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Opinião

Angola e a formação bruta de capital fixo (2002–2022): A arquitectura da guerra económica

CONVIDADO

Em Angola, entre 2002 e 2022, este indicador foi o pergaminho em que se inscreveu uma epopeia: um mural feito de ascensões e desmoronamentos, de muralhas erguidas com pedra alheia e de ruínas deixadas pelo colapso da fortuna petrolífera.

A Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), medida em percentagem do Produto Interno Bruto, não é mero registo contabilístico: é o pulsar secreto da nação, a artéria profunda onde circula o sangue do investimento. É a couraça invisível de uma economia que deseja resistir ao tempo e erigir muralhas contra a erosão das crises. Traduz-se no peso das infraestruturas levantadas, nas máquinas incorporadas, nas tecnologias absorvidas - arsenal silencioso de onde dimana a força de um país para avançar ou a sua condenação a soçobrar.

Em Angola, entre 2002 e 2022, este indicador foi o pergaminho em que se inscreveu uma epopeia: um mural feito de ascensões e desmoronamentos, de muralhas erguidas com pedra alheia e de ruínas deixadas pelo colapso da fortuna petrolífera. Cada fase desta odisseia revela batalhas ocultas, iluminadas por máximas económicas e estratégicas, estandartes que anunciam os momentos de glória e as marchas pelo deserto.

FASE I. | 2002-2005

Reconstrução e ímpeto inaugural

Observe os que estão à sua volta que são bem-sucedidos, aqueles que falharam, os que estão apenas a passar o tempo, descortine as diferenças entre eles, e o que estão a fazer de diferente.

Jeffrey P., O Poder

O silêncio das armas em 2002 abriu um tempo febril, onde o investimento se tornava bálsamo e espada. A FBCF, estabilizada nos 30%-31% do PIB, era o eco de um país em fúria construtiva, que desejava levantar das cinzas cidades devastadas, recompor pontes arrasadas, redesenhar estradas que a guerra engolira.

As grandes linhas de crédito vindas da China e os contratos com construtoras estrangeiras ergueram-se como colunas de um templo novo. Mas no seio desse fervor já germinava a semente da dependência: alianças feitas na pressa do renascimento, sem o tempo necessário para distinguir os aliados sólidos dos parceiros efémeros. Angola corria, mais do que caminhava, impelida por uma sede de reconstrução que se confundia com a pressa da sobrevivência.

FASE II. | 2006-2008

Oscilação e pragmatismo calculado

Nunca ponha todos os ovos na mesma cesta.

Andrew Carnegie, magnata do aço, séc. XIX

Depois do ímpeto inaugural, o investimento vacilou. Em 2006, caiu abruptamente para 22%, como se a respiração tivesse sido contida; em 2007 e 2008 retomou fôlego para 25% e 29%. O país navegava no mar incerto entre a abundância petrolífera e a vulnerabilidade estrutural.

As eleições de 2008 reclamavam do poder uma demonstração visível de grandeza, mas a oscilação das receitas petrolíferas tornava cada aposta um jogo de azar. O investimento em telecomunicações, energia e infraestruturas vitais floresceu, mas sem a desejada diversificação. O conselho de Carnegie ecoava como voz esquecida: dispersar riscos, multiplicar frentes, não confiar o destino a uma única fonte de riqueza. Angola, todavia, continuava a apostar todas as fichas na roleta do crude.

FASE III. | 2009-2014

O auge da construção e o apogeu ilusório

Os mercados podem permanecer irracionais durante mais tempo do que qualquer investidor consegue manter-se solvente.

John Maynard Keynes, economista, séc. XX)

O ano de 2009 foi o clímax absoluto: a FBCF atingiu 43% do PIB, cifra colossal. Angola transformou- -se num imenso canteiro de obras: avenidas largas como sonhos, novas marginais a beirar o Atlântico, habitações sociais erguidas às pressas, ferrovias renascidas das cinzas. O país parecia transfigurar- -se num colosso em construção.

Mas a advertência de Keynes pairava como nuvem negra. O esplendor escondia fragilidade estrutural: a muralha erguida estava assente sobre areia movediça. Tudo dependia do fluxo incessante do petróleo e dos créditos externos. O investimento público funcionava como escudo contra os ventos da crise financeira global, mas a sua solidez era ilusória, sustentada mais por expectativas messiânicas do que por diversificação real. Bastaria um abalo nos mercados para que a fortaleza ruidamente desabasse.

FASE IV. | 2015-2019

O colapso da confiança e a marcha no deserto

Quem depende de um único pilar arrisca-se a ver a casa desabar ao primeiro tremor.

(Máxima de prudência económica, inspirada na tradição clássica)

O colapso dos preços do petróleo em 2014 foi o terramoto que abalou Angola até à medula. A FBCF desabou de 28% em 2015 para um mínimo histórico de 17% em 2018. O país mergulhou em austeridade; estaleiros tornaram-se desertos silenciosos; gruas erguidas ficaram como esqueletos metálicos contra o firmamento.

No plano social, crescia o desemprego e a desesperança; no plano político, desenhava-se a transição de José Eduardo dos Santos para João Lourenço; no plano económico, a dependência do petróleo mostrava-se como o verdadeiro inimigo. Era a marcha no deserto: o tempo em que a confiança se evaporou e a vulnerabilidade expôs-se sem máscaras.

Leia o artigo integral na edição 844 do Expansão, de Sexta-feira, dia 19 de Setembro de 2025, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)

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