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Grande Entrevista

Falta regulamentação nas energias renováveis para atrair investidores

Grande Entrevista a RAMON BAEZA, CONSULTOR E ESPECIALISTA EM ENERGIAS RENOVÁVEIS

Investidores aguardam um "quadro completo e competitivo de leis", modelos de concessão e garantias financeiras sobre o pagamento de energia pelas entidades públicas, defende o especialista Ramon Baeza. No fundo falta garantir o retorno do investimento.

Olhando para o contexto angolano, uma economia demasiado dependente do petróleo e um país cuja produção eléctrica é "alimentada" por barragens e por unidades a diesel, até que ponto as energias renováveis poderiam contribuir para o crescimento económico?
Os desafios de Angola são semelhantes aos de outras economias em desenvolvimento, com população dispersa por vastas áreas e com uma necessidade de rápida electrificação. Do ponto de vista energético, as renováveis, nomeadamente o solar fotovoltaico e a eólica em terra podem desempenhar um fundamental papel complementar às energias tradicionais. Os níveis de competitividades destas soluções energéticas quando computados os custos totais, incluindo os de transporte e distribuição, já são muito competitivos como se vê, por exemplo, na África do Sul. Se tal é verdade quando se compara a geração com gás natural e carvão, ainda o é mais quando comparado com fuelóleo ou gasóleo de gerador. Assim sendo, as renováveis podem ter um importante papel no desenvolvimento económico através da redução dos custos de energia e através dos empregos criados na instalação e manutenção destes equipamentos e no desenvolvimento social por facilitarem o acesso à electricidade a maiores camadas da população.

Como é que África olha hoje para as energias renováveis?
Esta é uma tendência mundial e onde África não é excepção. Existem múltiplos projectos de renováveis, alguns apoiados por instituições internacionais, por exemplo na Nigéria, Moçambique e Gana. Na África do Sul o crescimento das renováveis, impulsionado pelo sector privado, é bastante significativo. O mesmo se passa no Norte de África. Acreditamos que na próxima década mais de 100 GW (gigawatt) de energia renovável serão instalados no continente Africano.

Quais os custos e os benefícios desta aposta no contexto africano?
Benefícios vejo inúmeros. Exemplos poderiam ser energia mais barata, universalmente mais acessível, mais sustentável ambientalmente, maior criação de emprego na instalação e manutenção de equipamentos, maior componente local ao longo da cadeia de valor desde os serviços à promoção. Custos sinceramente não vejo muitos se a aposta em energias renováveis for feita com as leis e regulamentos apropriados e depois executada de acordo com boas práticas mundiais.

Olhando para Angola, quanto é que o País precisa para apostar neste tipo de energias?
Potencial existe e é elevado. Atenção e vontade de investir parece ser crescente a julgar pelo interesse manifestado por investidores em várias iniciativas recentes. Para se começarem a concretizar investimentos faltará criar um quadro completo e competitivo de leis, regulamentos, modelos de concessão, projectos completos e garantias financeiras sobre o pagamento de energia pelas entidades públicas que permitam que os projectos possam ser rentáveis com riscos controláveis.

Quais as que melhor se adaptariam ao País?
O potencial do País está levantado, é conhecido, foi apresentado no recente fórum e é muito, muito elevado. Se julgo recordar bem os dados que vi existe potencial em muitas tecnologias com destaque para as mini hídricas, para o solar, para o eólico em e para a biomassa, embora esta ainda necessite de estudos mais aprofundados.

Que imagem passa para o resto do mundo um país como Angola, um grande exportar de petróleo, apostar nas energias renováveis em grande escala?
Não acha que transmite a ideia de que vendemos o petróleo e a poluição para os outros países, mas queremos um país limpo aqui? Diria que passa a imagem de um país economicamente eficiente, socialmente exigente e ambientalmente responsável.

Até que ponto a crise financeira que o País atravessa pode por em causa a aposta neste tipo de energias?
Acreditamos que o modelo de desenvolvimento adequado passará sobretudo por investimento privado, suportado em boa legislação e regulamentação. Penso que isso é independente de qualquer crise financeira que o País possa estar a passar pelo que não acredito que ponha em causa. Por outro lado, acredito que esta aposta possa futuramente tornar o País mais resiliente a outras crises ao ser mais uma forma de diversificação da economia.

Fazem sentido parcerias público-privadas (PPP) para dinamizar esta aposta?
Em face da natureza do investimento em energias renováveis, e para que este possa ser feito em larga escala, é conveniente uma boa coordenação de esforços entre o público e o privado. Serão fundamentais boas leis, regulamentos, regimes tarifários e mecanismos que garantam pagamentos atempados. As PPP poderão ser mecanismos aceleradores do investimento privado. Podem ser importantes, sobretudo para promotores nacionais para facilitar o acesso ao crédito nacional e internacional.

Este é um negócio apetecível a investidores privados?
Poderá ser se as condições financeiras - rentabilidade e risco - estiverem em linha com as expectativas desses mesmos privados. Angola compete com outros países para atrair investimentos pelo que tem de assegurar que propicia condições tão boas como outros.

Como é que este negócio pode ser rentável ao nível das zonas rurais no contexto africano, com menos população que nos grandes centros urbanos?
Hoje em dia, várias tecnologias renováveis são eficientes com escalas bastante baixas. Ou seja, não necessitam de produzir muitos MW (megawatt) para serem eficientes. Adicionalmente, a crescente competitividade das baterias e a possibilidade de criação de sistemas híbridos com as soluções tradicionais fazem com que possam ser excelentes soluções para zonas rurais, difíceis de ligar à rede normal de transporte.

Foto: Adjali Paulo


"Existem bons exemplos no continente e em Angola"

Há um potencial da energia fora da rede que deve ser utilizado por países como Angola, com grande extensão territorial. Já há algumas aldeias remotas com painéis solares para abastecer pequenas localidades. Esta pode ser uma solução em Angola e em África?
Pode ser mais uma das muitas situações em que as energias renováveis são uma solução adequada para a universalização do acesso a electricidade a preços competitivos. Já existem bons exemplos no Continente e também em Angola. Há agora que acelerar.

O carvão moveu o mundo no século 19. Já o petróleo foi a principal fonte no século 20. Acredita que este será o século das renováveis?
Acredito que será um século em que as energias renováveis irão crescer muito. Porque se tornarão economicamente ainda mais competitivas, porque existem crescentes preocupações ambientais que irão exigir este tipo de soluções e porque é nesta áreas que muitas da inovação está a ser concentrada pelo que várias melhorias ocorrerão nos próximos anos que ainda irão acelerar mais estes processos.

É possível que seja o século das renováveis também em África?
Seguramente. Não vejo nenhuma razão para que tal não aconteça. Aliás como já se começa a verificar. Também nesta área, África e Angola estão a começar a atrair a atenção dos investidores. Haverá agora que saber capitalizar esse interesse.

"Guru" da Energia Renovável

O espanhol Ramon Baeza é formado em Administração de Empresas (com louvor) pela ICADE (Universidade Pontifícia de Comillas) e possui MBA pelo INSEAD (Fontainebleau). Actualmente é quadro da consultora internacional Boston Consulting Group (BCG).

Tem uma vasta experiência no sector do desenvolvimento sustentável, tendo participado na elaboração de vários projectos a envolver União Europeia e vários outros países. Entre eles encontram-se o Plano de Tecnologias Energéticas da União Europeia 2050 para cumprir as metas da Europa para o Ambiente, ou a definição de regulação de energias renováveis em Espanha, Portugal e França.