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Grande Entrevista

"Iremos ver maior presença alemã nos próximos tempos"

PHILIPP ACKERMANN, MINISTÉRIO ALEMÃO DAS RELAÇÕES EXTERNAS

As empresas alemãs olham com crescente interesse para Angola, mas a verdadeira aposta germânica só acontecerá quando as PME decidirem investir no País. Para facilitar o processo, está na calha a criação de uma câmara de comércio, revela ao Expansão Phlipp Ackermann, Director-Geral dos Assuntos Políticos para África, América Latina, Próximo e Médio Oriente, do Ministério Federal das Relações Externas da Alemanha.

Qual é o objectivo desta sua primeira visita a Angola?
Angola passou por um programa de reforma e desenvolvimento muito interessante, que é seguido com atenção por muitas partes da Europa, incluindo pela Alemanha. Depois dos últimos dois anos, o mundo olha de forma mais entusiasmada para Angola e a visita do Presidente Lourenço, em Agosto, deixou muito claro que existem muitas oportunidades para todo o tipo de relações diplomáticas, culturais, económicas. Estamos muito curiosos e extremamente interessados, e também cheios de respeito e admiração, pelo que está a acontecer em Luanda. Nesse sentido, o propósito da visita é iniciar uma troca de contactos mais regular entre agentes políticos e da administração, de modo a estarmos mais envolvidos nas relações bilaterais e também no âmbito da relação UE-Angola.

Já há resultados concretos?
Esperamos ter encontros a nível de secretarias de Estado na segunda metade do ano, em Berlim, e irei reunir com o secretário de Estado e com o ministro dos Negócios Estrangeiros para acertar as datas. Também já está agendada a visita do presidente da câmara alta do Parlamento alemão, no Verão, a Luanda, e temos outros políticos a avaliar a melhor altura para visitarem o País, nos próximos meses. Ou seja, iremos ver maior presença alemã nos próximos tempos. Teremos também a Comissão Bilateral a reunir em Berlim, também na segunda metade do ano, em data a acertar.

A agenda inclui reuniões com vários governantes. Que balanço faz desses encontros?
Reuni com o ministro dos Recursos Minerais e Petróleo, Diamantino Azevedo, e com o ministro da Administração do Território, Adão Almeida, um encontro muito interessante para nós, porque somos um país muito descentralizado e temos interesse em conhecer os objectivos do Governo. E acabei de vir de um encontro com o ministro João Borges, que tem as pastas da Energia e Águas, e mais tarde irei estar com outros governantes.

A Alemanha está particularmente interessada no sector dos recursos minerais e petróleo?
No petróleo não tanto, mas sim na água e outros recursos naturais. Penso que o nosso foco deve ser nas energias renováveis. Como sabem, a Alemanha está envolvida em tudo o que tenha a ver com energia hidroeléctrica em Angola, que está de certa forma na vanguarda no que diz respeito às energias renováveis e à electrificação do País. Tive um encontro muito interessante com o ministro Borges sobre como fazer chegar a electricidade e água a áreas remotas, e discutimos de que forma a Alemanha poderá ajudar o Governo. No fim-de-semana, pude ir ao Cuanza Sul e vemos que há uma diferença enorme entre Luanda e as áreas rurais, um grande gap que terá de ser esbatido. E penso que faz todo o sentido o que me disseram os ministros Almeida e Borges, que têm planos e ideias claras para o que querem e de que forma o vão conseguir.

E já há empresas alemãs empenhadas nessas áreas?
Sim, há algumas empresas alemãs e austro-alemãs, e também temos experiência na supervisão/fiscalização de infraestruturas, com empresas de consultoria na área da engenharia, e já cá temos um par de empresas a trabalhar. Outra área é a saúde? Sim, indo ao encontro dos planos do Governo em estender a assistência na saúde. Angola é um país de rendimento médio-baixo actualmente, ou seja, é um potencial parceiro de negócios e muitos parceiros na Alemanha têm interesse em estabelecer laços com a economia angolana. Mas é, sobretudo, uma questão dos privados, não é o Governo que está directamente envolvido.

Esse interesse já deu lugar a negócios concretos?
O negócio das turbinas teve um incremento com a visita e há um memorando de entendimento interessante com a agência governamental de mapeamento geográfico [o Instituto Federal de Geociências e Recursos Naturais], assinado depois da visita do Presidente João Lourenço, que passa pelo mapeamento dos recursos naturais do País, num projecto desenvolvido com o Ministério dos Recursos Minerais e Petróleo. Não só recursos hídricos, mas também diamantes e outros.

Um dos problemas para os investidores é a escassez de mão de obra qualificada. Poderão as empresas alemãs ajudar nessa lacuna através da implementação do sistema dual existente no país?
Sim, penso que já vemos isso com a Lufthansa, que já emprega algumas centenas de angolanos, e já está a tentar implementar um sistema de formação profissional de modo a habilitar o seu pessoal local, em que o tempo de trabalho inclui formação profissional, de modo a melhorar a sua preparação. É um bom exemplo que outros poderão seguir. Até agora, os investimentos alemães não empregam angolanos em números significativos, são mais negócios de compra e venda, mas podemos imaginar que esse será um dos factores diferenciadores do investimento alemão. Mas deixe-me dizer, e essa será uma das mensagens que levarei no regresso à Alemanha, devemos pensar nas formas de promover e impulsionar o envio de angolanos para aprofundarem os seus estudos na Alemanha, incluindo em formação técnica ou outra formação especializada. É muito interessante para nós constatar que muitos dos governantes estudaram na Alemanha de Leste e têm boas memórias dessa época (nós nem por isso). Esse intercâmbio a nível da formação técnica perdeu-se um pouco e gostaria de recuperar esta tradição de ter angolanos a estudar nas universidades da Alemanha.

O Governo angolano manifestou interesse nisso?
Sim, muito interesse. O ministro Diamantino disse que enviaria já 50 pessoas e que o Estado angolano pagaria as despesas. Embora o ensino na Alemanha seja gratuito, há sempre o custo de vida. Mas ele disse que tinha verbas e, por isso, estamos a pensar como concretizar a medida. Há sempre o problema da língua, que terão de aprender, mas é possível, porque os actuais ministros já o fizeram no passado.

O mercado angolano é interessante não só para as grandes empresas, mas também para as "mittelstand" ou Pequenas e Médias Empresas alemãs?
Sim, é. Aliás, as empresas de consultoria, ou da área da saúde, que referi são basicamente "mittelstand", termo que na Alemanha é muito abrangente, e inclui empresas com alguma dimensão. No momento em que esse tipo de empresas se interessar [por Angola] é bom sinal, porque significa que têm realmente confiança no rumo do País.

Ainda olham para Angola como um País de risco?
Devemos ser honestos. Há risco não por causa da situação política, que ninguém avalia como sendo de risco, o problema é a falta de divisas e de saber quando são feitos determinados pagamentos... É esse o risco, não o risco político, que penso estar ultrapassado.

Essas empresas procuram-no para saber mais sobre o País?
Sim, mas o ideal seria poderem dirigir-se a uma câmara de comércio, que é algo mais especializado e com melhor informação sobre o que se passa. Por isso, a minha visão é a de que devemos ter uma espécie de câmara de comércio, ou de associação de empresas alemãs em Angola. Veremos qual o figurino, mas o objectivo é ter uma espécie de bolsa de informação para a qual a embaixada possa direccionar os empresários interessados. Sobretudo porque Angola não aparece tanto quanto devia nos radares dos empresários alemães, por razões que todos compreendemos, relacionadas com o passado do País e com a língua, um factor que inibe um pouco as "mittelstand".

Diz que o investimento em Angola passa sobretudo pela iniciativa privada, mas o Governo também tem um papel através das linhas de crédito?
Sim, temos uma linha de crédito importante através da Hermes, mas isso também depende de que o Governo de Angola faça a sua parte. A linha da Hermes é muito boa, barata e tem cerca de 500 milhões USD disponíveis.

Que outro papel pode ter o Governo alemão?
Como já disse, Angola é um país de médio-baixo rendimento e já não podemos depender dos clássicos projectos de desenvolvimento de infraestruturas, que se destinam a países mais pobres. Podemos dar apoio técnico através de agências federais.

Sem apoio directo?
Aqui já não nos envolvemos em projectos de desenvolvimento em infraestruturas porque é um País demasiado rico. A forma de apoio terá de ser através da linha de crédito que referi, que pode apoiar infraestruturas, como já acontece no fornecimento de turbinas hidroeléctricas, por exemplo. Uma das áreas poderá ser o apoio à electrificação do País de forma descentralizada, de modo a fazer chegar água e energia às zonas fora das cidades.

Através de projectos de menor escala...
Exacto, através de projectos de energia solar, ou de turbinas isoladas que abastecem pequenas povoações. O ministro Borges disse-me que estão a pensar criar uma agência que se dedique a estudar soluções que permitam a electrificação descentralizada. Esse é um passo inteligente e nós estamos interessados em avaliar de que forma podemos contribuir tecnicamente, caso essa ideia avance.

Foto: Lidia Onde

"É muito corajoso o Governo ter optado pela via" do FMI

O que espera a Alemanha da intervenção do FMI?
É mais um aspecto interessante, o facto de o FMI estar cá a desenvolver um dos maiores programas de assistência em África, e isso vem com condições. Lidar com o FMI não é fácil, é algo que obriga a cumprir certos critérios para ter acesso ao crédito e penso que é muito corajoso da parte do Governo ter optado por essa via. Estão a demonstrar vontade e capacidade de decisão de seguir as instruções do FMI.

O resultado da primeira avaliação deverá ser conhecido em breve.
Sim, e sei que há uma discussão em torno da dívida pública, nomeadamente da necessidade de impor cortes ao endividamento. Sinto que o Governo tem confiança suficiente para o fazer e creio que isso é um bom sinal. Na Alemanha não encaramos a intervenção do FMI em Angola como um problema, dado que é uma instituição financeira muito boa. Sei que muitos países encaram o FMI de forma muito mais crítica, mas o Governo angolano optou por esta via, assim como o governo egípcio e outros países africanos, e isto tem um significado importante, porque não é fácil seguir os ditames do FMI. E se o Governo angolano decidiu fazê-lo, isso é um bom sinal.

Talvez porque muitos esperem que a receita aplicada em Angola não resulte na austeridade verificada noutros países?
Sim, há essa esperança. Até o FMI está a aprender com os seus próprios erros... Oxalá [risos].

Uma das medidas que o Governo terá de tomar é a privatização de empresas públicas. Isso desperta algum interesse às empresas alemãs?
Para ser sincero, ainda não ouvi nomes concretos e não lhe sei dizer se já há algum tipo de interesse das empresas alemãs. Mas poderá haver depois de se conhecerem pormenores. Uma coisa em que estamos a reflectir é na nossa estrutura de negócios em Angola, temos uma pequena delegação de uma câmara de comércio, mas devemos talvez pensar em novas formas de juntar as empresas alemãs, sobretudo para lhes transmitir a informação, que é o que precisam. E é isso que estamos a avaliar como melhorar.

Lídia Onde

Diplomata de carreira

No serviço diplomático há cerca de 26 anos, o embaixador Philipp Ackermann, de 54 anos, ocupa há um ano o cargo de Director-Geral dos Assuntos Políticos para África, América Latina, Próximo e Médio Oriente, do Ministério Federal das Relações Externas da Alemanha.

Na última década chefiou o departamento político da embaixada alemã em Nova Deli, na Índia, e foi director do grupo de trabalho para o Afeganistão e o Paquistão, países onde também assumiu funções de representante especial adjunto do Governo alemão.

Esteve também em Washington, nos Estados Unidos da América, como ministro e chefe de missão adjunto na embaixada alemã, e, recentemente, desempenhou funções de director regional para o Próximo e Médio Oriente, e o Magrebe, no Ministério Federal das Relações Externas.


*com Isabel Costa Bordalo