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Angola

"Programa estabelece um nível mínimo de gastos sociais no orçamento"

Grande Entrevista a CHRISTINE LAGARDE, DIRECTORA-GERAL DO FMI

Em entrevista exclusiva ao Expansão, via e-mail, a número um da instituição financeira internacional sediada em Washington garante que as medidas de protecção aos pobres são uma componente principal dos programas do Fundo.

O que a traz a Angola?
Permita-me começar por lhe agradecer esta entrevista ao Expansão. Trata-se da minha primeira visita a Angola e congratulo- me com a oportunidade de ver em primeira mão os progressos alcançados e como o País se está a centrar nos desafios futuros. Aguardo com expectativa o meu encontro com o Presidente João Lourenço, os decisores políticos, legisladores, líderes mulheres e representantes da sociedade civil. Desejo partilhar as opiniões do Fundo Monetário Internacional (FMI) mas, antes de tudo, estou aqui para ouvir. Há várias questões fundamentais que desejo discutir durante a minha visita. Gostaria de compreender melhor a estratégia de desenvolvimento de Angola. Como é que pode abordar questões sociais importantes, como a redução da pobreza e da desigualdade - incluindo a desigualdade de géneros? Existe ainda o desafio de ter de eliminar a dependência do petróleo. Igualmente, como é possível arrecadar mais receitas não petrolíferas para aumentar as despesas na saúde e educação?

Qual a sua mensagem para os angolanos?
A minha mensagem de apoio é a seguinte: Angola é hoje a terceira maior economia da África Subsaariana e dispõe de uma oportunidade única para melhorar o bem-estar dos seus cidadãos. A implementação das muito necessárias reformas para restaurar a estabilidade macroeconómica deve assentar as bases para o crescimento inclusivo e a diversificação económica. Mas lembrem-se: os angolanos não estão sozinhos. Conforme demonstrado pelo acordo no âmbito do Programa de Financiamento Ampliado (EFF, na sigla inglesa) recentemente aprovado, o FMI está aqui para apoiar Angola através de assistência financeira, para além do aconselhamento em matéria de política e do fortalecimento das capacidades.

A sua visita ocorre duas semanas depois da aprovação do programa com Angola...
De facto, a minha visita acontece na sequência da aprovação pelo Conselho de Administração do FMI, em 7 de Dezembro, do acordo EFF em apoio ao programa económico de Angola. O acordo visa apoiar a implementação das próprias reformas do Governo ao abrigo do Programa de Estabilização Macroeconómica e do Plano de Desenvolvimento Nacional 2018-22. O acordo disponibilizará 3,8 mil milhões USD ao longo dos próximos três anos, em conjunto com aconselhamento em matéria de política e assistência técnica.

Quais são os principais objectivos do programa e as medidas planeadas para os alcançar?
No âmbito do acordo, o Governo pretende: conduzir a dívida para níveis mais seguros, através da redução do seu défice orçamental; liberalizar o regime de câmbio para assegurar o uso mais eficiente dos recursos em moeda estrangeira do País e apoiar o crescimento liderado pelas exportações; fortalecer o sector financeiro e a legislação em matéria de CBC/FT (combate ao branqueamento de capitais e de repressão ao financiamento do terrorismo), protegendo os mais vulneráveis. Apoiará também os esforços em curso de reforço da governação. Ao abrigo do programa do Governo, estas medidas devem proporcionar sinais positivos aos outros intervenientes, incluindo a facilitação de um melhor acesso aos mercados financeiros internacionais.

Os programas do FMI envolverem, em geral, medidas de austeridade que têm um impacto negativo na vida das pessoas, pelo menos no curto prazo. Como responde a estas críticas?
O impacto das reformas económicas sobre os grupos mais vulneráveis é uma das nossas principais preocupações no FMI. Por isso, as medidas de protecção aos pobres devem ser uma componente principal dos programas que apoiamos.

Que medidas vão mitigar possíveis efeitos negativos?
O programa recentemente acordado com as autoridades angolanas inclui medidas para reforçar a rede de segurança social para proteger os pobres. A reforma dos subsídios aos combustíveis é importante para a sustentabilidade orçamental, mas também para a justiça social, uma vez que esses subsídios beneficiam sobretudo os mais ricos. O programa visa reforçar os actuais mecanismos de apoio social e implementar um programa de transferências sociais. Estabelece também um nível mínimo de gastos sociais no orçamento para garantir a sua protecção contra possíveis cortes de despesa.

As projecções do FMI para Angola até 2023 apontam para um crescimento médio anual igual ou até inferior ao crescimento da população. O que é necessário mudar nas políticas para que estas projecções não se materializem?
Espera-se que o crescimento económico recupere e estabilize em 3,2% no final do programa, impulsionado por melhorias nas actividades económicas não petrolíferas, como a agricultura e a construção. O Governo está, acertadamente, a orientar os seus esforços para reduzir a dívida, melhorar a governação, promover a flexibilidade cambial e seguir políticas monetárias mais restritivas para controlar a inflação. No entanto, manter o PIB angolano numa tendência superior ao crescimento da população requer um crescimento mais rápido e inclusivo. Para isso, o País tem de enfrentar o desafio de diversificar a sua economia com um sentido renovado de urgência. A experiência dos últimos quatro anos é um alerta para a forma como a volatilidade dos preços do petróleo pode perturbar o progresso económico.

Como diversificar?
A diversificação económica exige a criação das condições certas para que o sector privado lidere o próximo ciclo de crescimento económico. Isto envolverá a redução dos custos de produção no sector não petrolífero, a melhoria do acesso ao financiamento, o reforço do ambiente de negócios e da governação, a facilitação da operação e do investimento das empresas e a capacidade para lidar com os estrangulamentos em termos de infraestruturas e capital humano. Tal ajudará a reduzir a pobreza e a criar os tão necessários empregos para os jovens.

Acredita que a administração do Presidente João Lourenço terá capacidade para o realizar?
O empenho demonstrado até agora, incluindo o acordo EFF, mostra a intenção do Governo de melhorar as vidas de todos os angolanos. Congratulamo-nos também com as iniciativas tomadas até ao momento pelo Presidente João Lourenço nos seus esforços para abordar a corrupção.

DR

"Dependência do petróleo exige abordagem contundente"

Em Novembro de 2009, Angola viu aprovado pelo conselho de administração do FMI um programa de ajuda à balança de pagamentos com a duração de 30 meses. No final, o programa foi considerado um sucesso...
Angola beneficiou da estabilização macroeconómica alcançada entre 2009 e 2012, ao abrigo do Acordo Stand-By apoiado pelo FMI. O País regressou a um caminho de crescimento económico sólido, a uma inflação de um dígito, uma posição das reservas internacionais forte e uma taxa de câmbio estável.

O que é que correu mal para, em pouco menos de uma década, Angola recorrer novamente a um programa com o FMI para tentar resolver mais ou menos os mesmos problemas?
O choque dos preços do petróleo, que se iniciou em meados de 2014, reduziu consideravelmente as receitas orçamentais e as exportações. O crescimento tornou-se negativo, tendo o sector petrolífero sido afectado pela falta de investimento e o sector não petrolífero limitado pela escassez de insumos importados, devido à disponibilidade limitada de moeda estrangeira. A inflação anual acelerou, atingindo 42% em Dezembro de 2016 - a maior taxa em mais de uma década - reflectindo a subida dos preços internos dos combustíveis, um kwanza mais fraco e os efeitos desfasados do abrandamento das condições monetárias. O défice da conta corrente alcançou um máximo de quase 9% do PIB e as reservas internacionais diminuíram acentuadamente, com um grande diferencial entre as taxas de câmbio do mercado paralelo e do mercado primário.

Que lições Angola pode retirar para o futuro? Como evitar que daqui a dez anos o País não tenha de recorrer novamente ao FMI?
Estes desenvolvimentos sublinharam a necessidade de abordar de forma contundente a dependência de Angola do petróleo e de diversificar a sua economia. As actuais reformas nacionais estão correctamente orientadas para a prossecução destes objectivos.

DR

"Sim, estou optimista quanto ao futuro da África Subsaariana"

Os problemas de Angola resultam em grande medida da incapacidade de produzir bens e serviços com um preço e qualidade internacionalmente competitivos, sendo apenas exportados como matérias- primas sem qualquer processamento. Como poderemos quebrar este círculo vicioso?
Angola tem uma oportunidade histórica para atrair mais investimento directo estrangeiro para determinados sectores com um enorme potencial, mas que estão subdesenvolvidos, como a agricultura, as pescas, as minas e o turismo. As políticas das autoridades para melhorar o ambiente de negócios e fomentar a concorrência - dois pontos importantes para os investidores - são fundamentais. A este respeito, a liberalização da taxa de câmbio, que começou no início de 2018 e permitiu uma depreciação significativa do kwanza, é crítica. Assegurar a disponibilidade de moeda estrangeira para os investidores repatriarem lucros permite que Angola recupere a competitividade e dê resposta a uma das principais preocupações dos investidores. Para concretizar o potencial do País, enquanto destino do investimento directo estrangeiro, é igualmente importante resolver os constrangimentos em infra- -estruturas e implementar reformas que diminuam os custos de fazer negócios. Felicitamos os esforços das autoridades para aprovar uma nova Lei da Concorrência e para simplificar mais os regulamentos relativos à realização de negócios.

Melhorar a concorrência requer um enorme investimento em infra-estruturas. Como podemos reconciliar a necessidade de investimento público com a redução da dívida pública para níveis mais sustentáveis?
É realmente apropriado aplicar uma estratégia de aumento do investimento em infra-estruturas para aliviar os principais estrangulamentos ao crescimento. Uma infra-estrutura subdesenvolvida constitui um entrave permanente ao crescimento, impedindo que as empresas se conectem aos mercados locais, regionais e mundiais, e limitando a sua vontade de investir. Contudo, o Governo dispõe de uma quantidade finita de recursos, pelo que se deve centrar em assegurar que os escassos recursos são utilizados da forma mais eficiente, criando condições para o sector privado investir em infra-estruturas.

Os problemas de Angola não são muito diferentes dos enfrentados pela maioria dos países africanos. Esta visita a Angola é parte de um périplo africano. Regressará a Washington com uma visão mais optimista da região?
Sim, estou optimista quanto ao futuro da África Subsaariana. Importa salientar que a África Subsaariana criou nove milhões de empregos por ano nas duas últimas décadas, acompanhando o crescimento de população. Como resultado, a quota da população a viver em pobreza extrema diminuiu de 59% em 1993 para 41% em 2015, um avanço notável. No entanto, serão necessários progressos ainda mais rápidos nos próximos 20 anos, porque se prevê que a força de trabalho da África Subsaariana cresça a uma taxa duas vezes superior à da última década. Será preciso criar 20 milhões de postos de trabalho todos os anos durante esse período para assegurar emprego aos jovens que entram no mercado de trabalho. Na última semana, tive o prazer de interagir com pessoas de trajectórias diversas: decisores políticos, líderes mulheres, representantes empresariais e dos meios de comunicação social, legisladores e membros da sociedade civil no Gana e na África do Sul. Tudo aponta para a existência de uma energia renovada para manter os progressos e implementar as políticas necessárias para possibilitar a forte criação de emprego na África Subsaarianana.

Advogada com pé na Política

DR

Licenciada em Direito, pela Universidade de Paris, e com mestrado em Ciências Políticas, Christine Lagarde cumpre o segundo mandato, de 5 anos, como directora do FMI, tendo sido reconduzida, em Julho de 2016, cinco meses antes de ser declarada culpada por negligência, por um tribunal francês, no âmbito de um processo que julgou actos ocorridos enquanto ministra das Finanças do governo de François Fillon. Lagarde foi acusada de não ter impedido um pagamento maciço do Governo francês ao empresário Bernard Tapie. Embora o juiz tenha concluído que foi negligente, não aplicou nenhuma sentença a Lagarde, que continuou a merecer a confiança do FMI, organização que dirige desde 2011, altura em que cessou funções no governo francês. Antes de chegar ao Governo, foi presidente do escritório de advocacia internacional Baker & McKenzie.


(entrevista publicada na edição 504 do Expansão, de sexta-feira, dia 21 de Dezembro de 2018, disponível em papel ou versão digital com pagamento em Kwanzas. Saiba mais aqui)