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Opinião

As exportações, os investimentos e a dívida chinesas são uma ameaça ou uma oportunidade para África?

Laboratório Económico

Estou neste momento a ler (alguns aspectos novos) e a reler (para recordar e fixar melhor) o Confronto Intelectual que Definiu a Economia Moderna entre John Maynard Keynes e Friedrich Hayek sobre questões essenciais da Teoria Económica e da sua componente prática que é a Política Económica, por intermédio da qual se pretende alterar realidades e situações não aceites pela sociedade (políticos, empresários, trabalhadores, famílias, etc.) e até, eventualmente, em choque com alguma Doutrina (para já não falar em Ideologia).

Estes diálogos e "confrontos" intelectuais (que praticamente se estenderam por toda a década dos anos 30 do século passado) processaram- se especialmente pela via de Conferências em Inglaterra (em Londres, na London School of Economics e em Cambridge) e em Viena de Áustria. Mas também através de discussões pessoais (Hayek foi um discípulo de Keynes e apesar das divergências respeitou e admirou sempre o Mestre) e estão referidos, referenciados e anotados em muitas obras de economistas, recentes e passados. Um dos pontos de discórdia entre estes dois grandes intelectuais foi o do papel do Estado e do Mercado na economia.

Assunto ainda em discussão na actualidade, havendo instituições como o Fundo Monetário Internacional para quem o mercado é o mecanismo essencial e determinante da afectação de recursos escassos e o garante da sua eficiência (não importando ou importando pouco os efeitos sociais). Estas posições acabarão por ser subscritas por Angola no quadro do Acordo Financeiro e de Assistência Técnica em fase final de firmação pelas duas partes.

Outra matéria de relevância nestes diálogos prende-se com a política monetária (e seus derivados, como a política cambial e a dívida pública) e o seu papel na economia. Trata-se de retorquir à seguinte questão: qual a melhor resposta para uma crise? Medidas de austeridade ou políticas de crescimento? Alguns países da União Europeia viveram bem por dentro este dilema e Angola encontra-se, igualmente, nesta encruzilhada: como inverter o ciclo económico de recessão com políticas monetárias altamente restritivas? Como tornar num factor de crescimento da economia a crescente dívida pública externa, nomeadamente a chinesa?

Antes de voltar aos históricos diálogos Keynes/Hayek, particularmente as posições do segundo quanto à política monetária (relevantes porque este economista de origem austríaca foi, assumidamente, um liberal, cujas teses foram adoptadas pela famosa Escola de Chicago de Milton Friedman) vou dedicar algumas linhas à crescente dependência de Angola face à China, em matéria de comércio externo (a China é actualmente, o principal parceiro comercial de Angola), de financiamento da economia (os 25 mil milhões USD que Angola deve à China não têm paralelo com outros países) e de endividamento externo.

É difícil encontrar em África outro país com a dimensão de Angola com este grau de dependência, que pode trazer em seu bojo cedências de natureza política e estratégica. Uma dependência - podemos eufemisticamente chamar de aprofundamento da cooperação económica e financeira - estabelecida entre dois países de matrizes políticas diferentes: do lado de Angola, um sistema político democrático e, agora com João Lourenço, cada vez mais aberto e interessado em acertar contas com um passado de enormes aflições para a grande maioria da população e, do lado da China não tanto.

A rota de crescimento da China tem sido notável. Deng Xiaoping, fundador do "capitalismo vermelho", o Último Imperador, o Pequeno Timoneiro alguns dos epítetos por que ficou conhecido este velho companheiro de Mao, Homem do Ano em 1985 eleito pela Revista Time, falecido em Fevereiro de 1997, criador da fórmula "Um País, Dois Sistemas", favorecendo regimes especiais para Hong Kong e Macau, a par da criação das Zonas Económicas Especiais (que muitos países africanos tentam copiar, mas sem grande sucesso, inclusive Angola).

Obreiro da abertura da China ao Mundo (1984, 1985), em especial ao investimento estrangeiro que provocou o início do êxodo de muitas empresas ocidentais atraídas pelo imenso mercado populacional chinês, de mão-de-obra barata e que começava a apresentar sinais evidentes de incremento do PIB por habitante (portanto da dimensão económica do seu mercado interno), da explosão da maior taxa de crescimento do planeta (ainda hoje a China apresenta a mais elevada taxa de crescimento económico mundial), Deng foi também o inspirador do "culto da abundância" e da corrupção, em que as Forças Armadas e a Polícia tiveram um papel activo.

Estas reformas e viragens, muitas delas profundas, continuaram com os "descendentes" políticos de Deng e hoje a China é o que é. Continuo, no entanto, a não entender como possível a convergência (mesmo que mais atenuada a expressão para convívio) entre princípios políticos comunistas e regras económicas capitalistas (preponderando a propriedade privada dos meios de produção e os mecanismos de alocação de factores e recursos baseados na sua eficiência), sendo, para mim, insuficiente a fórmula "Um País, Dois Sistemas".

Para além dos evidentes sucessos económicos, até na redução significativa da pobreza, este país asiático rubrica êxitos em certos domínios científicos e tecnológicos, dos quais o mais recente é o da construção da maior ponte marítima do mundo, com 54 quilómetros de extensão e que liga Macau, Hong Kong e o continente. Mas permanecem indícios claros de falta de tolerância política em relação a assuntos mais sensíveis para a classe política.

O acesso a determinadas obras literárias é controlado, sendo disso sinal a transcrição do "Le Figaro" de 8 de Outubro de 2018: "La resistence par les livres d"un libraire pékinois; au couer de la capitale chinoise, on trouve chez All Sages, tenu par un amoreux de la liberté, des nombreau ouvrages corrosifs qui, aux marges de la censure, font la joie des intellectuels, mais aussi des membres du Parti Comuniste".

O episódio, não completamente esclarecido pelas vias oficiais, na prisão do Presidente da Interpol, pode ser outro indício de intolerância, ainda que se apresente como razão da sua detenção prenúncios de corrupção durante a época em que exerceu funções oficiais e, por isso mesmo, objecto de um inquérito.

A Revista África 21, de Setembro deste ano, referenciava uma iniciativa do Presidente Xi Jinping, destinada a reforçar a supervisão política dos intelectuais e a fortalecer o alinhamento das políticas e ideologias com os objectivos designados pelo Partido Comunista e os desígnios do Estado: "A China lançou uma campanha de reeducação política, com o objectivo de promover um espírito patriótico fervoroso, dirigido à juventude dos institutos de investigação e universidades, empresas tecnológicas mediáticas e instituições públicas", segundo uma notícia da agência oficial chinesa China Nova.

Angola encabeça a lista dos 10 países africanos mais endividados face à China, com uma dívida pública total de 25 mil milhões de dólares (30,1% dos 10 Mais, 28,2% da dívida pública angolana e 58,3% da dívida publica externa).

São cifras muito elevadas quando relativizadas a um só país, levantando- -se o desafio da sua governabilidade e sustentabilidade: a primeira depende da correcta aplicação económica e social dos seus montantes (o que só em raros casos tem acontecido) e a segunda em estreita relação com a capacidade de negociação do Governo (prazos e taxas de juro) e a dinâmica de crescimento do país.

Então, face à crítica situação económica (em recessão há três anos consecutivos), social (o empobrecimento tem-se acentuado) e financeira (a política monetária tem sido insuficiente para garantir a simbiose entre estabilidade dos preços e crescimento da economia), qual a melhor resposta, austeridade ou crescimento? (Muito provavelmente, Lapalisse diria que as duas coisas).

Hayek afirmou que a teoria monetária, embora fosse uma ferramenta essencial à compreensão do sistema económico, tinha limitações graves. Era boa para os tempos normais, mas não para as situações e episódios de travagem das dinâmicas descendentes dos ciclos económicos. Acreditava que, para uma economia funcionar de forma eficiente, era essencial que o dinheiro operasse como um factor neutro, rematando na sua última conferência em Londres, na LSE: "embora a remoção do dinheiro como fonte de desequilíbrio fosse importante, uma política monetária restritiva não é a cura para tudo".

O equilíbrio que, a todo o custo, as autoridades monetárias angolanas pretendem para o mercado cambial, está a ter reflexos depressivos sobre a capacidade financeira de todos os agentes económicos, com os ajustamentos dos preços de muitos produtos e serviços devidos à constante desvalorização do kwanza.

Alves da Rocha escreve quinzenalmente

(Artigo publicado na edição 499 do Expansão, de sexta-feira, dia 16 de Novembro de 2018, em papel ou versão digital com pagamento em Kwanzas. Saiba mais aqui)