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"A minha expectativa é a de um filho que vai nascer"

José Rodrigues

O jornalista José Rodrigues faz há 26 anos o programa de grandes entrevistas, Café da Manhã. Neste período terá feito quase 1 100 conversas com os seus convidados. Chegou a altura de pôr uma pequena parte em livro, cujo lançamento será no dia 4 de Julho.

Para quem fez mais de mil entrevistas, como é que se escolheu estas para o livro?
Tive várias sugestões de amigos e colegas sobre essa questão da selecção das primeiras entrevistas. Como sempre digo, todos os entrevistados no meu programa têm o mesmo grau de importância, assim como os temas abordados. Daí que não tive muito trabalho, ou algum critério específico. Foram aquelas me surgiram na mente numa determinada altura.

Que critérios utilizou?
Há um elemento neles que, comum, talvez tenha influenciado. São todos quase de mesma geração, tiveram vivências quase comuns, os mesmos conflitos, num tempo marcada pelas lutas de libertação, tanto do colonialismo como do fascismo. Foram convergentes no essencial. Quando fala com o Manuel Lima ou Paulo Jorge, estaremos necessariamente a abordar a trajectória da Mambo Café ou Manuel Alegre, de Portugal. E porque não de Maria do Carmo Medina e de Samuel Chiwale. São apenas alguns dos personagens que fazem parte deste primeiro volume.

De que forma foram trabalhadas as entrevistas para passar para a linguagem escrita?
Considero que esta primeira edição pode ser tida como "experimental". É claro que não estamos aqui para oferecer experimentos. Mas na verdade é um ensaio que pretendo aprimorar noutras edições. Tive muito boas colaborações. Contei muito com a experiência da Paula Henriques e do próprio editor, o meu amigo Arlindo Isabel. Discutimos sempre, sugeriram e tomaram conta dos cuidados gráficos e de toda a elaboração técnica e estética do livro. Transcrever entrevistas da rádio para um livro é um exercício trabalhoso e muito delicado. Requer muito cuidado e muita atenção.

Não é fácil passar entrevistas de som para a escrita....
Os momentos são diferentes. As palavras, as pausas, as emoções, os silêncios e até os olhares. Tentar ser fiel a tudo isto. Decifrar pensamentos. E neste livro estas questões serão visíveis. Sobretudo quando já não é possível voltar à fonte, consultar o entrevistado. Setenta porcento dos heróis deste livro já não estão entre nós. E toda a dúvida sobre o que disseram, continua a ser dúvida. Dúvidas à volta de nomes de pessoas e lugares etc, etc.

Como foi escolhido o grafismo, a arrumação por página, a capa, etc.?
Foram matérias que discutimos porque, como deve saber, os projectos gráficos e a capa são portas importantes. Através deles se valoriza ou não uma determinada obra. E quando a parte do grafismo estiver alinhada com o texto, a estética e ao rigor da escrita, é sempre muito melhor. Acho que teremos alcançado os objectivos neste capítulo.

Quando é que decide, "vou fazer um livro"?
Não foi uma decisão tomada a quente... de um dia para o outro. Ao longo destes anos tenho sido muito cobrado neste sentido. De publicar em livro. Fui muito questionado por todos aqueles que acompanharam e acompanham o Café da Manhã no sentido de publicar em livro. Nunca tive pressa porque sempre achei que se tratava de um processo. E os processos têm tempos próprios. Nem mais tarde, nem mais cedo. Mas a pressão foi crescendo, a minha idade também, e achei que era o momento de dar à sociedade e, sobretudo, aos jovens, a possibilidade de partilharem as histórias dos mais velhos, na sua saga de luta pela independência e a liberdade. Há ainda a pressão dos novos tempos que tornam cada vez mais urgente essa necessidade de conhecermos o nosso passado.

Na verdade já se reclama o livro há alguns anos...
Essa pressão das pessoas e do "tempo certo" foi fundamental na minha tomada de decisão. E aqui um agradecimento especial o Doutor Pitra Neto, um respeitado intelectual, que muito me incentivou a realizar este trabalho. A cada encontro era sempre uma cobrança: "quando é que publicas os Cafés?". E isto foi funcionando como "água mole em pedra dura".

Que expectativas têm para este lançamento?
A expectativa é a de um filho que vai nascer. É normal passar por alguma ansiedade mas, ao mesmo tempo, ter suficiente paciência e, de alguma forma, preparar-se para os julgamentos. Pensar na forma, no impacto a ser produzido, como a obra será recebida. Acho que o mais importante, mais do que aquilo que sentimos, é a consciência de que estamos a tentar contribuir para o conhecimento da nossa realidade histórica. E isso transmite uma paz de espírito, algum reconforto...

Prevê-se já a saída de um segundo volume?
Eu vivo uma espécie de dilema em ter pela frente menos anos de vida em relação ao que já vivi. E pensar no futuro nem sempre é com demasiadas ambições. Lançar um livro com dez entrevistas, por ano, num universo de mais de mil entrevistas, aos quase 60 anos, não é coisa que se queira todos os dias. Já estou na fase de delegar responsabilidades aos filhos e netas. É um desafio para eles tornarem vivas essas memórias. Por agora vou tentando dar continuidade...

O Café da Manhã enquanto programa de rádio vai continuar?
O Café da Manhã é para mim, mais do que um programa de rádio, é um projecto de vida. É um compromisso social de muita importância do qual não devo abdicar tão cedo. E eu gosto de o fazer. Vou manter o perfil actual mas se tiver que operar mudanças, elas vão acontecer mas sem alterar a essência, o seu ADN.

Com bons entrevistados...
Quanto aos meus convidados, tenho muito a agradecer a disponibilidade que sempre tiveram. Já agora aproveito para render a mais sentida homenagem a alguns personagens desta história que já não se encontram entre nós. São heróis na eternidade. São os heróis deste livro .

57 anos de idade e 37 de rádio
José Rodrigues nasceu no município do Mussende, Província do Cuanza Sul, aos 28 de Outubro de 1962. Ingressou nos quadros da Rádio Nacional de Angola em 1982 onde trabalhou como Coordenador de Emissão e posteriormente realizador de programas. Em 1992, conjuntamente com Mateus Gonçalves e Luísa Fançony, funda a Rádio LAC - Luanda Antena Comercial, primeira Rádio privada no pós-independência de Angola.

Frequentou o Instituto Internacional de Jornalismo de Budapeste, República da Hungria, onde fez o Curso de Realização de Programas de Rádio e TV. Fez estágio em Colónia - Radio Deutsche Welle, Republica Federal da Alemanha - e foi correspondente para questões africanas na CBN - Sistema Globo de Rádio - Brasil. É actualmente Director de Informação da LAC, onde apresenta o programa Café da Manhã, de Grandes Entrevistas.