Saltar para conteúdo da página

Logo Jornal EXPANSÃO

EXPANSÃO - Página Inicial

Gestão

Inclusão Financeira: A Urgência de Democratizar o Acesso ao Dinheiro em Angola

EM ANÁLISE

A verdadeira inclusão financeira vai além de abrir contas bancárias. É garantir que cada angolano independentemente da sua localização, género ou idade tenha acesso justo, seguro e acessível aos produtos financeiros.

A inclusão financeira é um daqueles conceitos que parece técnico demais para o cidadão comum, mas que, na prática, determina muito do seu bem-estar diário. Em Angola, onde mais de metade da população adulta ainda não tem acesso a serviços financeiros formais, este tema não pode ser tratado sem a devida atenção.

A verdadeira inclusão financeira vai além de abrir contas bancárias. É garantir que cada angolano independentemente da sua localização, género ou idade tenha acesso justo, seguro e acessível a produtos financeiros como crédito, seguros, sistemas de pagamento e poupança. Mais do que isso, é garantir que saibam usá-los para melhorar o seu dia a dia.

Actualmente, o índice de inclusão financeira em Angola ronda os 47%, abaixo da média da região da SADC (55%). Já a taxa de bancarização é ainda mais baixa, cerca de 36% (fonte BNA). Ao mesmo tempo, a taxa de penetração de telemóveis aproxima-se dos 60%. Estes números chamam a atenção, uma vez que temos uma ferramenta de potencial massivo na palma da mão, mas falta transformar esse potencial em realidade inclusiva.

A revolução digital, liderada por fintechs e impulsionada pelo uso de tecnologias móveis, tem mostrado ser uma via eficaz para romper barreiras históricas - geográficas, de infraestrutura e até culturais. Bons exemplos existem aqui próximos: no Quénia o sistema M-Pesa, entre outros, transformaram completamente a vida de milhões ao permitir transacções financeiras por telemóvel, mesmo sem conta bancária. Em Moçambique, o foco no microfinanciamento agrícola e no apoio a pequenas iniciativas de comércio em áreas remotas é outro excelente exemplo.

Em Angola, apesar de já existirem esforços relevantes, como o investimento em soluções baseadas em USSD e o surgimento de instituições financeiras não bancárias focadas em pagamentos digitais, o caminho ainda é longo. A exclusão financeira no nosso país não é apenas um problema de tecnologia é também (e sobretudo) um problema de desigualdade, falta de literacia financeira e desconfiança no sistema.

É essencial apostar na educação financeira, especialmente junto de grupos mais vulneráveis como mulheres, jovens e populações rurais. É aí que o papel dos agentes bancários comunitários se torna crucial: são eles que, estando dentro das comunidades, podem funcionar como ponte entre o sistema formal e o cidadão comum, promovendo a confiança e o uso informado dos serviços.

A médio prazo, o sucesso da inclusão financeira em Angola depende da articulação entre diferentes forças: políticas públicas consistentes, investimento privado estratégico, inovação tecnológica e envolvimento das organizações da sociedade civil. O Plano de Desenvolvimento Nacional 2023- -2027 reconhece esta urgência ao colocar os pagamentos móveis como uma alavanca para o aumento da bancarização e da inclusão.

Temos um desafio ambicioso pela frente: até 2050, Angola poderá atingir uma população de 75 milhões de pessoas. A duplicação demográfica exige hoje medidas estruturantes para garantir que não se dupliquem também as desigualdades. E a inclusão financeira operacionalizada com qualidade, proximidade e sustentabilidade é uma dessas medidas fundamentais.

Não se trata apenas de números, mas de dignidade. Quando uma mulher rural consegue poupar para o futuro dos filhos, quando um jovem empreendedor acede a microcrédito para arrancar um negócio, ou quando um agricultor recebe pagamentos a horas e com facilidade, estamos a falar de empowerment real. A inclusão financeira é, no fundo, uma questão de justiça económica.

Angola tem os meios e os exemplos. Falta-nos o passo seguinte de transformar boas intenções em soluções acessíveis e eficazes. O tempo de agir é agora.

*João Rueff Tavares, Director EY, Consulting Financial Services

Logo Jornal EXPANSÃO Newsletter gratuita
Edição da Semana

Receba diariamente por email as principais notícias de Angola e do Mundo