Entre o grito das necessidades e o sussurrar do cidadão: Um olhar para mobilidade urbana
O elevado grau de abstenção dos passageiros tem gerado congestionamentos nas paragens de táxis, emperrando per[1]niciosamente a mobilidade urbana. Com isso, os passageiros delongam horas nas paragens, atrasam no trabalho, o que leva a faltas e advertências, retardam a reuniões e a aulas, protelam compromissos, fazem-se casa num período de assaz insegurança, eleva-se o estresse, etc.
"Kero-Pumangol-Kilamba", "Gamek-Rocha-Padaria" ou "Cuca-Hoji-ya-Henda" são expressões que, além de referenciar pontos de passagem, estão cristalizadas no vocabulário de um comércio, sem o qual a economia e a sociedade desandam.
Do vozear do cobrador, do lotador ou até mesmo do motorista não ouvimos meras combinações toponímicas. Elas representam uma panaceia para a mobilidade urbana, ali onde se demanda, pois, através dela, o trabalhador chega ao seu local de trabalho, a vendedeira e o cliente chegam ao mercado, as encomendas chegam ao destinatário, o estudante e o professor põem-se no estabelecimento de ensino, e outros ganhos.
Todavia, estes utilizadores da actividade de táxi, vulgos passageiros, estão obrigados a pagar o preço, onde "dinheiro trocado" é lei. Um preço que durante muito tempo em Angola estava à mercê do livre funcionamento da economia, à luz do jogo da oferta e da procura.
Porém, para as autoridades angolanas, o laissez faire laissez passer já terá deixado de reunir as suas condições para continuar a regular isoladamente este mercado. Este entendimento sobrevalorizou-se no contexto das reformas entronizadas a nível dos preços dos combustíveis, cujo apogeu despontou com a subida do preço da gasolina em Junho de 2023, fazendo com que os preços praticados pelos taxistas se ajustassem à realidade.
Para aliviar este cenário, foi aprovado o Decreto Presidencial n.º 132/23, que aprovou medidas mitigatórias, que se consubstanciavam na subvenção parcial do preço, mediante a atribuição de cartões de consumo de gasolina aos taxistas. Porém, tais medidas foram efémeras, já que o Decreto Presidencial n.º 68/24 de 07 de Março, na sequência da previsão do decreto anterior, removeu integralmente aquelas medidas a partir do dia 30 de Abril de 2024. Ora, se o custo de produção aumenta, como consequência básica económica, aumenta- -se também o preço, canalizando-se o incremento para o consumidor final, aqui o passageiro.
Entretanto, dado os feitos nefastos para o bolso da população angolana que destes serviços carece, no contexto de uma economia já de arranhões para a maioria, as autoridades angolanas não congraçaram com este efeito.
Desta feita, o Executivo, por via do Ministério dos Transportes, determinou em Maio de 2024 o valor de 200 Kz como tarifa dos táxis colectivos por cada passageiro em viagens de até 16 Km, para toda a extensão da província de Luanda.
Desde então, tem se vivenciado nas artérias da capital angolana uma realidade que denuncia um axioma que parece pouco contornável: a economia não se padece com actos administrativos! A intervenção do Executivo angolano, por via do Ministério dos Transportes, na formação dos preços praticados pelos taxistas tem emanado para estes a necessidade de "se virarem" em prol da sua produtividade.
Nesta senda, uma das medidas tomadas tem se reconduzido na adopção de viagens curtas (linhas curtas), causando um grau de abstenção do consumo pelos passageiros, cuja necessidade de transporte quase nunca é compatível com a metragem da viagem oferecida, num contexto em que os transportes públicos não satisfazem (e nem podem satisfazer) integralmente a demanda, e que possivelmente as condições demográficas da cidade-capital já podem estar obesas.
O elevado grau de abstenção dos passageiros tem gerado congestionamentos nas paragens de táxis, emperrando perniciosamente a mobilidade urbana. Com isso, os passageiros delongam horas nas paragens, atrasam no trabalho, o que leva a faltas e advertências, retardam a reuniões e a aulas, protelam compromissos, fazem-se a casa num período de assaz insegurança, eleva-se o estresse, etc.
Mais grave ainda, diante da escassez, havendo um táxi de "linha longa" - chamemo-lo assim - este táxi torna-se um bem de muita rivalidade, sujeitando os passageiros a entrarem numa guerra onde, como no estado de natureza Hobbesiano, o mais forte consegue o contrato, sendo que não raras vezes muitos deles saem fisicamente lesados, atropelados, furtados, ou até mesmo, como os elefantes no capim, danificam o carro.
As enchentes inflamam a procura, e a oferta cada vez mais diminui, isto é, os metros por viagem, que via de regra já são curtos, diminuem cada vez mais. Os poucos que podem acenam as chamadas linhas curtas, gastando o dobro ou o triplo do preço que, na falta de enchentes ou linhas curtas, poderiam gastar para chegarem aos seus destinos.
Este panorama destoa com os objectivos da intervenção do Executivo, o de evitar que se gaste além do preço definido por viagens de até 16 Km, fazendo emergir a hipótese de que talvez se despenderia menos nestas viagens se fosse dilatado o preço, ao mesmo tempo, desinchando as paragens.
Este é o estado actual da mobilidade urbana na cidade capital, cuja espessura coloca em causa interesses de vários sectores, sobretudo o económico e o social. Uma abordagem diferente do Executivo, como a liberalização dos preços ou a coordenação do seu aumento, certamente carrearia outras consequências para estes domínios, pelo que a situação actual da mobilidade urbana em Luanda apresenta-se como uma faca de dois gumes, onde os respectivos populares aparecem como os imediatos alvos nos dois lados.
*Ntony Fernando Dala, Jurista-económico, consultor jurídico
Edição 830 do Expansão, de Sexta-feira, dia 13 de Junho de 2025