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Opinião

A imposição da geração centralizada de séries de facturação electrónica: Implicações constitucionais e impactos na liberdade económica

CONVIDADO

A centralização da geração de séries de facturação na AGT não promove celeridade, mas sim a burocratização dos processos. Empresas com grande volume de operações podem ver a sua agilidade comprometida, enfrentando atrasos ou problemas técnicos em sistemas que dependem de autorizações externas para emitir facturas.

A recente norma estabelecida no artigo 4.º do Decreto Executivo n.º 683/25 de 22 de Agosto, que determina que as séries de facturação em software de facturação electrónica são geradas pela Administração Geral Tributária (AGT), representa um grave precedente de ingerência do Estado sobre a iniciativa privada e um possível atropelo à Constituição e demais princípios do Direito Administrativo e Fiscal.

O enquadramento jurídico e técnico da norma encontra respaldo no esforço legítimo do Estado em adaptar-se às novas tecnologias e assegurar o cumprimento das obrigações tributárias pelos contribuintes, reflectindo uma tendência global na AGT. Todavia, o Decreto Executivo, ao estabelecer que as séries de facturação utilizadas pelos contribuintes em softwares de facturação electrónica devem ser geradas pela Administração Geral Tributária suscita importantes preocupações sob a óptica dos direitos constitucionais e dos princípios gerais do direito administrativo.

01. Violação do princípio da iniciativa privada e da autonomia empresarial

A Constituição da República de Angola consagra, no seu artigo 38.º, o direito à iniciativa privada como fundamento do desenvolvimento económico e social, garantindo aos agentes económicos a liberdade para organizarem e conduzirem os seus negócios no quadro legal vigente. A imposição da Administração Geral Tributária como única entidade autorizada para a geração das séries de facturação constitui uma ingerência desproporcional no âmbito da autonomia empresarial, privando os contribuintes do exercício legítimo da sua liberdade administrativa interna, em flagrante violação do direito constitucionalmente protegido.

Ao impor que as séries de facturas sejam exclusivamente geradas e controladas pela AGT, o Estado está a usurpar uma função que sempre pertenceu ao contribuinte, que, até aqui, era responsável por definir os códigos e séries das suas operações, em conformidade com as normas contabilísticas e fiscais, bem como o modelo de negócio associado.

Segundo o constitucionalista José Manuel Sérvulo Correia, "a iniciativa privada não pode ser arbitrariamente restringida pelo poder público, sob pena de se comprometer a liberdade económica, essencial para o desenvolvimento social e económico sustentável" (Correia, Direitos Fundamentais e Ordem Económica, 2018, p. 243).

02. Violação dos princípios da legalidade, proporcionalidade, simplificação e celeridade

Além da iniciativa privada, a norma em questão também entra em rota de colisão com outros princípios fundamentais da actuação administrativa, nomeadamente:

Princípio da legalidade (Art. 6.º da Constituição da República de Angola)

A Administração Geral Tributária, como entidade administrativa, deve actuar nos limites da lei, e não pode extrapolar as suas competências sem base clara em legislação primária. Um Decreto Executivo (instrumento de regulamentação secundária) não pode inovar em matéria de direitos fundamentais, como é o caso da liberdade empresarial.

Princípio da proporcionalidade (Art. 18.º do Código do Procedimento Administrativo Angolano)

Não se justifica que, para garantir o controlo fiscal e combater a evasão fiscal, a AGT precise de intervir a este nível de detalhe na actividade económica do contribuinte. Há alternativas menos restritivas, como auditorias, cruzamento de dados dos softwares de facturação, que garantem os mesmos objectivos sem sufocar a liberdade operacional das empresas

Princípio da simplificação e celeridade (Art. 40.º do Código do Procedimento Administrativo Angolano)

A centralização da geração de séries de facturação na AGT não promove celeridade, mas sim a burocratização dos processos. Empresas com grande volume de operações podem ver a sua agilidade comprometida, enfrentando atrasos ou problemas técnicos em sistemas que dependem de autorizações externas para emitir facturas.

Leia o artigo integral na edição 845 do Expansão, de Sexta-feira, dia 26 de Setembro de 2025, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)

*MANUEL LOHOCA, Fiscalista processual

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