Saltar para conteúdo da página

Logo Jornal EXPANSÃO

EXPANSÃO - Página Inicial

Grande Entrevista

Podemos ser auto-suficientes em combustíveis a partir de Condensados

Grande Entrevista a JOSÉ OLIVEIRA, INVESTIGADOR NA ÁREA DE ENERGIA

José Oliveira, especialista em energia defende que há hoje alternativas mais eficazes e económicas às tradicionais refinarias que o País pretende construir. Com subprodutos do gás e gastando 1 500 milhões USD, admite, é possível produzir em Angola a quantidade de combustíveis que o País consome a preços de mercado.

Olhando para o sector do petróleo verificamos que houve uma transformação quase total. Quais as principais alterações que destaca?
Concordo que estamos em face de uma grande transformação. Destaco em primeiro lugar a criação da Agência Nacional do Petróleo e Gás, que está em fase de implementação para exercer a função de concessionária que esteve na Sonangol desde 1978. O segundo destaque vai para a reestruturação da Sonangol que deve permitir em dois anos termos uma companhia nacional de petróleos mais eficiente, sob todos os aspectos, sejam eles financeiros, comerciais ou tecnológicos - nomeadamente na pesquisa, operação de produção e refinação - e focada apenas na actividade petrolífera onde tem um vasto campo para aumentar o seu volume de negócios, depois de aliviada de toda uma série de actividades que nada têm a ver com hidrocarbonetos. Por último, uma alteração importante foi a criação das condições e dos termos fiscais para a pesquisa e produção de gás cuja falta há muito se fazia sentir no país.

Algumas das mudanças vão ao encontro das pretensões das petrolíferas que operam no país. Tinham razão?
As companhias tinham razão em várias questões, algumas das quais já vinham a ser equacionadas anteriormente, tais como melhores condições económicas e fiscais para desenvolver descobertas marginais e/ou para pesquisar à volta de campos já descobertos, mas que ficaram bloqueadas durante a anterior Administração da Sonangol em 2016/17 e só foram legisladas em 2018. O enorme atraso e as imposições da Concessionária nas aprovações dos contractos de serviços era outra questão que afectava as operadoras. Aliás, foi nesta ultima questão que as operadoras tiveram pleno ganho de causa com a isenção de aprovação prévia dos contractos de serviços inferiores a 5 milhões USD e a definição de prazos para a Concessionária aprovar ou recusar os contractos de valor superior. Em contrapartida, outros aspectos levantados por algumas companhias, como dificuldades para amortização dos investimentos e/ou falta de fundos para abandono dos campos, não foram contemplados porque, como me afirmou na altura um antigo director de uma grande petrolífera, "Angola não tem que pagar as asneiras das companhias de petróleo quando não calculam bem as reservas e/ou dimensionam mal as instalações dos campos que põem em produção".

O Presidente Executivo da ENI admitiu que as reformas lançadas em Angola "melhoram drasticamente" a situação no País...
Usando gíria futebolística eu diria que " a bola está agora do lado das companhias" e tenho ouvido outras afirmações de directores de companhias que vão no mesmo sentido. O que há para melhorar agora é a capacidade de actuação da função concessionária que estava muito desvirtuada e incompleta nos últimos anos. A chave para a melhoria da nossa indústria petrolífera está com a Agência. Será a sua capacidade de actuação nos próximos anos que vai permitir melhores dias para a indústria e para as companhias que já estão ou venham para Angola.

Em que deve incidir apostar a agência?
Tem de haver uma estratégia para cativar novas companhias de petróleo, nomeadamente as chamadas "independentes", algumas de grande dimensão e outras de menor capacidade financeira, mas com boa técnica de pesquisa, para os nossos blocos offshore. Para o onshore temos de trazer pequenas companhias, com experiência de operação, para trabalhar ao lado das angolanas se queremos desenvolver a indústria em terra, desde o Soyo ao Namibe, passando pelo Cuanza. Outro aspecto que precisa de melhorar e que vai depender muito da capacidade técnica de actuação da Agência é o aumento da taxa de recuperação do petróleo descoberto que anda à volta dos 30% e é muito baixa. Com o volume de petróleo descoberto que anda hoje, descontando a produção acumulada, próximo dos 50 mil milhões de barris, o aumento de cada ponto percentual na taxa de recuperação aumenta as reservas em 500 milhões de barris.

A nova Estratégia Geral de Atribuição de Concessões Petrolíferas para o período 2019/25 prevê a licitação de 55 blocos nos próximos 7 anos. Este plano confere mais transparência ao processo?
A transparência depende da abertura pública das propostas, da forma como as analisarem e aprovarem as composições dos grupos de empresas nos blocos para os quais concorreram, respeitando os Termos de Referencia do Concurso. A Sonangol, em 2016, fez um Concurso Internacional que decorreu com elevado nível de transparência, portanto não há que inventar.

Mas contrasta com a forma como se procedia anteriormente...
Contrasta com a nossa prática anterior porque Angola nunca teve regularidade nos concursos internacionais para entrega dos blocos, o que era negativo. Dito isto, nunca vi, ao longo da minha experiência nos petróleos, nenhum país que anunciasse com tanta antecedência quais os blocos que ia levar a concurso e em que ano, ainda mais quando há uma enorme listagem com a maioria no offshore em águas profundas. Acrescente-se que, como é previsível haver instabilidade de preços enquanto durar o crescimento da produção dos Estados Unidos, e o barril das águas profundas ser o "barril marginal", a estratégia aprovada pode ficar muito afectada e ter de ser alterada para não se ter um fiasco nalgum dos concursos.

A produção diária em Angola tem vindo a cair nos últimos anos. Como ultrapassar essa diminuição?
A queda de produção é natural porque não temos muitas reservas para desenvolver e tivemos um largo período sem pesquisa, entre outros, devido à queda de preços em 2014. Não há forma de ultrapassar a redução da produção se não houver descobertas de grandes campos. O que há, a médio prazo, é forma de diminuir a redução anual da produção desenvolvendo campos marginais enquanto se espera pelos resultados da pesquisa que felizmente já começou nos blocos 0 e 15/06 e vai continuar no bloco 48, onde a TOTAL pretende fazer o primeiro furo ainda este ano e, também, em terras de Cabinda, nos blocos norte e central que vão ser operados pela ENI. Agora a situação não é preocupante porque o País felizmente tem muitos outros recursos naturais que podem e devem ser explorados.

Existe a ideia de que essa diminuição se deve à inoperância da Sonangol nos últimos anos. É mesmo assim?
Em termos gerais é uma ideia incorrecta. Agora pode-se admitir que se a função concessionária tivesse sido melhor exercida, nos últimos dez anos, podíamos estar agora com uma redução de produção menor. Mas de qualquer maneira não estaríamos longe da produção de 1,5 M b/d.

Continua a discussão se o País deve ou não ter uma refinaria que abasteça as necessidades de combustíveis para evitar a importação. Qual o modelo que defende?
Tenho defendido que a melhor opção para o País é estudar a modernização e aumento da refinaria de Luanda, por fases e com financiamento - o que é importante dada a situação de crise financeira em que o País vive -, para 80 a 90 mil barris/ dia, com base em tecnologia moderna, que permite produzir gasolina e gasóleo que é o que mais consumimos, usando Condensados (líquidos de gás).

Porquê condensados?
Para um dado volume, produzir combustíveis leves com condensados custa cerca de um terço do que custa o investimento para o mesmo volume de refinação de petróleo a qual, para obter os mesmos produtos, tem de ter sofisticada. A manutenção de unidades de tratamento de condensados é muito mais económica, porque não suporta elevadas temperaturas, e é de mais fácil e barata operação. Por outro lado, os condensados no mercado internacional são mais baratos que o petróleo bruto e podem ser importados de países perto de Angola - Guiné Equatorial, Nigéria, Argélia e, daqui a uns anos, de Moçambique. A diferença entre o preço do barril de petróleo bruto exportado e o barril de condensados importado cobre o transporte e ainda ajuda a pagar os custos de operação da unidade de tratamento. O excesso de condensados no mercado mundial levou, nos últimos anos, os Estados Unidos a instalar, nas suas refinarias, unidades de tratamento de condensados para produzir gasolina e algum gasóleo. Pelo mundo fora, do Médio Oriente à Ásia, cada vez há mais unidades de produção de combustíveis e nafta a partir dos condensados.

Quanto custaria implementar uma refinaria à base de condensados e que riscos apresentam os investimentos em novas refinarias à base de petróleo?
Com o uso de condensados e cerca 1 500 milhões USD podemos ser auto-suficientes em gasóleo e gasolina produzida a preços próximos das cotações do mercado internacional. Se insistirmos na Refinaria do Lobito vamos produzir combustíveis que ficarão mais caros em divisas do que os importados, dado o elevado investimento e os altos custos de operação, pelo simples facto de o mercado internacional de combustíveis ser muito concorrencial. Com a refinaria do Lobito, se ela for de capacidade superior ao mercado interno, corremos ainda o risco de ter de subsidiar as exportações pois não temos capacidade de concorrer em preços, nem com a África do Sul nem com a Nigéria que vai ser exportadora dentro de pouco tempo.

Foto: César Magalhães

"Quanto vão custar combustiveis? Penso que 0,90 usd por litro"

Com o fim da subsidiação aos combustíveis, quanto deverá custar um litro de gasolina ou gasóleo em Angola?
Tanto quanto sei o Orçamento Geral do Estado não inclui valores para compensar a Sonangol da diferença de preços de custo/venda, pelo que é a companhia que está a suportá-la, o que é incorrecto pois não se pode obrigar uma empresa a ter centenas de milhões de dólares/ano de prejuízos. Aliás, o FMI já há muitos anos tinha exigido que o OGE suportasse os subsídios aos combustíveis, o que aconteceu até recentemente. Se o OGE não tem dinheiro então que se cumpra com o decreto que liberaliza os preços dos combustíveis e se proceda aos aumentos. Claro que aqui há uma questão fundamental. Se os aumentos forem sendo feitos em pequenas tranches, a economia adapta-se. Quando se deixa acumular uma grande diferença como a actual e que é preciso, pelo menos, duplicar os actuais preços de venda, a situação complica-se. Penso que se pode iniciar pelos aumentos da gasolina que tem poucos impactos na economia e fasear os aumentos do gasóleo. Mas o Ministério das Finanças tem de encontrar formas de compensar a Sonangol dos prejuízos, instituindo os subsídios temporariamente. Quanto vai custar no futuro? Depende do câmbio e dos preços do mercado internacional mas, em linhas gerais, com a visão que se pode ter do mercado até finais de 2020 e reduzindo as margens de comercialização, hoje muito elevadas, penso que à volta de 90 cêntimos de dólar.

Adivinham-se consequências negativas para os angolanos...
Na situação actual das finanças do País, não há outra forma senão acabar num curto espaço de tempo com os subsídios que legalmente já não existem - excepção recente para a agricultura e pescas - a não ser para o petróleo iluminante e gás de cozinha. Agora que vai ser duro para os consumidores isso vai. Mas também vai dar origem a economias em especial no consumo de electricidade e vai tornar muito mais estável o seu fornecimento.

Foto: César Magalhães

"Sonangol deve ser o principal investidor do sector do gás"

A Sonangol deixou de ser Concessionária, função que passou para a Agência Nacional de Petróleo e Gás. Faz sentido?
O que me parece é que se andou um pouco depressa de mais e por isso eu critiquei na altura o timing da criação da Agência por não ser o mais adequado, porque a Sonangol estava e está envolvida em importantes negociações com companhias petrolíferas para as quais o peso da sua qualidade de concessionária era importante. Agora temos um Conselho de Administração da Agência a funcionar num edifício e a totalidade dos técnicos que vão transitar da Sonangol para a ANPG ainda sem instalações, porque estas carecem de obras, para começarem a funcionar em pleno. Digamos que não é a melhor forma de começar. Mas como está criada, o importante é que a ANPG, quando arrancar, o faça de forma a marcar a diferença com o passado recente. Faz sentido e o principio de ter uma entidade independente a exercer a função concessionária é correcto. Agora o importante é que essa função passe a ser exercida com muito mais qualidade técnica e profissional do que acontecia nos últimos tempos.

Dentro da transformação do sector, o País está a preparar a alienação dos negócios non-core da Sonangol...
A Sonangol tornou-se "um monstro" muito difícil de administrar. Na sua diversidade de negócios, deixou de ser uma empresa de petróleos para se tornar num conglomerado. Ora, como o que se pretende e o que o País precisa é de ter uma companhia nacional de petróleos eficiente, quanto antes, tal só se consegue se a despirmos de tudo o que não se relaciona com o seu core business. E a alienação de muitos dos seus negócios, além petróleos, também constitui uma fonte de receitas que a Sonangol bem precisa para sair do vermelho e pagar as suas dividas.

Como se justifica a empresa ter-se dispersado do seu core business?
Considero que foi um percurso errado mas é preciso lembrarmo-nos que a Sonangol entrou em muitos negócios não por sua iniciativa. Isto não desculpa outros negócios, fora da sua actividade principal, que a empresa abraçou por falta de uma estratégia bem delineada para concretizar o seu objecto principal. E, mesmo dentro dos petróleos, há negócios em que a Sonangol entrou, nomeadamente no estrangeiro, que nada acrescentaram à empresa e, pelo contrário, até lhe deram prejuízos avultados. Mas isto é passado pelo que, agora, o importante é recentrar quanto antes a Sonangol nos petróleos e gás e dentro do País, onde tem um vasto campo de actuação a desenvolver.

Por falar no gás. Deve haver, finalmente, uma aposta nesta área?
O gás foi um pouco esquecido durante muitos anos até que se conseguiu implementar o Angola LNG no Soyo, que é um projecto com a originalidade mundial de se destinar a usar o gás associado à produção petrolífera. Mas, mesmo após a finalização deste complexo industrial, continuou a ser esquecido no que se refere à sua pesquisa - as normas e termos do gás só foram aprovadas o ano passado - e à colocação em produção dos campos já descobertos e que vão ter de alimentar o LNG após 2021. Não tendo havido pesquisa de gás até agora - o que se descobriu nos últimos anos foi por mero acidente geológico - não se pode ainda vislumbrar quando é possível duplicar a capacidade do Angola LNG.

Que estratégia devia ser usada para dinamizar esta matéria prima?
A estratégia a seguir, agora que se criaram as condições contratuais favoráveis é, numa primeira fase, incentivar a pesquisa para que, após algumas novas descobertas, existam volumes suficientes para implementar novos projectos de aproveitamento de gás, seja para liquefazer, gerar electricidade - o País precisa de pelo menos mais uma grande central térmica a gás para estar defendido contra secas prolongadas futuras - produzir fertilizantes, usar em petroquímica de base ou ainda fabricar combustíveis. A experiência internacional, com base no Médio Oriente, mostra que se quisermos andar depressa com o aproveitamento do gás, descoberto ou a descobrir, temos de arranjar forma de ser a Sonangol o principal investidor, pelo menos em alguns dos projectos.

César Magalhães

Do jornalismo ao petróleo

José de Oliveira, nascido no Lubango, tem mais de 40 anos de actividade jornalística dedicada a temas de economia, finanças e energia, especialmente petróleo, incluindo ainda o ambiente e a biodiversidade. Ultimamente tem-se interessado pelos aspectos fundamentais dos temas relativos ao Ambiente e à Água, que admite serem mais importantes que o petróleo, considerando que vai permitir a Angola exportar energia quando já não produzir petróleo. Trabalhou na Rádio Nacional, ANGOP, Revista Novembro, Televisão Pública e Revista Energia, estando hoje reformado. Actualmente é colaborador do Departamento de Energia e Ambiente do Centro de Estudos e Investigação Científica da Universidade Católica de Angola (CEIC/UCAN) e Consultor de empresas petrolíferas e de serviços petrolíferos.