Revisão do preço dos combustíveis em Angola: Entre a responsabilidade fiscal e a sensibilidade social
A recente decisão do Executivo angolano de proceder ao reajuste do preço dos combustíveis, embora previsível no quadro da consolidação orçamental e da reforma do sistema de subsídios, constitui uma medida de elevado impacto económico e social. No contexto de uma economia em transição e ainda marcada por fragilidades estruturais, o ajustamento de preços num bem de consumo transversal como os combustíveis suscita inquietações legítimas, tanto no plano da justiça distributiva quanto na sua repercussão sobre a vida quotidiana das populações. Porém, um olhar comparado e tecnicamente fundamentado permite compreender que esta medida se inscreve numa lógica mais ampla de racionalização do gasto público e de alinhamento com as boas práticas internacionais.
Ainda que à primeira vista o aumento dos preços possa ser percebido como uma penalização das famílias, especialmente das camadas mais vulneráveis, importa observar que Angola continua, mesmo após os recentes reajustes, a praticar preços significativamente mais baixos em comparação com países da região e com a média global. Segundo dados atualizados de fontes internacionais como o GlobalPetrolPrices, o preço médio da gasolina em Angola ronda os 0,33 USD e o gasóleo aproximadamente 0,44 USD por litro, ao passo que em países vizinhos, como Moçambique ou Zâmbia, os preços oscilam entre 1,21 e 1,31 USD para a gasolina e entre 1,00 e 1,25 USD para o gasóleo. Em contextos fora do continente africano, a discrepância é ainda mais agudizada. Esta diferença histórica tem alimentado práticas como o contrabando transfronteiriço, com prejuízos significativos para a economia nacional, esvaziando o efeito redistributivo dos subsídios e comprometendo a sustentabilidade fiscal do Estado.
Neste sentido, o ajustamento dos preços insere-se numa estratégia de correção de distorções económicas acumuladas ao longo do tempo. A manutenção artificialmente baixa do preço dos combustíveis traduziu-se num custo fiscal expressivo para o Tesouro Nacional, absorvendo recursos que poderiam ser aplicados em sectores essenciais como a saúde, educação, infraestruturas ou protecção social. Estimativas apontam para um encargo superior a 2% do Produto Interno Bruto (PIB), valor que sobrepuja o orçamento anual de vários ministérios sociais. Esta realidade fragiliza a capacidade do Estado de intervir eficazmente na melhoria das condições de vida dos cidadãos e agrava a dependência de receitas petrolíferas, vulneráveis às flutuações do mercado internacional.
Contudo, não se pode ignorar o efeito multiplicador que o aumento dos combustíveis exerce sobre a estrutura de preços da economia. Trata-se de um bem transversal, cujo encarecimento repercute-se sobre o custo do transporte, da produção agrícola e industrial e, por consequência, sobre os preços dos bens de primeira necessidade. A inflação induzida, se não for devidamente mitigada, tende a agravar a exclusão social e a precariedade económica, principalmente num país onde o sector informal assume um papel pujante na subsistência de milhões de famílias.
É precisamente neste ponto que a sensibilidade social da medida deve ser reforçada com mecanismos compensatórios eficazes. A experiência internacional demonstra que reformas bem-sucedidas nesta matéria foram acompanhadas de programas de transferências sociais direccionadas, apoios ao transporte público, subsídios ao gás de cozinha e medidas de estímulo à agricultura familiar. Em Angola, esta abordagem integrada será crucial para garantir que a transição para um regime de preços liberalizados não se traduza em maior vulnerabilidade para os que menos têm. O diálogo institucional, a pedagogia política e a transparência na implementação das compensações serão determinantes para evitar convulsões sociais e reforçar a confiança dos cidadãos nas reformas em curso.
Do ponto de vista económico, a médio e longo prazo, a liberalização progressiva dos preços dos combustíveis poderá contribuir para uma maior eficiência na utilização dos recursos energéticos, promovendo o investimento em energias alternativas, dissuadindo o consumo excessivo e desincentivando a importação de viaturas de elevado consumo. Simultaneamente, cria-se um ambiente mais atractivo para o investimento privado no sector da distribuição e comercialização de combustíveis, promovendo concorrência, melhoria de serviços e criação de empregos qualificados.
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