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Grande Entrevista

"Vamos ser a guarda avançada alemã do investimento estrangeiro"

ANTÓNIO BERNARDO MANAGING PARTNER DA ROLAND BERGER

Angola pode dar um salto para a fase 4.0 e tornar-se num dos maiores 'hubs' empresariais no continente. Quem o diz é António Bernardo, presidente da consultora alemã Roland Berger para a região da América Latina, Portugal e África de língua portuguesa.

A Roland Berger vai ser uma espécie de guarda avançada alemã em Angola?
É uma boa expressão. Sim, vamos ser uma guarda avançada alemã com o objectivo de poder ajudar em grandes projectos estruturantes no sector público e privado. Não vale a pena vir para Angola ficar só no powerpoint. Há que se ter a capacidade de ir ao detalhe na implementação, ajudando a definir estratégias e organizações com um objectivo de implementar até aos resultados. É assim que os alemães querem. E é isto que viemos fazer.

Os investidores alemães pretendem apostar no País?
Pretendemos ajudar Angola no desenvolvimento da economia numa perspectiva de médio e longo prazo. Acreditamos no País e estamos aqui também para facilitar o investimento internacional, pois achamos que Angola vai necessitar desse investimento. Primeiro o alemão, mas também de outros países.

Mas têm estado activos nos últimos 5 anos em Angola?
Não, não temos. Estivemos no passado mas depois interrompemos. É de facto um regresso.

Estamos a falar então de investimentos já a curto prazo?
Estamos a falar primeiro em vontade de avaliar investimentos a curto e médio prazo. O investimento alemão é estruturante. Não é puramente de deal. É um investimento para criar indústria e infra-estruturas. Vejam as linhas de financiamento que foram definidas pelo banco alemão Commerzbank.

O País vive uma nova fase. Como vê este período?
No curtíssimo prazo poderá ter alguns impactos mais difíceis para a população. No entanto, se conseguir-se ao mesmo tempo atrair investimento, os potenciais impactos negativos podem ser minimizados. Acreditamos que o Governo está apostado no desenvolvimento de um conjunto de projectos que seguramente vão criar emprego.

A mão-de-obra qualificada continua a ser um tema crítico. Qual a solução?
Os alemães têm o modelo de formação dual que se aplicaria muito bem em Angola. Essa formação dual significa que quando os jovens fazem a escolaridade de 9 anos, depois fazem 2 ou 3 anos em que três dias por semana estão numa empresa e dois dias na escola. A empresa paga o subsídio a essas pessoas. Isso revolucionou a Alemanha e formaram-se bons técnicos.

Quais os sectores chave para se investir em Angola?
O sector agrícola e agroalimentar vai ter que ter um grande desenvolvimento. Angola tem vantagens fortíssimas que têm que ser melhor exploradas. Queremos ser esse veículo que aproxima o investimento de grandes operadores nos sectores agroalimentares e agrícolas. Porém, vemos também a necessidade de fortalecer o tecido industrial angolano.

E como se faz esse fortalecimento?
Achamos que há aqui grandes projectos de infra-estruturas aeroportuárias, rodoviárias, ferroviárias e portuárias em que se podem encontrar soluções criativas de financiamento. Não vai haver desenvolvimento sem duas coisas: infra-estruturas e electricidade. Por tanto, queremos ser também nesses sectores um interveniente importante.

Angola deixa de ser de alto risco?
Angola começa a ser vista como um País que quer entrar numa estratégia de desenvolvimento sustentável, e as negociações com o FMI são um modo de reforçar.

A assistência financeira do FMI poderá ajudar?
Pode ajudar. É uma prova de que o Governo angolano está apostado numa estratégia de desenvolvimento rigorosa.

A constante desvalorização do kwanza não o assusta?
Não. A desvalorização vai claramente criar uma maior competitividade dos produtos angolanos e vai obrigar a que se desenvolva um tecido empresarial forte de pequenas e médias empresas.

E qual o tipo de investidores de que Angola precisa?
Investidores industriais que tenham conhecimento das indústrias. Quando digo industriais não quer dizer apenas de manufactura, mas digo industriais porque são também operadores de infra-estruturas.

Que recomendações faz a esses investidores?
Não se pode vir com uma visão de impor um modelo. Os investidores precisam de vir com a ideia de que vão trabalhar com quadros angolanos e com mão-de-obra especializada angolana e para isso vão ter de os preparar e formar.

Como são vistos os índices pelos investidores?
São vistos. Alguns desses índices necessitam de anos para melhorar. O importante é haver maior facilidade para fazer negócios, maior respeito pelas regras reguladores que funcionem de forma independente, combater a corrupção e o branqueamento de capitais.

Temas em destaque na presidência de João Lourenço...
O Presidente da República está a fazer um trabalho fantástico que nunca ninguém tinha feito nos últimos 30 anos. Pela primeira vez, sentimos um interlocutor que é recebido internacionalmente e que tem algo a dizer concretamente, mas só isso não chega.

O que falta?
Abaixo tem que haver um conjunto de medidas para identificar os países mais propensos a investir em Angola e as empresas dos países em questão. Depois, desenvolver um conjunto de roadshows mais técnicos junto de associações empresariais e grandes empresas, para explicar as potenciais vantagens de Angola .

Quais as empresas alemães que deveriam ser abrangidas nessa ronda?
Os alemães têm uma coisa interessante chamada de "mittelstand" que são as pequenas e médias empresas alemãs. Essas companhias alemãs são grandes empresas se pensarmos em Portugal, Espanha ou Itália. Há um conjunto de "mittelstand", com base industrial, de infra-estruturas e de electricidade que deveriam ser contactadas.

Um sector importante para esta nova fase será o bancário. Que analise faz?
O sector bancário tem grandes desafios porque é uma área que tem muitos bancos de pequena dimensão que necessitam de uma estrutura de capitais mais fortes. O próprio Banco Nacional de Angola está a obrigar esse aumento de capitais, mas não serão suficientes.

Porquê?
A nossa previsão é que os accionista vão aumentar capital na maior parte dos casos, mas poderá não ser suficiente visto que 80% dos bancos só detêm 20% do negócio. Isso quer dizer que poderá haver interesses em consolidar o sistema.

O futuro passa por fusões?
O sistema ficaria melhor se houvessem fusões. Há aqui um problema ainda de Non-performing Loans e de crédito malparado. Seria bom ter aqui quatro ou cinco bancos internacionais, porque aumentaria a inovação e a concorrência.

Vai ser preciso inovação...
Sim, vai ser preciso muita inovação que vai permitir maior eficiência e resposta às necessidades de mercado. É importante que se dê esse salto e que se passe para o 4.0. Estima-se haver mais de 2 milhões de pessoas que têm smartphones e não têm conta bancária.

E quais os desafios da área dos seguros?
Nos seguros há um potencial muito grande. O mercado tem que implementar de forma mais actuante os aspectos regulatórios. Por exemplo, o seguro automóvel é obrigatório mas a implementação dessa obrigatoriedade não tem sido realizada.

O sector necessita de maior consolidação das empresas?
É um mercado hoje em que o peso dos prémios de seguros no PIB não chega a 1%. E isso tem de quase duplicar anualmente. Estamos a falar de menos de 780 milhões de USD de prémios. É muito pouco.

A introdução do IVA tem preocupado as seguradoras...
Tem um impacto, mas não é a questão fundamental. O fundamental é a transparência nos balanços e nas contas. Esses são aspectos que nos parecem bem mais relevantes. A implementação de um sistema regulatório eficiente que seja claro nas necessidades de capital.

A privatização de empresas públicas é um tipo de negócio atractivo para as empresas alemães?
Claro. Nós queremos ajudar na vinda de investidores nesse aspecto. É uma excelente estratégia para reduzir o peso do Estado, e o Estado estar concentrado naquilo que é crítico como a educação, a saúde e a segurança.

Foto: Quintiliano dos Santos

"Muitos dos projectos apresentados iriam ficar na gaveta"

Que trabalho faz a Roland Berger?
Somos uma das maiores empresas de consultadoria estratégica mundial, com 50 escritórios em 35 países, 2500 consultores e 220 sócios. E uma coisa muito importante é que somos alemães e isso marcou, por várias razões, uma nova fase de entrada no mercado angolano. Porque a Alemanha tem uma visão estratégica de médio e longo prazo para Angola e acredita sobretudo nesta nova fase de desenvolvimento.

Há quanto tempo não operavam em Angola?
Deixamos de estar aqui porque o nível de informalidade era muito elevado e muitos dos projectos que nos foram apresentados iriam ficar na gaveta. Mantivemos sempre alguns pequenos projectos no sector privado, alguns dos quais internacionalizarem-se. Acreditamos agora que estamos perante uma nova fase de desenvolvimento. Vimos isso quando o Presidente foi à Alemanha.

A mensagem de credibilização passou?
Exactamente. Conseguiu passar. E na Alemanha que é um país muito difícil que não acredita à primeira. Estive muito envolvido nessa interface com Angola. Muitos clientes nossos alemães perguntaram se valia a pena repensar e se era uma nova fase de desenvolvimento.

O que destacou?
Destaquei que acreditava que era realmente uma nova fase. Uma fase de maior rigor e de maior foco no desenvolvimento e na diversificação da economia. E, seguramente, numa nova fase de compliance e de atacar factores de corrupção. Achamos que existe hoje maior vontade de atacar esse problema e de ter um planeamento racional a médio e longo prazo. Foi isso que falei com grandes multinacionais alemãs de sectores como o financeiro, da energia e da indústria. Passei essas mensagens antes da visita, tendo os nossos clientes terminado por mostrar disponibilidade para investir em Angola.

DR

ANTÓNIO BERNARDO
Sócio sénior e chefe regional da Roland Berger para a região da América Latina, Portugal, Moçambique e Angola, António Bernardo ingressou na consultora alemã há mais de 20 anos. Especialista em estratégia corporativa, fusões e aquisições foi presidente da Câmara do Comércio e Indústria Portugal-Alemanha durante três anos, de 2003 a 2006, tornando-se em 2013 membro do Conselho de Supervisão do Comité Executivo Global. A empresa planeia ter uma presença permanente em Angola, onde o consultor defende que "o desenvolvimento económico deve dar origem a uma melhoria das condições de vida dos angolanos." António Bernardo é mestre em Engenharia e Administração de Empresas e professor visitante na Universidade de Lisboa.


(Entrevista publicada na edição 505 do Expansão, de sexta-feira, dia 4 de Janeiro de 2019, disponível em papel ou versão digital com pagamento em Kwanzas. Saiba mais aqui)