Corte de juros pode aliviar o Estado, não famílias nem empresas!
É fundamental que o Estado remova os entraves que restringem a concessão de crédito ao sector produtivo, incluindo a criação de mecanismos que permitam às famílias mobilizar os seus activos imobiliários. Mas isso só não basta: é igualmente necessário aumentar a eficiência da despesa pública e calibrar o ritmo da consolidação orçamental, reduzindo a dependência do financiamento interno.
Na última reunião do Comité de Política Monetária, o Banco Nacional de Angola (BNA) decidiu reduzir as suas principais taxas de juro. A taxa BNA baixou de 19,5% para 19%; a taxa de juro de facilidade permanente de cedência de liquidez recuou de 20,5% para 20%; e a taxa de juro da facilidade permanente de absorção de liquidez passou de 17,5% para 17%.
Com esta decisão, o BNA parece sinalizar que chegou o momento de facilitar o acesso ao crédito e, consequentemente, ao capital. No entanto, é importante sublinhar que a descida das taxas de referência não se traduz, de imediato, numa redução efectiva do custo do financiamento na economia.
Segundo o BNA, a medida foi justificada pela trajectória de queda da inflação. De acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), a inflação homóloga fixou- -se em 18,88% em Agosto, uma descida de 11,65 pontos percentuais face a 2024, e abaixo dos 19,48% registados em Julho. Apesar disso, os dados também mostram que, após sucessivas reduções desde Janeiro, a inflação mensal voltou a acelerar em Junho e Julho, antes de cair novamente para 1,09% em Agosto. À luz deste cenário, as recomendações do FMI no mais recente relatório sobre as Perspectivas Económicas da África Subsariana (de Abril) levantam dúvidas sobre o timing da decisão do BNA. O Fundo aconselha países com inflação ainda elevada, como Angola, a manterem políticas monetárias restritivas e a reforçar a ancoragem das expectativas.
Em Angola, a classe "Alimentação e bebidas não alcoólicas" foi, em Agosto, a que mais contribuiu para a subida dos preços (11,60 pp). A pressão veio sobretudo da redução das importações de alimentos, segundo dados do BNA, sem que houvesse substituição significativa por produção local. Como já analisado anteriormente neste espaço, em Angola sete em cada 10 famílias consomem alimentos de baixa qualidade e, provavelmente, em menor quantidade do que o necessário. Num contexto de queda das receitas petrolíferas, torna-se pouco plausível esperar um alívio nos preços dos bens essenciais para as famílias angolanas.
Ao mesmo tempo, a política do BNA esbarra em barreiras estruturais que limitam a capacidade da banca de financiar o sector produtivo. A ausência de garantias reais é um obstáculo central: muitas famílias investiram em terrenos ou habitações nas centralidades construídas com fundos públicos, mas ainda hoje, apesar de pagarem regularmente o IPU, não conseguem utilizar esses activos como colateral para crédito. Este é um problema a que a governação precisa dar solução.
A experiência internacional mostra que o controlo da banca por nacionais, como ocorreu na Coreia do Sul, China, Taiwan e, em África, na Etiópia, foi decisivo para canalizar crédito ao sector produtivo. Em Angola, embora a banca seja maioritariamente de capital angolano, a falta de condições estruturais impede famílias e empresas de beneficiar plenamente da redução das taxas de juro. Na prática, o maior beneficiário poderá ser o Estado, que passará a financiar-se junto da banca a custos mais baixos.
Aliás, como já demonstrado pelo Expansão na edição passada, no rescaldo do XV Fórum Banca, a elevada atratividade dos títulos da dívida pública continua a desviar os recursos da banca, dificultando o seu papel de motor do desenvolvimento económico, como acontece em outras realidades.
Diante disso, é fundamental que o Estado remova os entraves que restringem a concessão de crédito ao sector produtivo, incluindo a criação de mecanismos que permitam às famílias mobilizar os seus activos imobiliários. Mas isso só não basta: é igualmente necessário aumentar a eficiência da despesa pública e calibrar o ritmo da consolidação orçamental, reduzindo a dependência do financiamento interno.
Em suma, ao cortar as taxas de juro de referência, o BNA manifesta a intenção de melhorar as condições de financiamento da economia. Todavia, sem alterações profundas no ambiente de negócios e nas condições estruturais do sistema financeiro, tudo indica que o sector privado (as famílias, empresas) dificilmente será o principal beneficiário desta decisão.