Saltar para conteúdo da página

Logo Jornal EXPANSÃO

EXPANSÃO - Página Inicial

Opinião

Os lucros da banca estão "em contraciclo" com o resto da economia angolana?

CONVIDADO

O sistema bancário angolano não prospera contra a economia. Ele tem sido, silenciosamente, o amortecedor da crise, o garante da estabilidade financeira e a plataforma necessária para o próximo ciclo de crescimento e transformação estrutural da economia angolana.

Este é um debate necessário, mas que exige rigor, contexto e acordo com os factos. Nos últimos anos, tornou-se comum ouvir de várias pessoas, a frase segundo a qual "a banca angolana cresce e lucra enquanto a economia real estagna". Esta leitura, apesar de popular, carece de rigor técnico e é superficial, pois ignora o essencial: a profunda transformação estrutural que o sistema bancário atravessou desde 2017, os custos que absorveu e o papel decisivo que desempenha na estabilidade financeira e no financiamento a economia.

A questão central desta discussão não é se os lucros altos existem, porque existem, mas sim por que existem, como surgem, o que representam e se constituem uma anomalia ou uma consequência natural do processo de reforma financeira que o sistema bancário angolano viveu na última década.

É verdade que o país enfrentou um ambiente económico exigente entre 2017 e 2024, marcado pela queda da produção petrolífera, inflação elevada, instabilidade cambial e crescimento económico modesto. Apesar deste contexto, o setor bancário apresentou resultados positivos e crescentes. Esta assimetria alimenta a perceção de contraciclo.

Entre 2018 e 2024, o Banco Nacional de Angola (BNA) conduziu a mais profunda reforma bancária desde o início dos anos 2000, com a alteração do plano de contas do sistema bancário e a introdução das IFRS. Durante este período foi aprovada diversa legislação, das quais destaco a Lei 14/21 e a Lei 24/21, e foi aprovada diversa regulamentação que abarca requisitos de capital, reforço dos rácios de liquidez e solvabilidade, gestão de riscos, práticas de governação societária e, simultaneamente, foi intensificada com uma supervisão prudencial mais forte e intrusiva, alinhada às exigências de Basileia III.

A implementação na banca da IFRS 9 (sobre instrumentos financeiros), uma norma que exige perdas esperadas e não apenas perdas incorridas, obrigou os bancos angolanos a efetuarem a limpeza dos seus balanços e a reconhecerem imparidades substanciais, ao mesmo tempo que o BNA conduziu processos complexos de reestruturação de bancos em dificuldades, senão mesmo insolventes.

Os bancos angolanos, entre 2017 e 2024, absorveram centenas de milhar de milhões de kwanzas em perdas, relacionadas ao crédito vencido (NPLs) acumulados ao longo de anos de recessão, ao reforço massivo de imparidades, a modernização tecnológica acelerada, muita dela derivada dos requisitos regulatórios, aos elevados investimentos em formação e sistemas devidos a regulamentação relativa ao compliance, AML e KYC, a governação societária, e a fortes exigências de recapitalizações impostas pela nova legislação e regulamentação.

Simultaneamente, setor aumentou a sua eficiência operacional, com elevados investimentos em digitalização, na automatização e encetou encerramento de agências, reduzindo custos e aumentando a produtividade. Como resultado destas reformas e reestruturação de bancos, o sistema bancário tornou-se mais enxuto, mais capitalizado, mais prudente, mais estável, e mais sólido. E esta estabilidade, naturalmente, gera maior rentabilidade.

Assim , não se trata de os bancos estarem em contraciclo ao resto da economia, mas sim da consequência direta de reformas anteriores que corrigiram fragilidades históricas da banca angolana. Os lucros atuais não traduzem um enriquecimento súbito, mas sim a normalização pós-crise e pós-reforma. É o retorno ao que é esperado de um setor reestruturado, fortemente regulado, disciplinado, e sólido.

O setor bancário cresce, porque há mais mobilização de recursos financeiros. Neste sentido, verificamos que os últimos anos foram marcados por: l Crescimento de mais de 30% dos depósitos, entre 2020 e 2024; l Explosão dos canais digitais; l Maior inclusão financeira; l e Aumento da poupança bancária das famílias e das empresas formais.

O que verificamos é que são lucros gerados por uma base mais ampla de agentes formais, de transações digitais e da maior confiança no sistema bancário. É importante recordar o óbvio: uma banca fraca não financia nada. Para aumentar o crédito, reduzir spreads, inovar digitalmente, atrair bancos correspondentes internacionais e cumprir as normas internacionais, os bancos precisam de capital. E capital e a capitalização dos bancos só existe com uma banca lucrativa. Por isso, dizer que a banca lucra "em contraciclo" é ignorar que bancos frágeis não conseguem financiar PMEs, que bancos sem capital não sustentam a diversificação económica, que bancos não rentáveis não reduzem juros, e que bancos endividados não sobrevivem a choques económicos e fortes restrições cambiais. Assim, o lucro não é um luxo, é antes de mais uma pré condição para a estabilidade económica. A visão crítica aos lucros da banca, é simplista e ignora que a banca também sofre com as crises, e que quando o crédito encolhe porque a procura diminuiu, quando a capacidade financeira e o risco das empresas se deterioraram, quando o crédito deteriora-se e o crédito vencido (NPLs) cresce, quando a inflação cresce e corrói o capital dos bancos, quando a depreciação cambial deteriora rácios prudenciais, e quando a rentabilidade real, ajustada à inflação, é muito inferior à rentabilidade nominal, os bancos geram um lucro inferior ao seu lucro potencial.

Portanto, lucros nominais altos não significam lucros reais extraordinários. Hoje, a banca é o setor mais reformado da economia angolana, e cumpre integralmente as normas internacionais de contabilidade e relato financeiro (IASs e IFRSs), segue padrões internacionais de solvabilidade e liquidez, e é supervisionada por um regulador e supervisor (BNA) alinhado a Basileia III e ao BCE. Nenhum outro setor em Angola viveu reformas tão profundas e tão rápidas, em tão curto prazo.

A banca precisa de lucros para financiar a economia, seja a agricultura, a indústria, as PMEs, as infraestruturas e as obras públicas, seja ainda a transformação produtiva. Sem rentabilidade não há diversificação económica. A diversificação da economia começa na solidez dos bancos.

Num contexto macroeconómico desafiante, caraterizado pela queda do preço do barril de petróleo e da produção petrolífera nacional, e com uma receita fiscal limitada, a banca reforça o seu papel como o principal financiador do Estado, e é aos bancos que cabe a responsabilidade de estabilizar financeiramente a economia, comprando dívida pública, disponibilizando e sustentando a liquidez nos mercados, e reduzindo a dependência do endividamento externo.

As reformas ocorridas no setor bancário, tais como a regulamentação de compliance e combate ao branqueamento de capitais e o financiamento ao terrorismo, a modernização digital, a redução do crédito vencido (NPL), o aumento da inclusão financeira, o crescimento do microcrédito, e as parcerias com bancos internacionais (correspondência bancária) mostram que o setor está na linha da frente das soluções para a nossa economia, não dos problemas.

A diversificação económica, a integração económica regional (ZCLCA e SADC), os projectos estruturantes ( ex. o Corredor do Lobito), a promoção industrial e agrícola, e a reativação das privatizações, que está a ocorrer com a participação ativa dos bancos tornará os resultados da banca mais coincidentes com o desempenho da economia real, e menos de títulos públicos. Concluindo, é verdade que a economia angolana viveu anos difíceis e que a banca, apoiada nos títulos do Tesouro e na gestão prudencial, conseguiu manter taxas de rentabilidade altas. Mas é falso afirmar que a banca "lucra contra a economia".

O que existe, é um setor reformado, cujos custos foram absorvidos ao longo de vários anos, fortemente regulado e supervisionado, que sofreu e sofre elevados custos de regulamentação, que tem contribuído para o aumento da formalização e da poupança, que é um setor com necessidade de taxas atrativas de rentabilidade para financiar a economia e a diversificação económica, que tem tido um contributo essencial para o funcionamento do Estado, e que tem mantido uma grande estabilidade ao longo de períodos de choques sucessivos e instabilidade económica.

O sistema bancário angolano não prospera contra a economia. Ele tem sido, silenciosamente, o amortecedor da crise, o garante da estabilidade financeira e a plataforma necessária para o próximo ciclo de crescimento e transformação estrutural da economia angolana.

* Mário Nascimento, Presidente da ABANC

Edição 854 do Expansão, sexta-feira, dia 28 de Novembro de 2025

Logo Jornal EXPANSÃO Newsletter gratuita
Edição da Semana

Receba diariamente por email as principais notícias de Angola e do Mundo