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Opinião

Programa de ajustamento social

Laboratório Económico

Tenho sido confrontado, no meu dia-a-dia profissional, com episódios francamente confrangedores quanto à situação social do País, contrastantes com a visão que muitos dirigentes de alto nível têm.

No meio da rua, quando me desloco aos supermercados, sempre que converso com os meus alunos na Universidade Católica de Angola, a realidade que sobressai é a da prevalência de uma pobreza endémica, roçando a miséria e a fome em muitas faixas da população.

O que pensar quando jovens e mães se me dirigem nas grandes superfícies de consumo a solicitar, não dinheiro, mas um pacote de arroz, um pacote de leite para as crianças, um pacote de macarrão, etc.? Coisas básicas que toda a gente nas suas famílias deveria dispor com relativa abundância. E o que pensar sobre os idosos, diminuídos físicos de mão estendida ao longo das vias principais das cidades-capitais de província, com especial relevo para Luanda?

Uma das cidades mais caras do mundo, onde o desemprego de angolanos é o mais elevado, a despeito de ser aqui que se localiza a maior parte do tecido empresarial do País (com severas dificuldades de funcionamento). Fiquei realmente siderado com a abordagem de que fui alvo no domingo passado, quando me desloquei a um supermercado para renovar o meu stock doméstico de mantimentos.

O que pensar de tudo isto? Que a pobreza existe e tem aumentado. Que não somos um povo feliz. É isso que noto no fácies desses cidadãos e cidadãs solicitantes de apoio alimentar urgente para diariamente sobreviverem. Se fosse possível construir indicadores, tais como, Felicidade Interna Bruta, Felicidade Interna Líquida (deduzindo-se da primeira as ocorrências infelizes), Felicidade Nacional Bruta e Líquida (resultante do acrescento do saldo de Felicidade dos estrangeiros em Angola (que deve ser elevada) e dos angolanos no estrangeiro (supostamente superior à dos nacionais residentes, mas provavelmente inferior à dos estrangeiros em Angola), teríamos a verdadeira dimensão da infelicidade dos nossos compatriotas.

O valor do Produto Interno Bruto por habitante é uma das provas da infelicidade material dos angolanos. Em 2018, ele foi de 3 690 USD e, em 2019, prevê-se um valor de 3290 USD, menos 10,8%. O PIB por habitante, indicador cada vez menos competente para avaliar as condições de vida da população e as condições de igualdade relativa na distribuição do rendimento nacional (face à panóplia actual de indicadores socioeconómicos), continua a ser o sintético rapidamente utilizável como esse avaliador. Se a distribuição do PIB fosse simétrica, em 2019, cada um de nós acederia a 9 USD por dia. Quanta quantidade de bens, de habitação, de educação, de saúde, de serviços diversos, etc., tal cifra vai permitir adquirir a cada um de nós?

É discutível que, num processo de crescimento, a estabilidade macroeconómica (a todo o custo social) deva ser a principal prioridade, deixando-se para depois a recuperação económica (primeiro estabiliza-se no curto prazo e depois cresce-se no longo prazo).

Os artigos de Joseph Stiglitz e Paul Krugman quanto às medidas draconianas de estabilização macroeconómica que a TROIKA (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional) persuadiu (??) Portugal e a Grécia a tomarem para controlar o défice fiscal e a dívida pública, são de uma crítica muito elucidativa quanto a esta sequência.

Vale a pena revisitá-los para termos uma melhor ideia dos sacrifícios impendentes sobre os mais pobres e que acabaram por acontecer naqueles dois países (muito melhor preparados para suportar e absorver este tipo de choques do que Angola neste momento): retracção do crescimento económico (não é possível retrair mais o crescimento em Angola, para protecção dos pobres, em defesa de uma classe média também em processo de empobrecimento e em nome da estabilidade social), aumento do desemprego, desvalorização salarial (como não era possível a desvalorização cambial, optou-se pela via da redução dos salários e do aumento das contribuições dos trabalhadores para a Segurança Social) e restrições ao investimento privado pela via do controlo do crédito (a despeito de terem sido libertados alguns fundos pela via do abaixamento do défice orçamental).

A conciliação entre estabilidade e crescimento (a curto prazo e a longo prazo) tem de ser possível, sendo isso o que se espera da presença do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial em Angola. Mais tarde, os intransigentes desses processos de ajustamento (ministro das Finanças da Alemanha, presidente da Comissão Europeia, presidente do Eurogrupo, nessa altura) manifestaram publicamente os seus exageros e os seus erros. Sem crescimento económico significativo é impossível estabilizar a macroeconomia das economias de forma permanente e sustentável.

Receio por Angola que seja isto o que vai acontecer, sendo muito provável que se chegue ao final do período da intervenção do Fundo Monetário Internacional com um óptimo de 3.º grau na estabilização macroeconómica (estes processos não têm fim, sendo permanentemente necessários) e com um mínimo de crescimento económico (as previsões do FMI, coincidentes com as do Governo, apontam para uma taxa média anual, 2009-2022, de 2,5%).

Se assim for - acredito que os diferentes documentos oficiais elaborados com o apoio da Missão do FMI em Angola levam já em atenção os efeitos supostamente positivos da estabilização macroeconómica - estamos em presença de um valor irrisório para alavancar a economia, reduzir o desemprego, criar emprego líquido, diversificar a economia, aumentar as exportações não minerais e gerar um processo de acumulação de capital produtivo, social e humano.

Sem o torniquete do ajustamento macroeconómico, como a prioridade das prioridades, o crescimento seria mais intenso? Não é impossível fazerem- se os cálculos e o Governo sabe-o perfeitamente1. Mas não creio que este tipo de reflexão tenha sido feita antes de se assinar o Protocolo com o FMI. Significa não se fazer a estabilização? Evidentemente que não. Significa que quem a define, elabora e implementa deve ter a noção real do País, em todos os domínios. Quanto tempo tem a estabilização?

A resposta no sentido de quanto mais rápida for melhor não colhe de todo, pelo enunciado anteriormente: a estabilização é uma necessidade contínua das economias, mas que não pode, nem deve, sacrificar o crescimento, também um bem público e uma necessidade permanente das economias.

A componente social do programa de ajustamento estrutural FMI/Governo é muito ténue, escondida mesmo no grande manancial de medidas pró estabilização macroeconómica. As despesas sociais, segundo o FMI, irão passar de 848 mil milhões Kz, em 2018, para 1 100 milhões Kz em 2019, representando pouco mais de 3% do PIB.

Do mesmo modo que se está a aplicar um Programa de Ajustamento Estrutural para se restaurarem os equilíbrios macroeconómicos, dever-se-ia, paralelamente, aplicar um Programa de Ajustamento Social. O empréstimo do Banco Mundial de 2,7 mil milhões USD (a 30 anos e com uma taxa anual de juro de 2,5%) a ser utilizado para apoio social, pretende instituir um subsídio social de cerca de 5 000 Kz mensais. Perante os meus relatos anteriores, não sei como classificar este montante, se aviltante, se benéfico, se provocador.

Termino como comecei: angustiado com tanta pobreza e por ela andar de mãos dadas connosco; incomodado porque não podemos fazer, individualmente, nada para a reverter; envergonhado por ser um cidadão de um País com tantos recursos e potencialidades, mas cujas autoridades são incapazes de resolver problemas básicos e lineares.

(1) Vale a pena lembrar os cálculos errados feitos pela Missão do FMI em Portugal sobre os multiplicadores do ajustamento estrutural. Alves da Rocha escreve quinzenalmente