ataques à dita soberania quando são praticados por uma determinada faixa de cidadãos - os "puros".
Mas o queria mesmo falar era da dupla nacionalidade na economia e nos processos produtivos. Porque se houve uma altura em que havia um equilíbrio entre o empresariado nacional e estrangeiro em muitos sectores, hoje a balança pende para uma concentração dos principais negócios, muitos deles vitais, na mão de meia-dúzia de empresários, quase todos estrangeiros ou com nacionalidade adquirida por decreto, que na verdade podem representar um perigo para a soberania. Primeiro pelo critério do monopólio, nada pior que o País ficar refém em sectores-chave como a saúde, as telecomunicações ou o abastecimento alimentar, na mão de três ou quatro empresários, e em segundo, pelo critério "quero lá saber de Angola, quando isto apertar volto para minha casa".
O impacto da pandemia veio agudizar este problema. As dificuldades de tesouraria do País, as necessidades e os ímpetos consumistas do Estado, as dificuldades no acesso ao dinheiro com menos controlo e exigência, voltaram a trazer para primeiro plano um pequeno grupo de figuras, leia-se empresários e grandes financiadores, que estão ligados a um passado de saque e roubo. Aparecem porque é mais fácil. Têm dinheiro, resolvem os problemas, e depois logo se pagam as facturas. Alguns estão mesmo a ser investigados em termos internacionais, mas por cá continuam a ter o seu espaço. Ou melhor, a ganhar espaço.
Entendo o drama dos que estão por bem, pois se não forem eles, quem será? Infelizmente não cumprimos todas as alíneas dos princípios de compliance, não conseguimos melhorar o ambiente de negócios e os que nos conhecem mal não arriscam. Financiamento talvez, investimento directo não! E voltamos aos mesmos. Não há grande projecto que não tenha associado pelo menos uma destas 4/5 figuras. E isto sim é um verdadeiro perigo para a soberania. Estar na mão desta gente para tratar das doenças, para comer ou para comunicar com a família, preocupa-me muito mais... Não ver nestes sectores alguma preocupação em diversificar os grandes investimentos e a propriedade das empresas e principais operadores, isso sim, deve merecer horas de debate.