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Grande Entrevista

"Os países não se fazem apenas com licenciaturas e doutoramentos"

NICOLAU MIGUEL, GESTOR DE EMPRESAS

Os jovens não se podem render ao fatalismo e têm de apostar na sua qualificação, num mercado cada vez mais exigente, defende Nicolau Miguel, porta-voz da UA para a criação de novos líderes. Governo e empresas também são actores nesse programa.

Foi um dos quatro jovens que representaram Angola no 2.º Forum Pan Africano da Juventude, que decorreu em Adis Abeba, de 24 a 27 de Abril, onde a Comissão da União Africana (UA) lançou a iniciativa "1 Milhão até 2021". Em que consiste o projecto?
É uma iniciativa que pretende influenciar a juventude africana, em quatro áreas fundamentais: educação, emprego, empreendedorismo e engajamento. Já vimos que África é o continente mais jovem do mundo e que muita da sua força activa está fora do mundo do trabalho. Hoje, o mercado de emprego é tão competitivo e requer dos jovens muitas qualificações, quer a nível educacional, quer profissional, então, a solução que se encontrou foi lançar esta iniciativa, para que, daqui a dois anos, consigamos ter um efeito positivo nos jovens nessas áreas.

Como vão criar esse impacto?
A União Africana viu que sozinha não conseguia, portanto, havia que chamar os parceiros que trabalham nessas áreas. Depois do fórum, a Universidade Panafricana abriu candidaturas a bolsas de estudo, em mestrados e doutoramentos. Hoje há uma série de programas de fomento ao empreendedorismo, porque os parceiros da UA, no último dia do fórum, fizeram um voto de compromisso.

Quem são esses parceiros?
A General Electrics, as Nações Unidas e o seu Fundo para a População, o Facebook, a Fundação Aga Khan, a Jobs4Africa Foundations, o Afrexim Bank, entre outros. Todos esses parceiros estão comprometidos em abrir as suas plataformas para capacitarem os jovens, em digital skills (competências informáticas), oferecendo programas de estágios e programas de aceleração de pequenas e médias empresas. O Quénia, por exemplo, vai receber muitos jovens.

Jovens de todo o continente?
Sim. Por exemplo, para a área de engajamento, nós tivemos uma boa conversa com a enviada especial da juventude junto da UA, porque queremos que a juventude esteja engajada na política, sem serem politizados.

Como assim?
Queremos que a juventude esteja empenhada nas decisões políticas dos seus Estados sem estarem apegados às cores partidárias, mas sim comprometidos com o desenvolvimento sustentável dos seus Estados, quer a nível económico, social.

Aí tem de haver uma revolução nas mentalidades africanas, por causa da cultura do mais velho?
Nós compreendemos que os mais velhos são indispensáveis para o progresso de África e nós, jovens, reconhecemos a nossa posição de aprendizes, para podermos dar continuidade ao legado, mas como vamos dar se não tivermos acesso às ferramentas, se não aprendermos com quem sabe? Não queremos que os mais velhos estejam de fora das decisões políticas e económicas, porque eles serão sempre consultores, os guias para a juventude.

A nível empresarial, há empresas angolanas interessadas?
As empresas angolanas são bem-vindas. Há uma semana, quando estive na UA, fiquei a saber que há organizações que estão interessadas em ser parceiras, mas não estiveram no fórum. As portas estão abertas para todos os que se revêem nesta iniciativa e, para nós, seria bom. Angola passaria a ser vista como um dos parceiros activos.

Para os jovens angolanos, o que é prioritário nestas quatro áreas de intervenção?
Do meu ponto de vista, o mais importante é a educação. A educação é a base de qualquer Nação e temos as bolsas da Universidade Panafricana, que são uma grande oportunidade. Neste momento, temos um angolano, o Hélder Afonso, que está a fazer o mestrado nos Camarões. Claro que os países não se fazem apenas com mestrados, licenciaturas e doutoramentos. Daí que, na questão do emprego, as plataformas estejam abertas para capacitar os jovens, com habilidades que os preparam para um primeiro emprego. A Namíbia, por exemplo, tem um sistema de educação, que é o Vocacional Training, em que o indivíduo com habilidades de serralharia, por exemplo, é um profissional, e tem valências na sociedade.

Há que abranger também a formação profissional?
Ao falarmos na educação, nesse contexto de "1 Milhão até 2021", não pensamos apenas no ensino superior, mas também na formação profissional, nas habilidades que fazem com que os jovens possam sair para o primeiro emprego, empreender e criar projectos. A ideia global da iniciativa, desde o topo até à base, é que as crianças ou jovens que se encontram muito distantes da cidade, muitos deles não têm o sonho de chegar a uma licenciatura, se tiverem treino vocacional, conseguem estar inseridos no mercado e contribuir.

Como é que vão ganhar as competências profissionais?
Esta iniciativa obrigatoriamente chama os Estados membros a cooperarem, a transporem estas iniciativas para os seus programas, assim se consegue atingir os jovens que estão distantes. É um projecto continental, não só para a juventude, mas também para os Estados.

Como é que os quatro jovens que estiveram em Adis Abeba vão dar o seu contribuito para esta iniciativa?
Desde que chegámos, temos falado, nas rádios, nos jornais, sobre a iniciativa, estamos a dar um contributo, com a informação. Recentemente, dei uma palestra sobre empreendedorismo, na Mediateca do Cazenga, falei desta iniciativa e incentivei os jovens a usarem as ferramentas que têm, nomeadamente o inglês, para empreenderem. Muitos têm know-how, podem prestar serviços de tradução, dar aulas de inglês ao domicílio, por exemplo.

O autoemprego é uma solução de integração no mercado de trabalho. Que perfil o jovem angolano deve ter para aproveitar as oportunidades criadas no âmbito da UA, nomeadamente com a Zona Continental Livre de Comércio?
A proficiência na língua inglesa é um ganho para a integração da juventude angolana nos grandes projectos da UA e, tal como o francês, acrescenta valor, porque fora das estruturas da UA, onde o português é uma das línguas oficiais, para agarrar oportunidades de negócio, temos de falar outra língua. As digital skills (competências informática) também são importantes. Felizmente, houve um avanço considerável em Angola e isso atribui valor nas grandes competições, a nível da região e do continente.

Quer dar exemplos?
A Unitel, por exemplo, é uma empresa que investe muito nas tecnologias. Recentemente, jovens venceram uma competição da Huawei. No concurso StartUpper, da Total, o vencedor foi o criador do software Kubinga, há uma grande inovação tecnológica nesses serviços. Na verdade, as tecnologias são fundamentais até para os governos. Estive na África do Sul, em Dezembro, a convite da Comissão do Caminho para a Prosperidade, chefiada por Melinda Gates, e lá falámos como os Governos devem apressar as tecnologias para inovarem os seus serviços.

Devem começar por informatizar os seus serviços?
Sim. África do Sul, Namíbia estão a fazer isso, e até Angola. Vemos concursos públicos da AGT, do Mirex, em que os processos estão a ser informatizados, é a aproximação do Governo à população, por meio das TICs, que traz benefícios, quer a nível económico, quer a nível social.

Os preços altos das telecomunicações não são um entrave e um factor de exclusão?
É verdade que os serviços são caros, mas sei que o Estado tem estado a envidar esforços para que haja inclusão tecnológica. Creio que essa é uma das preocupações para que as novas tecnologias cheguem até aos sítios mais longínquos do País.

Foto: Lídia Onde


"É hora de olhar para o turismo como gerador de receita e emprego"

Esteve, no início de Maio, no 4.º Forum da União Africana (UA) sobre património mundial, que desafiou os jovens a salvaguardarem o património mundial africano. Como?
A ideia é aproveitar a criatividade dos jovens para a promoção, conservação e divulgação do património. Hoje, em África, por exemplo, uma parte dos sítios classificados estão na lista de risco, por causa dos requisitos da UNESCO. A ideia é sairmos desta lista.

Mbanza Congo está?
Está no assim, assim. A ideia é trazer a inovação, com uma componente tecnológica, para transmitir o valor que o património mundial africano representa e que benefícios ele traz. Cada participante falou do sítio classificado que o seu País tem, eu falei de Mbanza Congo. Falámos da necessidade de os jovens estarem envolvidos nos projectos, de encontrar emprego para os jovens nesses sítios, quer os que já estão classificados, quer os que estão em vias.

Que tipo de empregos?
Na área da gestão e conservação do património. Na minha apresentação, eu disse que, quando olharem para Angola, não olhem apenas como um País de petróleo e gás. Pensar desta forma é redutor. Angola é um País que também tem cultura, tem jovens que são recursos humanos que representam bem o País, prova disso sou eu (risos).

Uma forma de salvaguardar o património é explorá-lo turisticamente. Mas como se atrai visitantes, sem estruturas de apoio e de acomodação?
O Governo tem os seus peritos e saberá como e a quem delegar essas responsabilidades para que Mbanza Congo não tenha apenas um valor cultural, mas também económico.

Esta semana falou-se muito no turismo...
Cheguei no dia 17, e assim que entrei no aeroporto 4 de Fevereiro vi a informação do Fórum Mundial do Turismo e do Presidencial Golf Day, isso agradou-me. É a imagem do País e a atracção que faz para a entrada de recursos. É o momento para olharmos para o turismo cultural e natural, como gerador de receita e empregos.


"As empresas devem formar os jovens em função da sua visão"

Como surgiu o convite para participar no 2.º Forum Pan Africano da Juventude?
Além das organizações internacionais, que são parceiros da UA e que indicaram funcionários seus, houve candidaturas abertas à sociedade civil. Eu candidatei-me, sem muitas esperanças, e em Abril recebi o convite da Comissão da UA. Angola esteve representada por 4 jovens, dois deles fazem parte do Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA) e o outro é da Associação dos Estudantes das Universidades Privadas.

Porque decidiu candidatar-se?
A candidatura aponta 4 áreas em que as pessoas se podiam identificar: educação, emprego, engajamento e empreendedorismo. Na InnoVision Concepts, onde sou consultor, falamos de educação e propostas de projectos sócio-políticos, então, eu estava bem enquadrado nos 4 pontos.

O que faz a InnoVisional Concepts em Angola?
É uma consultora política e educacional, baseada em Augsburg, na Alemanha, que está em Angola desde 2015, eu sou representante no País e gestor de projectos. Como consultora educacional e para projectos socio-políticos, temos vários parceiros, no ramo educacional, que são escolas de longa tradição na Suíça, como a La Garenne e o Institut Le Rosey. Também trabalhamos com universidades em França, Alemanha, Reino Unido e EUA.

Propõem planos de estudo?
Quando organizamos eventos informativos em Angola, apresentamos todas essas possibilidades aos pais e são eles que decidem para onde querem enviar os filhos. Também fazemos análise de potencial, para saber se o aluno tem mais queda para economia, política ou engenharia.

Ao identificar o potencial, acabam por ser uma espécie de olheiros de talentos?
Também. Na verdade, o nosso grande desejo é sermos parceiros do Governo angolano, sobretudo na área da educação para que, com a nossa perícia, possamos ajudar a fazer com que Angola seja um destino educacional. Hoje, quando pensamos no Reino Unido, olhamos para o ensino, porque não fazer isso também em Angola, para que quem está na África do Sul, Zimbabué ou Quénia possa vir fazer o ensino superior a Angola?

Ainda estamos longe de chegar aí?
A nível militar, já somos uma referência em África. Desta última vez, na Etiópia, tive oportunidade de falar com o embaixador de Angola em Adis Abeba, apresentei essa vontade e ele reforçou que, a nível militar, já se pode vir a Angola estudar ciências militares, com grande qualidade. Nas outras áreas, há talentos e podemos internacionalizá-los. Há escolas em Angola com esse poder de atracção? Já temos várias escolas internacionais, que são parceiros da InnoVision Concepts...

Refiro-me a angolanas?
Podem ter, mas ainda não é no nível que desejamos. É este objectivo que queremos alcançar, a possibilidade de ter uma parceria com o Ministério do Ensino Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação (MESCTI), e apresentar soluções tangíveis para transformar o sistema de ensino angolano numa referência, num destino educacional.

Muitas empresas em Angola queixam-se da forma como os jovens saem das faculdades, sem as qualificações técnicas e competências necessárias. Tem consciência disso?
Tenho. Trabalhei na Petromar, que presta serviços à indústria petrolífera, e tratava dos vistos, porque éramos forçados a recorrer a mão-de-obra expatriada, porque a local não era qualificada para certos postos. É um problema que o Ministério dos Petróleos também apresentou e as empresas petrolíferas tiveram de abrir oportunidades e lançar iniciativas para capacitar os quadros angolanos. A Petromar, por exemplo, no Ambriz, tem uma academia para formação profissional. É verdade que esse é um problema, mas as empresas também devem estar abertas para programas de estágio ou programas de formação.

Tem de haver maior ligação entre as empresas e as instituições de ensino superior?
Sim. Pelo menos, a Petromar faz isso. É um grande avanço. As outras empresas devem fazer o mesmo. Fazer formação on job, formação paralela, abrir candidaturas e formar os jovens em função da visão da organização, isto é sustentável.


Lídia Onde

Gestor e empreendedor

Natural de Luanda, Nicolau Santos é licenciado em Gestão de Empresas, pela Universidade Metodista, com pós-graduções em Administração de Negócios, pela Atlantic University, instituição de ensino à distância, sediada no Havai, EUA, e Negócios e Empreendedorismo, na UNISA, África do Sul.

Em Junho, parte para Washington, EUA, para estudar Administração Pública, na Virginia Tech, como um dos candidatos angolanos seleccionados pela Bolsa Mandela Washington Fellowship 2019, programa criado pelo ex-Presidente dos EUA, Barack Obama, com o objectivo de formar jovens líderes africanos.

Com 27 anos de idade, já representou Angola em vários fóruns internacionais, onde tem proferido, sem complexos, uma frase que lhe abre várias portas: "Angola não tem apenas petróleo e gás, mas jovens competentes e um deles sou eu".