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"Sempre que vendo um quadro é como se deixasse levar parte de mim"

Entrevista a Jeremias Daniel

Jeremias Daniel é um dos quatro artistas plásticos que resolveram comemorar os 443 anos da cidade com a exposição "Traços de Luanda", onde revelam em telas 15 edifícios emblemáticos da capital. A exposição estará patente até 9 de Fevereiro na Baía de Luanda.

Como e quando sentiu a necessidade de se expressar como artista plástico?
Com aproximadamente sete anos. Mais propriamente por diversão do que por necessidade. Mas, mais tarde, a arte passou a ser mais do que simplesmente desenhar. Havia de facto uma necessidade profunda em expressar-me através da arte para que quem visse pudesse não só ficar deslumbrado com a imagem, mas também captar alguma mensagem significante nela.

Como olha para o estado da Cultura nacional?
Diria que está em decadência. Numa sociedade onde a maioria venera a cultura e história de outros países mais do que a do seu próprio País, é motivo suficiente para afirmar que a sociedade angolana tem sido "europeizada" e "americanizada" ao invés de "angolanizada" ou mesmo "africanizada". Isto obviamente deve-se a programas televisivos e não só, mais propriamente os media, que têm dado pouco incentivo ao conhecimento da cultura nacional. Não precisamos limitar nossa angolanidade, devemos sim expandir nossa africanidade.

Quais são as suas referências?
A nível nacional, tenho como referência o artista Paulo Kussy, João Jorge, José João Dos Santos e vários outros. A nível internacional, aprecio bastante as obras do artista escocês Paul Cadden. Sou amante da arte do hiper-realismo e as minhas obras são caracterizadas por estilo realista e considero este artista como um dos mestres da arte hiper-realista.

O que seria prioritário para divulgar mais a arte em Angola? Falta um sistema para proteger os artistas?
Não diria um sistema de protecção e sim um sistema direccionado à valorização dos artistas. Isto é o ponto-chave. Se os artistas plásticos angolanos passarem a ser valorizados, o resto acontecerá naturalmente sem esforço, os artistas passarão a ter mais espaço para a divulgação dos seus trabalhos. Haverá de facto mais valorização e, com isso, teremos vários artistas a viver da arte sem dificuldades ou pelo menos com dificuldades bastante reduzidas em relação ao que se tem visto actualmente.

Acha que a pintura é uma área fácil de se ser bem-sucedido no País?
Certamente que não! São poucos os artistas que podem afirmar que vivem somente da arte e isto obviamente deve-se ao facto de o País não ter condições suficientes do ponto de vista de educação cultural para que os artistas sejam bem-sucedidos nesta área, e esta análise não se limita apenas à pintura. A toda a arte dentro das artes plásticas não é dado o seu devido valor. É muito triste esta realidade, uma vez que temos muitos artistas talentosos que podem alavancar a cultura nacional no mundo da arte.

Sente que perde um pouco de si de cada vez que vende um quadro?
Sim! Há uma ligação intrínseca e muito especial entre o artista e sua obra de arte. Quando um artista deposita a sua máxima energia mental, paixão e dedicação na obra, o quadro passa decerto a ter um valor, porém, não um preço propriamente dito. Qualquer preço que torna a obra disponível para venda será meramente simbólico para o artista porque a paixão e a conexão do artista com a obra é maior. Toda a vez que me dedico a uma obra de arte, parte de mim fica nesta obra. Então, sempre que vendo um quadro, é como se deixasse alguém levar parte de mim com ele. Isto sem dúvidas é muito pesado para mim enquanto artista e autor da obra.

De que cor seria um tela que retrata a actual situação económica de Angola?
Penso que o verde ficaria bem, pois simboliza esperança e é esta cor que está pintada nos corações angolanos, a crença de que a situação económica do País irá melhorar e que poderemos voltar aos nossos tempos de glória. Mas obviamente para que este desejo se materialize é necessário que todos coloquem a "mão na massa". O País vive tempos críticos, principalmente para a população de baixa renda onde tem sido constante a luta pela sobrevivência. Acreditamos que não há nada que não possamos ultrapassar juntos... unidos por uma causa.

Como é ser um artista plástico em tempo de crise?
É muito difícil, uma vez que a luta dos artistas tem sido ainda a sensibilização pela valorização da arte nacional, e a crise vem de certa forma dificultar a carreira dos artistas que para já não tem sido fácil. Mas, apesar das tamanhas dificuldades tem sido possível gerir as actividades artísticas.


Auto-valorização dos artistas para alavancar o mercado

Zola Jeremias Daniel nasceu a 2 de Outubro de 1993, em Luanda. O artista plástico é também estudante do 4.° ano do curso de arquitectura da Universidade Agostinho Neto. Conforme o jovem, entre os 15 edifícios expostos em telas destacam-se o Banco Nacional de Angola (BNA), Banco de Poupança e Crédito (BPC), Mabílio Albuquerque.

São considerados também como edifícios emblemáticos a Igreja de Nossa Senhora dos Remédios, Igreja do Carmo, Igreja Metodista Unida Central de Luanda, Igreja Sagrada Família, bem como o Governo Provincial de Luanda e o Palácio Dona Ana Joaquina.

O artista que também trabalhou como director artístico da exposição "Traços de Luanda" que fica patente até 9 de Fevereiro, na Baía de Luanda, defende que "como artistas angolanos, temos de aprender a nos auto-valorizar, isto sem dúvidas servirá de alavanca para que o mercado angolano valorize mais os artistas", disse.

(artigo publicado na edição 510 do Expansão, de sexta-feira, dia 8 de Fevereiro de 2019, disponível em papel ou versão digital com pagamento em Kwanzas. Saiba mais aqui)