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Opinião

O paradoxo das normas tributárias: Quando a lei prejudica quem deveria proteger

CONVIDADO

O sistema tributário angolano precisa de ser reequacionado com base num princípio simples: cumprir não pode ser mais arriscado do que não cumprir. Um Estado que penaliza os que procuram cooperar voluntariamente não está a exercer autoridade, mas sim a corroer a sua própria legitimidade.

O ambiente de negócios em Angola enfrenta desafios estruturais cuja origem não reside apenas em factores económicos clássicos, mas também - e de forma crítica - no próprio enquadramento jurídico vigente. Embora o debate sobre o desenvolvimento empresarial tenda a concentrar-se em variáveis como infraestruturas rodoviárias, liberdade de comércio ou a necessidade de formalização da economia informal, uma análise de natureza jurídico-económica revela que determinadas normas legais e fiscais funcionam, paradoxalmente, como barreiras à consolidação e sustentabilidade das empresas, em especial das microempresas. Trata-se, pois, de uma questão eminentemente macroestrutural, ainda que os seus efeitos se façam sentir com particular intensidade ao nível micro.

01. A VISÃO MACROECONÓMICA: Um diagnóstico incompleto

As políticas públicas têm privilegiado a expansão da base tributária como estratégia de incremento da receita, muitas vezes por via da multiplicação de pontos de incidência fiscal, mesmo sobre actividades economicamente frágeis. Esta abordagem ignora um facto fundamental: apenas cerca de 20% dos negócios em Angola são formais e conseguem manter-se activos a médio prazo.

A insistência em formalizar a qualquer custo, sem um real compromisso com a viabilidade económica das empresas já formalizadas, tem resultado numa espiral de fracasso: o sistema tributa mais e melhor aqueles que conseguem sobreviver, penalizando exactamente os que deveriam ser preservados.

02. UM CASO PARADIGMÁTICO: A norma que sabota a intenção

O Código Geral Tributário (CGT) prevê, no seu Artigo 136.º, a possibilidade de pagamento em prestações de dívidas fiscais até 24 meses, mediante a aplicação de juros de mora. Esta norma visa, em teoria, apoiar empresas com dificuldades temporárias de tesouraria.

Contudo, a sua aplicação prática expõe um paradoxo jurídico e económico: o benefício só é concedido se a dívida estiver formalmente vencida, isto é, após o incumprimento do prazo legal. O sistema exige, para poder ajudar, que se falhe primeiro!

03. A lógica perversamente burocrática

O ciclo a que uma microempresa é sujeita quando tenta agir de forma preventiva é, no mínimo, dissuasor:

■ Deve permitir que o prazo de pagamento da nota de liquidação expire;

■ Submeter uma declaração de substituição fora de prazo;

■ Enfrentar as penalizações automáticas do sistema fiscal electrónico

Este percurso, que exige primeiro o incumprimento para depois aceder a um mecanismo de apoio, resulta numa acumulação de penalizações:

■ Multa de 25% sobre o imposto devido (Artigo 155.º do CGT);

■ Penalidade fixa de 600.000 Kz pela "entrega fora de prazo" (ainda que decorrente de substituição de declaração atempada);

■ Juros de mora à taxa de 1% ao mês;

■ E um novo prazo, reduzido, de apenas 15 dias para regularização.

04. O absurdo jurídico: Entre dois benefícios, nenhum

O artigo 165.º do CGT permite ainda a redução de 50% das multas por incumprimento da obrigação declarativa, mas o mesmo código impede a acumulação de benefícios. Assim, o contribuinte é forçado a uma escolha absurda: ou recorre ao pagamento em prestações, ou solicita a redução da multa. A racionalidade do sistema desaparece por completo.

05. O sistema que penaliza o cumprimento

Este enquadramento legal e operativo traduz-se numa inversão perversa de incentivos: o cumprimento voluntário e preventivo é tão penalizado quanto a omissão e o silêncio. O contribuinte proactivo é tratado como infractor, e o infractor conformado recebe, na prática, um tratamento mais benigno.

Quando confrontada com estas distorções, a resposta verbal das repartições fiscais da Administração Geral Tributária (AGT) tem sido evasiva, remetendo as incongruências para o sistema informático. Trata-se, no fundo, de uma abdicação institucional das responsabilidades normativas.

Leia o artigo integral na edição 831 do Expansão, de Sexta-feira, dia 20 de Junho de 2025, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)

*Agostinho Mateus, Economista

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