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Opinião

O que é que o Fundo Monetário Internacional vai exigir ao País?

Laboratório Económico

Depois de ter celebrado o seu 74.º aniversário em Julho deste ano, o Fundo Monetário Internacional já recebeu pedidos de ajuda de centena e meia de países e dos seus 189 membros apenas 46 nunca recorreram aos seus préstimos e serviços financeiros.

O FMI prepara-se para encerrar rapidamente os "dossiers" da Zona Euro para se virar para as economias presentemente mais vulneráveis, com receio de que uma crise financeira possa abalar alguns mercados emergentes. O risco de uma nova perturbação económica mundial parece real, sendo os indícios mais evidentes algumas tensões políticas (Irão, Venezuela, Coreia do Norte, Síria) e a desenfreada e desnorteada estratégia proteccionista de Donald Trump.

É neste quadro de referência que Angola vai, pela segunda vez, assinar um acordo de ajustamento estrutural com o Fundo, esperando eu que o Governo, o MPLA e os seus assessores tenham perfeita consciência das consequências nefastas e perversas que poderão advir da aplicação do modelo neoclássico e liberal do FMI.

Um dos aspectos de maior expectativa para a governação angolana é o da confiança dos mercados financeiros internacionais que um acordo desta natureza pode trazer ao País. A Standard & Poors mantém Angola numa classificação de alto risco para os investimentos estrangeiros (Ba) e prevê um aumento da dívida pública por efeito conjugado entre o défice orçamental e a desvalorização do Kwanza e um preço médio do barril do petróleo de USD 60 até 2021.

O petróleo tem sido um dos factores importantes para que se invista no País e estou convencido que bastará que o seu preço baixe, por exemplo, para 45 USD para que toda a confiança se esboroe. Tem sido através das exportações de petróleo que o País consegue arrecadar moeda externa e aumentar o seu stock de reservas internacionais, fundamentais para garantir a liberdade de expatriação de lucros e dividendos.

O País não tem outros fundamentos confiáveis e o acordo com o FMI, segundo a minha opinião, será curto para se criar uma confiança sustentável nas possibilidades do País (carências várias de capital humano, capital físico, capital social, capital tecnológico e capital investigativo e científico)(1). As previsões oficiais e de algumas instituições internacionais de crescimento do PIB até 2022 são baixas (taxas médias de variação real da produção de cerca de 2,7%) e o ambiente de negócios continua poluído e inquinado pela corrupção, excesso de burocracia e tráfico de influências.

A classificação do País no índice Doing Business do Banco Mundial (167º em 2017) não melhora, aumentando a desconfiança dos investidores estrangeiros quanto à possibilidade de se fazerem bons negócios em Angola. E penso que o Acordo com o FMI não será suficiente para modificar estas expectativas externas.

Ainda que o FMI já não seja o "papão" dos anos dos programas de ajustamento estrutural em África e na América Latina, as suas políticas financeiras e monetárias continuam a ser muito restritivas e potencialmente geradoras de efeitos sociais perversos e desestabilizadores de uma certa ordem e estabilidade sociopolítica internas, mesmo de baixa intensidade. Porém, deve reconhecer-se que a visão do Fundo Monetário Internacional sobre a gravidade dos problemas sociais em África é, hoje em dia, diferente (até porque os destinatários das políticas de ajustamento macroeconómico são sempre as populações), embora as soluções de política económica propostas salvaguardem, em primeira instância e a todo o custo, a filosofia liberal dos ajustamentos macroeconómicos.

A solicitação de ajuda financeira partiu do Governo de João Lourenço, só não se percebendo porque não foi logo reconhecida esta necessidade e disfarçou-se a vinda do Fundo de uma mera assistência técnica à implementação do Plano de Desenvolvimento Nacional e do Programa de Estabilização Macroeconómica, que eu julgava que tinha sido absorvido pelo primeiro (não entendo como o PDN não tenha esta componente macroeconómica de ajustamento ou que a considere de uma forma mais mitigada, o que leva a questionar sobre a sua coerência global). Em que domínios da política económica o Fundo Monetário Internacional vai intervir (interferir?) para que liberte um financiamento de 4,5 mil milhões USD de ajudas à Balança de Pagamentos, em tranches de 1,5 mil milhões de USD durante 3 anos? Destaco apenas quatro por limitações de espaço.

a) Despedimento de funcionários públicos, uma antiga "pretensão" do Fundo com o objectivo de ajustar a quantidade e qualidade de bens e serviços públicos fornecidos pelo Estado às reais demandas dos cidadãos. O que, se espera, equivalha a um incremento da produtividade bruta aparente dos servidores civis do Estado. E nesta matéria há que reconhecer que o Fundo tem razão: nem o volume de serviços públicos, nem a sua qualidade corresponde a padrões mínimos de eficiência e eficácia. As queixas populares são recorrentes quanto a carências de diversa ordem em matéria, de educação, saúde, saneamento e relações com o público em áreas de aplicação da burocracia.

b) Congelamento de salários dos funcionários do Estado (civis e militares) para se conseguirem poupanças necessárias à redução do défice orçamental. Menor poder de compra directo e perda de poder de compra por efeito de uma inflação ainda descontrolada (a despeito de tendências de abaixamento da sua intensidade de variação positiva mensal) poderão consequencializar uma diminuição das intenções de investimento privado: produzir-se para quem, num contexto em que as exportações estão, por enquanto, fora de cogitação?

c) Desvalorizações ainda mais acentuadas do Kwanza até o seu valor oficial igualar o do informal. O FMI conhece outros critérios de cálculo das taxas de câmbio de desequilíbrio, mas continua a insistir que para Angola a convergência com o informal é o único a ser levado à prática. O Fundo entende não haver correlações estreitas e firmes entre a desvalorização da moeda nacional e a inflação, tendo inclusivamente apresentado um estudo onde se subvaloriza o impacto sobre os preços internos da desvalorização cambial. Com as desvalorizações, as importações tornam-se mais caras e a oferta interna mais afastada da satisfação da procura interna. Só assim não será se a produção interna estiver a aumentar, o que não é verdade, apontando os mais recentes ajustamentos na capacidade de crescimento da economia nacional para uma perda de velocidade em relação ao previsto: as Contas Nacionais Trimestrais- 1º trimestre de 2018 (variações homólogas relativamente a período idêntico de 2017) contabilizam uma recessão de 2,2% no PIB.

d) A dívida pública actual está estimada em 9.970,22 mil milhõesKz (cerca de 55,4 mil milhões USD, 60% do PIB) e o respectivo serviço consegue absorver 87,3% das despesas orçamentais e 36% das receitas fiscais(2). Dos putativos acordos financeiros em cima da mesa estão: 15,5 mil milhões USD de um novo empréstimo da China, 500 milhões USD do Commerze Bank alemão, 150 milhões USD da Agência Francesa de Desenvolvimento, emissão de 3 mil milhões USD em eurobonds, negociação em Setembro deste ano de mais um financiamento chinês de 10 mil milhões USD. Ou sejam, mais 29,15 mil milhões USD de dívida governamental desde que João Lourenço tomou posse como Presidente da República.

Esta é a minha visão sobre o Acordo com o Fundo Monetário Internacional, resumida, evidentemente, e dentro dos elementos informativos de que disponho. E também de acordo com a minha preferência económica doutrinária de keynesianista liberal. Quando se apela ao FMI, é porque a situação financeira é séria (embora me custe a compreender a necessidade do empréstimo do Fundo, quando em cima da mesa estão cerca de 30 mil milhões USD), mas deve entender- -se que as políticas e recomendações desta instituição financeira internacional não resolvem tudo, ficando a dúvida se das mesmas certos problemas, nomeadamente sociais, se não agravarão.

Notas:

(1) Na sua espectacular investida na diplomacia económica, o Presidente João Lourenço tem conseguido arregimentar vários acordos ou promessas de acordos de cooperação em sectores como transportes, energia, agricultura, indústria, exploração mineira, construção, pescas e outros, perguntando-me eu como se vai fazer a coordenação de tudo isso (já que muitos países seleccionaram exactamente as mesmas áreas) e concluindo que afinal nós angolanos não somos capazes de fazer nada. Tudo tem de vir a coberto da cooperação estrangeira. A inexistência de capital tecnológico angolano vai repercutir- -se de uma forma dramática no nosso futuro.

(2) Relatório de Fundamentação do OGE 2018.

Alves da Rocha escreve quinzenalmente