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Grande Entrevista

"As empresas petrolíferas devem poder escolher a sua seguradora"

Grande Entrevista a CARLOS DUARTE, PRESIDENTE EXECUTIVO DA NOSSA SEGUROS

Em entrevista por e-mail, Carlos Duarte reconhece que a transferência da liderança do co-seguro petrolífero para a ENSA trouxe maior transparência e poupança de recursos cambiais, mas pede mais: "o mercado deve funcionar".

As sete maiores seguradoras que valem mais de 80% do mercado cresceram 26% em 2018, o primeiro crescimento em termos reais em três anos. A taxa de sinistralidade também baixou. O pior já passou?
Os últimos dados estatísticos dos prémios de seguro reportam a Novembro de 2018 e, efectivamente, apresentam um crescimento acima da inflação, o que não deixam de ser boas notícias. O mercado segurador acompanha a dinâmica empresarial e é necessário alguma criatividade, sobretudo nestes momentos. A NOSSA acabou por conseguir transformar os desafios em oportunidades e crescer em 2018. Mantenho alguma reserva quanto a 2019, mas também estou optimista, pois os sinais indicam que o ciclo económico irá inverter em breve.

Apesar do crescimento do sector, os prémios de seguros em Angola continuam abaixo de 1% do PIB, contra 3% em África. Porquê uma tão baixa taxa de penetração?
Há uma correlação directa entre o desenvolvimento das nações e a penetração dos seguros, sobretudo dos seguros de vida e poupança. Esta actividade é geradora de elevados recursos financeiros contribuindo, assim, para a poupança nacional. Esses recursos são "reciclados" pelo sistema financeiro, através do crédito e animando os mercados de capitais. Penso que ainda há um longo caminho a percorrer. Nesta fase, é fundamental que os poderes públicos percebam a importância e o contributo da actividade seguradora no desenvolvimento do País. Angola tem uma cultura de seguros muito fraca, pois é uma actividade relativamente recente, com poucos seguros mandatórios e uma fiscalização ineficaz. Por outro lado, é interessante notar que os seguros de vida têm uma penetração muito marginal. Temos de encontrar formas de alterar este quadro. Apenas recentemente os bancos começaram a exigir o seguro de vida no crédito pessoal.

O Relatório & Contas da NOSSA diz que são fundamentais para o crescimento do mercado o estrito cumprimento das regras da concorrência, das reservas técnicas do ponto de vista da suficiência e da cobertura financeira, bem como as relativas à solvência. Há seguradoras a actuar à margem das regras do sector?
Remeto a questão ao regulador, pois não tenho dados que me permitam uma afirmação tão categórica. No entanto, esse é o caminho que escolhemos e não nos afastamos um milímetro. A nossa actividade é latente, a economia empresarial está fragilizada, e o mercado segurador não tem a escala necessária para estarem numa zona de conforto. Ora, neste contexto, para nós é fundamental o cumprimento escrupuloso das normas e das boas práticas do sector, de modo a conferirmos um clima de confiança na relação com os segurados.

Analistas consideram que há mesmo companhias em riscos de fechar. Concorda?
Mais uma vez, essa questão deve ser remetida à ARSEG. Não conheço as contas de todas as seguradoras. Aliás, posso dizer que esse é um dos problemas fundamentais do sector - o disclosure da informação financeira. São muito poucas as seguradoras que publicam os relatórios de contas nos seus websites e receio que algumas não cumpram os rácios prudenciais de solvência. A ser verdade, é uma situação muito grave e o regulador tem de actuar sem contemplações.

A realidade é que não só não têm fechado seguradoras, como têm aparecido novas companhias, algumas pertencentes a bancos. É a chegada da banque assurance?
O modelo de distribuição no canal banque assurrance não implica necessariamente o controlo societário pelos bancos. Já temos bancos com acordos de distribuição, o que é manifestamente positivo, pois permite uma maior penetração dos seguros na economia. Alguns bancos possuem as suas seguradoras, como é o nosso caso. Isto compreende-se porque a liberalização do sector segurador começou mais tarde que a banca. E penso que esta relação societária banca-seguros é francamente muito produtiva, pois consolidamos as contas e estamos sujeitos subsidiariamente a um escrutínio regulatório mais exigente, do BNA. Por outro lado, pertencer a um grupo reconhecido pelo grupo financeiro mais sólido de Angola confere maior responsabilidade e confiança que o mercado tanto precisa neste momento.

A divulgação de contas auditadas seria uma forma de o mercado conhecer a saúde das companhias. Contudo, a maioria das companhias não o faz, ao contrário da NOSSA que este ano foi novamente a primeira empresa angolana a divulgar, em conferência de imprensa, o R&C...
Não posso falar dos meus concorrentes. A NOSSA aprova, em assembleia de accionistas, as suas contas auditadas escrupulosamente no final do mês de Março, nos últimos oito anos. Imediatamente a seguir o Relatório & Contas e o relatório do auditor são tornados públicos. Somos auditados duas vezes por ano, por empresas independentes e internacionais de auditoria, somos escrutinados por uma empresa internacional de rating e as nossas provisões técnicas são validadas semestralmente por um actuário independente. Não temos reservas de auditoria há já alguns anos. Foi o caminho que escolhemos. Acreditamos que a confiança constrói-se com transparência e o mercado acaba por premiar isso mesmo. A título de exemplo, a AIG - uma seguradora americana no ranking das maiores do mundo fez um estudo do mercado angolano e seleccionou a NOSSA como parceiro exclusivo para servir os seus clientes multinacionais em Angola.

Nos últimos anos foi anunciada uma série de iniciativas que também poderiam alavancar o crescimento do sector, como é o caso da obrigatoriedade de fazer o seguro de importação de mercadorias em Angola. Como está este processo?
Há um projecto de diploma legal que foi amplamente debatido com a ARSEG e a ASAN, a associação das seguradoras. É um debate com várias anos, mas até ao momento não foi aprovado pelo legislador. Não se compreende este atraso, tanto mais que a economia está a ser muita penalizada visto que estes seguros continuam a ser contratados no exterior do País. Pouparíamos muitos recursos cambiais se o seguro fosse obrigatório em Angola.

A prometida reestruturação dos seguros das actividades petrolíferas feitos obrigatoriamente em regime de co-seguro também ainda não viu a luz do dia...
Houve uma alteração legislativa há uns anos, na qual a liderança do co-seguro foi transferida para a seguradora estatal que, por sinal, deve-se reconhecer, trouxe maior transparência ao processo e poupança de recursos cambiais. Porém, não é suficiente, pois ainda não foi aprovada a nova Lei. O projecto de Lei a que tivemos acesso, consagra o mesmo regime de condicionamento em co-seguro, que está longe de ser consensual. Não encontro razão económica nenhuma que justifique tal condicionamento. O mercado deve funcionar e as empresas petrolíferas devem ter a capacidade de escolha da sua seguradora, dos seus brokers e das garantias de resseguros que pretendem. Já temos várias seguradoras com competências técnicas e solidez financeira para lidar tranquilamente com esta natureza de riscos. O espírito deste projecto de Lei encerra uma concepção condicionadora do normal desenvolvimento do mercado segurador e vem em contra-ciclo às transformações políticas e económicas que o País vai conhecendo. Neste registo, acrescentaria também o regime de co-seguro a que está sujeito o sector mineiro e o da aviação civil.

Outra forma de reforçar o sector e limitar a saída de divisas é a criação de uma resseguradora nacional. Qual o ponto de situação da Ango Re?
A ARSEG tem conduzido o processo e penso que estará em melhor condição para dar uma resposta adequada. Do nosso lado, fomos recentemente consultados para participar na iniciativa. Damos nota muito positiva à iniciativa, pois o desenvolvimento do mercado nacional de resseguro irá incrementar a capacidade local de retenção de risco e, consequentemente, maior poupança de recursos cambiais. Apenas uma reserva em relação a este assunto. A ANGOLA Re não pode ter um carácter exclusivo, do qual resulte um veículo de cariz monopolista. Acreditamos na ANGO Re, mas num contexto competitivo, num mercado aberto e concorrencial, e assim desenvolvendo o mercado nacional de resseguro, atraindo as grandes casas de resseguro internacional, gerando emprego e riqueza em Angola.

Há quatro anos em entrevista ao Expansão elegeu as cambiais como um dos principais problemas do sector. O problema está ultrapassado?
Admito que algumas seguradoras possam ainda ter algumas dificuldades com atrasados, mas por não terem liquidez em moeda nacional, não por falta de divisas. A percepção generalizada alterou-se profundamente no sentido positivo. No caso particular da NOSSA, temos todas as operações em dia.

Vem aí o IVA. Apesar dos protestos do sector, os seguros não foram isentos. Houve mesmo quem vaticinasse a morte do sector caso o IVA fosse aplicado. Quais serão verdadeiramente as consequências para o sector?
Não corroboro totalmente com essa opinião. O IVA permitirá ao Estado equilibrar as finanças públicas e beneficiarão todos os agentes económicos a prazo. Cada país adoptou visões diferentes. Em Angola entendeu- se isentar apenas os seguros do ramo vida. Está em curso um debate muito intenso com os parceiros sociais, incluindo a AGT, de modo a clarificar algumas "pontas soltas". Parece-me que o desafio está ao nível operacional. Garantidamente, as seguradoras, de uma maneira geral, não estarão em condições de ajustar os sistemas informáticos até ao início do 2.º semestre, pois dependem de terceiros para parametrizar os seus sistemas.

Foto: Quintiliano dos Santos

"Teria muitas reservas" em privatizar a ENSA como é actualmente

Fala-se da privatização da ENSA e de fusões no mercado segurador. Qual o posicionamento da NOSSA?
Desconheço se há uma decisão oficial e definitiva sobre o assunto. De qualquer modo, não me parece que possa ser privatizada a favor de qualquer uma das maiores, pois uma fusão destas criaria uma entidade com mais de 50% de quota de mercado, distorcendo o normal funcionamento do mercado, à luz da Lei da Concorrência. Restaria, então, a entrada de um investidor externo.

Seria bom vender a ENSA a um estrangeiro?
Sempre defendi como princípio que o sector financeiro não deve estar excessivamente exposto a investidores estrangeiros ou com o centro de decisão fora de Angola, na medida em que encerram riscos adicionais que não controlamos. Neste contexto, entendo ser fundamental a existência de uma seguradora do Estado sólida.

Então a ENSA não deve ser privatizada?
Defendo uma seguradora do Estado com um modelo de negócio adequado aos novos tempos, isto é, expurgada dos ramos do negócio tradicionais Não Vida (patrimoniais, automóvel, acidentes de trabalho, aviação...) e concentrando- se naqueles ramos com um cariz eminentemente social, como, por exemplo, o seguro de saúde, ou de promoção facilitação de políticas de Estado, como o seguro agrícola ou de vida. O Plano de Desenvolvimento Nacional tem prioridades relacionadas com a promoção das indústrias exportadoras. A seguradora do Estado teria esse papel fundamental para a promoção do seguro de crédito e à exportação.

Há países onde isso foi feito que podem servir de exemplo?
Temos muitos exemplos pelo mundo, o IRB no Brasil, o ECIC na África do Sul e o US Eximbank nos EUA. E quando a economia atinge um maior grau de maturidade, aí sim, privatiza-se parcialmente. Em conclusão, no actual contexto, teria muitas reservas numa privatização da seguradora de bandeira com o modelo de negócio que apresenta actualmente.

 Quintiliano dos Santos

Da Banca aos Seguros

Formado em Relações Internacionais e Pós-Graduado em Marketing e Negócios Internacionais pelo INDEG/ISCT, a carreira de Carlos Duarte começou no Departamento de Consultoria da Coopers & Lybrand em 1995, tendo sido posteriormente transferido para a KPMG Angola. Ingressou no Banco BAI, em 2001, onde desempenhou funções de director de Banca Corporativa.

Em 2005, foi nomeado administrador do Standard Bank Angola, encarregue de abrir um escritório de representação e liderar o processo de negociação com o Governo angolano e investidores locais, a fim de obter a licença bancária. Em 2009, regressa ao BAI, como administrador não executivo. Desde 2010, é administrador executivo da NOSSA Seguros, hoje presidente da comissão executiva, tendo liderado o processo de compra de acções

(entrevista publicada na edição 517 do Expansão, de sexta-feira, dia 29 de Março de 2019, disponível em papel ou versão digital com pagamento em Kwanzas. Saiba mais aqui)