Aumentos do preço do gasóleo atiraram mais 94 mil angolanos para a pobreza
Num País onde vivem hoje cerca de 11,6 milhões de pessoas em pobreza extrema, o aumento do número de pobres em quase 100 mil pessoas como consequência da subida dos preços do gasóleo parece uma "gota no oceano". Mas não é. E um novo empréstimo do Banco Mundial prevê novos aumentos nos preços dos combustíveis.
Os dois aumentos dos preços do gasóleo verificados este ano, com este combustível a passar de 200 Kz por litro para 400 Kz, atiraram 94.200 angolanos para a pobreza, de acordo com uma projecção do Banco Mundial que consta num documento relativo a um financiamento de 750 milhões USD que está em negociações com o Governo, no qual uma das contrapartidas exigidas pela instituição multilateral para o desbloqueio de verbas passa por continuar o processo de remoção dos subsídios aos combustíveis.
"Uma vez que o gasóleo é um insumo na produção e transporte de muitos bens, espera-se que a decisão do Governo de aumentar o preço do gasóleo em 100% entre Março e Julho provoque um aumento dos preços globais, principalmente dos transportes e dos bens e serviços básicos. Simulações baseadas no primeiro aumento de 50% mostram que se espera que aumente a taxa de pobreza em cerca de 0,2 pontos percentuais, ou quase 94.200 pessoas, incluindo quase 70.300 em áreas urbanas", refere o documento publicado no site da instituição multilateral, com data de 20 de Agosto.
E este número até poderá aumentar nos próximos meses, caso se verifique o que consta no documento sobre aquele que é o maior financiamento previsto pelo Banco Mundial a Angola para este ano (750 milhões USD de um total de 1.355 milhões USD). Isto porque entre os 9 indicadores de resultados que o BM exige para aceitar o financiamento, o primeiro é relativo à redução dos subsídios aos combustíveis através do aumento dos preços dos combustíveis, a fim de colmatar gradualmente o fosso em relação ao valor de referência do mercado internacional. Este é precisamente o único dos 9 indicadores de resultados, ou reformas a cumprir, que o Banco Mundial considera poderem ter impacto negativo na população. "Espera-se que as medidas de apoio financeiro incluídas neste Development Policy Loan [empréstimo para políticas de desenvolvimento, em tradução livre] tenham impactos económicos e sociais positivos a longo prazo, mas os aumentos do preço do gasóleo podem levar a um declínio a curto prazo no bem-estar das famílias", reconhece a instituição.
Ainda assim, considera que será uma situação ultrapassável com o cumprimento de outra dos indicadores de resultados, que passam pelo alargamento do programa Kwenda às zonas urbanas, admitindo que "tem o potencial de mitigar significativamente o impacto negativo dos preços mais elevados do gasóleo no bem-estar das pessoas menos favorecidas, reduzindo o número de pobres urbanos em cerca de 66.900 pessoas".
Projecção que vários especialistas admitem ser demasiado optimista para um País onde a pobreza extrema tem vindo a aumentar ano após ano, e em que no final de 2024 tinha 11.619.493 de angolanos (destes apenas 697.027 estão nas cidades) nestas condições, de acordo com o world poverty clock, uma ferramenta online e em tempo real financiada pelo Governo da Alemanha, que monitoriza e estima o número de pessoas em situação de pobreza extrema em todo o mundo e em quase todos os países, projectando a sua evolução até 2030. Este relógio, que utiliza como referência a linha de pobreza extrema internacional definida pelo Banco Mundial, que é de abaixo de 2,15 USD (Paridade de Poder de Compra) por dia para despesas básicas como alimentação ou alojamento, indica que Angola é, actualmente, um dos 14 países a nível mundial cuja "taxa de fuga" é negativa, ou seja, estão mais pessoas a entrar para pobreza extrema do que a sair (ver gráfico).
"Considero um exagero quando se apresenta o Kwenda como um programa de combate à pobreza ou como um programa que vai anular os efeitos da retirada dos subsídios aos combustíveis sobre a vida dos mais desfavorecidos. Para mim, o Kwenda é um programa cujo foco é bem claro: amenizar o sofrimento daquelas pessoas que já estão nas malhas da pobreza. Ele está a ser bem executado, mas temos de pensar que é uma medida de mitigação do impacto e não necessariamente uma medida de combate à pobreza ou que previne a curto e médio prazo que mais pessoas entrem para pobreza", admite o coordenador do Observatório Político Social Angolano (OPSA), Sérgio Calundungo.
Apesar de a transferência de renda ser considerado um dos melhores mecanismos para o combate à pobreza, o programa criado em Angola para esse efeito, financiado pelo Banco Mundial, tem enfrentado diversas dificuldades e o apoio atribuído fica muito aquém daquilo que são as necessidades do país para combater este flagelo. E as fórmulas para combater a pobreza são já antigas e passam pela aposta na Educação e na Saúde de qualidade (muitas vezes desprezadas na execução dos orçamentos gerais do Estado) e em desenvolver uma economia que gere empregos. "As causas da pobreza são múltiplas, algumas têm a ver com as atitudes, comportamentos e práticas individuais que exacerbam o fenómeno, outras estão mais relacionadas com decisões políticas e dinâmicas macroeconómicas, a falta de acesso a serviços sociais básicos que são cada mais escassos e isto nem sempre se resolve com a mera transferência de valores monetários em todos os casos ", sublinha.
Leia o artigo integral na edição 842 do Expansão, de Sexta-feira, dia 05 de Setembro de 2025, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)