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Opinião

Gastos e investimentos públicos

Laboratório Económico

Não posso coibir-me de, antes de entrar no tema epigrafado, dizer que não foi surpresa ler e ouvir os pronunciamentos de altos dirigentes do MPLA e seus seguidores e representantes, a propósito dos terríveis acontecimentos do Cafunfo, na Lunda Norte.

Sempre senti que os slogans anti racistas, anti tribalistas, anti regionalistas e anti xenofobia, nunca passaram de figuras de retórica, não sendo suficiente contrapor-se que no seio deste partido coexistem militantes de tez e raças diferentes, de tribos e etnias diversas, de ideologias diferenciadas e de origens sociais distintas (camponeses e proletários, com capitalistas e burgueses, exploradores com explorados). A prática sempre foi e sempre será o critério final de aferição dessas bandeiras políticas, erguidas por todos os partidos, é verdade, mas por um MPLA no qual ainda algumas pessoas olham com alguma esperança, derrotada por acontecimentos como os de Cafunfo que libertaram, talvez, as suas verdadeiras crenças. Mas já se percebeu que o Homem Novo, de que este partido tantas vezes fala e escreve, não existe, nem nunca existirá. Eu já interiorizei que mazelas psicológicas e pandemias sociais como o racismo não serão nunca ultrapassadas, por muita igualdade económica que o crescimento e o desenvolvimento possam distribuir. O que fazer então é construírem-se estratégias de sobrevivência e de convivência (pacífica mas não subserviente) para se suportar estes afrontamentos e continuar-se a contribuir para o engrandecimento da Nação. Dei-me, também, conta de que, em certa medida, Governo e governantes não levam a sério (se o fazem não o expressam) estudos e pesquisas que a Academia angolana teimosamente insiste (desculpe-se o pleonasmo) em elaborar. Foi necessário o Professor Carlos Feijó, na sua intervenção proferida na Conferência sobre o Constitucionalismo em Angola, lembrar a existência de um estudo sobre a corrupção em Angola, num dos seus sectores mais sensíveis, as obras públicas. Na qualidade de um dos autores devo reverências de agradecimento a este eminente académico. Igualmente, devido a Cafunfo, alguns dirigentes do partido no poder deram-se conta de que afinal as assimetrias em Angola são de bradar aos céus. O CEIC-UCAN elaborou um estudo sobre esta temática em 2009, chamando justamente a atenção para as desigualdades económicas e sociais. Num caso e no outro, só passados mais de 10 anos se descobrem as insuficiências da governação. Um tempo de reacção muito superior ao de muitos investimentos.

Vamos então ao tema

O Fundo Monetário Internacional considera que o investimento público é urgentemente necessário para combater, de forma sustentada (criação de sistemas nacionais de saúde racionais, equilibrados, eficientes e inclusivos), as incidências da Covid-19 e de outras endemias características dos países em desenvolvimento de África. Ao mesmo tempo, criadores de milhões de empregos(1). Nesta publicação, o FMI destaca mesmo que o investimento público é "um elemento potencialmente poderoso para qualquer pacote de estímulos à recuperação económica: criaria milhões de empregos no curto prazo e poderia, também, criar muitos empregos adicionais indirectamente no longo prazo". O multiplicador do investimento público foi estimado, neste estudo, em 2,7 com o significado conhecido da Teoria Keynesiana (recordando: o efeito multiplicador desse investimento transformaria cada dólar ou euro do dinheiro público em 2,7 USD ou euros de crescimento do PIB).

A comparação entre gastos e PIB permite concluir pela destatização da economia nesta componente do Produto Interno Bruto. Na verdade, o peso dos gastos públicos no valor agregado nacional passou de 47,9% em 2002, para 21,1% em 2020, uma quebra de 26,8 pontos percentuais. A incidência negativa desta significativa redução fez-se sentir na qualidade dos serviços públicos fornecidos pelo Estado, que poderia ter sido compensada por um incremento da eficiência. As despesas públicas em 2020 foram estimadas em 16 mil milhões de USD. Paradoxalmente - porque se tratou de um ano de queda do preço do barril de petróleo - 2014 registou o maior montante de despesa pública do período 2002/2020, avaliada em mais de 61 mil milhões USD (poderá dizer-se que a inércia vinha de trás, dos bons velhos tempos do petróleo caro).

A análise dinâmica das taxas nominais de crescimento do PIB e dos gastos públicos consente o cálculo de uma "proxy" ao multiplicador da despesa do Estado, estimado em 0,758, uma vez mais com o significado conhecido. Quanto mais elevado for o seu valor, mais a actividade produtiva e social se beneficia da participação das finanças do Estado na Economia. Valores abaixo da unidade revelam a falta de qualidade das despesas públicas, relacionada com o excesso de burocracia, o mapa de preferências do Estado distorcido da realidade, as escolhas públicas inquinadas de factores disruptivos, etc.

* Economista

(Leia o artigo integral na edição 612 do Expansão, de sexta-feira, dia 19 de Fevereiro de 2021, em papel ou versão digital com pagamento em Kwanzas. Saiba mais aqui)