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Opinião

OGE 2019 revisto à medida das exigências do Fundo Monetário Internacional

Laboratório Económico

Apesar das indicações positivas da conjuntura do último trimestre de 2018 - que inverteu em alguma medida a trajectória descente da dinâmica de variação do PIB - o OGE 2019 Revisto baixou as suas previsões de crescimento (em relação ao Orçamento de Estado aprovado em Dezembro de 2018) de 2,8% para 0,3%, para a actividade económica geral e de 3,1% para -3,5% para o sector petrolífero e de 2.6% para 1,6% para o não petrolífero.

Como explicar que, face a um comportamento mais positivo nos últimos 3 meses de 2018, o OGE 2019 Revisto acabe por ser muito mais pessimista do que o seu progenitor? Significa que o I Trimestre de 2019 - normalmente o Governo pode ter acesso, preferencial, antecipado e prioritário aos dados do INE - não rubricou comportamentos económicos compagináveis com as políticas, medidas e acções contidas nos diferentes programas e planos de política económica e entretanto levadas à prática?

Será que falhou, em alguma medida, a capacidade de coordenação institucional de tantas políticas a serem implementadas ao mesmo tempo, e que seguramente consequencializou uma redução da sua eficiência institucional e eficácia económica? Exigências do Fundo Monetário Internacional no sentido de a economia e o seu funcionamento e a sua dinâmica se terem de ajustar à capacidade financeira do OGE 2019 Revisto (1)?

O risco de a economia, durante 2019, entrar novamente em recessão é elevado (adiando-se, uma vez mais, o combate consequente à pobreza), porque bastará que o sector petrolífero se torne mais negativo na variação da sua produção, para que isso possa acontecer, face à inexistência ou debilidade de outras almofadas e alavancas do crescimento (se, por exemplo, em vez da diminuição ser de -3,5%, passar para -4,5%, a taxa geral de crescimento da economia será de -0,6%).

Sabe-se, há muito tempo, que esta é a realidade e a despeito de a nova governação do País estar consciente da seriedade e gravidade da situação, muitos empresários, muitas igrejas, bastantes investigadores e docentes universitários comprometidos com o País têm muitas reservas quanto aos resultados efectivos de tantas políticas - muitas entre si com sinais de inconsistência e contradição entre meios e objectivos e mesmo entre as medidas de ataque aos problemas - em tão pouco tempo.

Ainda por cima com as exigências do FMI, que coloca o essencial da política orçamental na redução de despesas e na criação de novos impostos. Os incómodos que a classe empresarial privada sente, quanto à intervenção do FMI e à "obediência" que o Governo lhe deve, têm contribuído para a não recuperação dos índices de confiança, havendo como respostas a organização de Fóruns empresariais com o fito de chamarem a atenção das entidades governamentais para os perigos existentes na implementação de políticas naturalmente recessivas.

Programas de ajustamento

Em algumas das minhas intervenções públicas sobre os Programas de Ajustamento Estrutural do FMI, que vinha defendendo uma mudança de olhares e de interpretações desta instituição de Bretton Woods sobre as realidades africanas, evidentemente subdesenvolvidas do ponto de vista económico e necessitando de modelos de intervenção arrojados e diferentes dos mais convencionais e clássicos. Subscrevi, muitas vezes, que se estaria perante um, senão novo, diferente FMI.

Creio que estou a perder esse convencimento e ainda que compreenda perfeitamente - diferente não podia ser sendo eu um economista - que a recuperação de equilíbrios macroeconómicos básicos seja fundamental, o ponto está em saber-se depois de quanto tempo é que esses reajustamentos macroeconómicos darão lugar à recuperação da economia e ao estabelecimento de equilíbrios sociais, provavelmente mais importantes e estruturantes do que os macroeconómicos (admitindo a reequilibragem, como recuperar a economia com níveis salariais médios mensais de 60.000 Kz?).

A visão contida no OGE 2019 Revisto, bem assim como no OGE 2019 é essencialmente clássica, desvalorizando-se o potencial de crescimento reconhecido das despesas públicas, especialmente na componente do investimento público, enquanto gerador de produto potencial da economia, incentivador da iniciativa privada e maximizador da rendibilidade dos investimentos empresariais.

As despesas públicas totais vão diminuir 13,6% e o investimento público em 21%, reduzindo-se a taxa de investimento do Estado para 3,3%, apesar de se considerar, na página 44, parágrafo 164, um compromisso com a sua redinamização, que "deverá estar ao serviço de um crescimento económico mais sólido a médio e longo prazo".

Estas despesas de investimento apresentam uma capacidade elevada de reprodução económica, embora sejam exigentes em capacidade de estudo, avaliação, fiscalização e controlo. Sustenta-se, igualmente, no Relatório de Fundamentação do OGE 2019 Revisto que "se dará uma forte atenção ao investimento público estruturante e reprodutivo, criador de facilidades infraestruturais para o funcionamento mais eficiente das actividades produtivas e de uma maior ligação dos mercados económicos, com grande incidência nos domínios dos transportes, logística de distribuição. Energia eléctrica e água".

Num contexto de diminuição do seu montante, de falta de avaliação dos projectos e de capacidade de fiscalização (2), atrever-me-ia a dizer, usando uma expressão que não é minha, que acaba por ser muita retórica. Para transportar é preciso primeiro produzir, e a despeito de o OGE 2019 Revisto considerar que o papel principal da retoma do crescimento económico compete ao sector privado - não se regateando o apoio do Estado -, como compreender a diminuição das despesas orçamentais voltadas para a dinamização da economia e que no OGE estão sob a designação genérica de "função económica": o seu peso relativo já era despiciendo no OGE original (4,1% do PIB), baixa para 3,1% na revisão orçamental.

Mas a pouca importância dada pelo OGE à agricultura - reincidente ano após ano - estimada em 0,6% do PIB no OGE original e 0,3% no revisto e à indústria (0,2% do PIB) é o que mais contradita a ênfase dada pelo Governo ao seu vigoroso compromisso com o crescimento, a produtividade e a diversificação das exportações.

Nem o sector empresarial angolano, nem o estrangeiro (as declarações oficiais apontam para incrementos significativos e sucessivos do investimento estrangeiro directo, aparentemente ausentes da Balança de Pagamentos) estão em condições de se assumirem como os principais condutores desse processo, nas condições de apertos de toda a natureza circundantes do exercício da sua actividade.

Mas é nos sectores sociais que a doutrina clássica impera, sendo claramente insuficientes as declarações de compromisso, amiudadas e repetidas vezes apresentadas pelo Governo. A sua representatividade está expressa na tabela anexa (ver versão impressa).


(1) Na página 40, parágrafo 148, do Relatório de Fundamentação do OGE 2019 Revisto afirma-se: "a implementação do Programa de Estabilização Macroeocnómica conta com o apoio financeiro e técnico do Fundo Monetário Internacional, através do Programa de Financiamento Ampliado (Extended Fund Facility) que se encontra em execução desde finais de 2018".
(2) Ver as principais conclusões de um estudo conjunto CEIC-CMI intitulado "O Custo de Desenvolvimento de Infraestruturas em Angola", lançado e apresentado no dia 17 de Maio no Salão Nobre da Universidade Católica de Angola.


(artigo publicado na edição 525 do Expansão, de quarta-feira, dia 24 de Maio de 2019, disponível em papel ou versão digital com pagamento em Kwanzas. Saiba mais aqui)