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Opinião

Os anos capicua da independência de Angola

Laboratório Económico

11 de Novembro de 2019, a meia idade da independência de Angola, com 44 anos de autonomia e capacidade de mandarmos em nós próprios, nomeadamente através de políticas económicas e sociais abrangentes e adequadas para melhorarem a vida das pessoas. O que não tem acontecido, como é sobejamente conhecido, começando a saturar as justificações assentes na baixa do preço e na queda da produção de petróleo.

Nunca nestes 44 anos se teve a coragem de assumir os nossos erros e insuficiências quanto aos insucessos económicos e sociais. E não foram poucos, alguns dos quais com a conivência do excesso de empresas de consultoria estrangeiras, portadoras de soluções estranhas aos problemas mais profundos da sociedade e da população, mas entretanto aceites pelas sucessivas governações, não havendo forma de finalmente estas instituições forasteiras compreenderem as suas insuficiências para abordarem problemas complexos e intricados, bem diferentes dos dos países de onde provêm. Voltarei a este assunto em próxima reflexão.

O que me importa agora e aqui é referir-me aos anos capicua da nossa independência política. No passado dia 11 foram 44, comemorados por mim fora do País, numa conferência internacional sobre Federalismo no Mundo (valeu a pena a minha presença e participação, pensando no processo de descentralização em curso no País), realizada em Munique, Alemanha, um dos países mais desenvolvidos do mundo, com o qual muito se tem para aprender, mais do que com os países da periferia europeia. Capicua celebrada num ambiente de profunda crise económica e desgastante perturbação social, podendo mesmo afirmar-se a existência de uma recessão social no País (1), não apenas dos tempos mais recentes, mas com proveniência mais atrás no tempo.

A comemoração de 44 anos apanha o País numa recessão social de onde será difícil sair com sucesso nos tempos mais próximos (a recuperação de valores comportamentais afectados e perdidos pode levar algumas gerações). As questões sociais de todos os países são, irremediavelmente, do domínio das actividades e funções do Estado, excepto para conhecidas correntes doutrinárias para quem os seus gastos devem ser mínimos e circunscritos a esferas como a defesa, a administração geral e pouco mais. As falhas de mercado, quando e se as houver, tenderão a ser debeladas por regulamentação que acelere e aprofunde a concorrência. A redistribuição do rendimento far-se-á pela via da reafectação dos factores de produção dos sectores e actividades menos eficientes para as de maior poder de retorno.

O conceito de um país sem Estado ficou magistralmente ilustrado pela Revista The Economist na sua edição de Janeiro de 2010, com uma grande imagem de capa de um monstro (simbolizando o Estado) e cuja legenda era: "o mundo rico está perante uma escolha clara: aprender com os erros do passado ou então ver o Leviatão crescer e transforma-se num verdadeiro monstro" (2). Entretanto, em números mais recentes (3), reafirma-se o essencial desse pensamento ao destacar-se que o Estado se deve limitar a determinar as regras do jogo nos diferentes mercados, deixar actuar as forças de mercado e investir em bens básicos como o ensino e as infraestruturas, retirando-se, de imediato, para dar lugar às empresas revolucionárias.

Trata-se da visão neoclássica pura, nada inovadora, colocando-se o ónus das crises económicas sobre o Estado. Afinal, uma visão desvalorizadora das atribuições e funções do Estado: "... o Estado há muito que é visto como necessário, mas improdutivo, um gastador e regulador e não um criador de valor" (4).

Tomando as despesas públicas em educação, saúde, habitação e serviços comunitários e em protecção social (classificação das Contas Nacionais) como "proxy" do Produto Interno Bruto Social (feitas as necessárias e convenientes adaptações (5)), a degradação da situação social da população é dada no gráfico [disponível na versão impressa].

Adicionando recessão económica sistemática e sistémica (6), desemprego (estrutural, o mais perigoso, mas igualmente conjuntural), pobreza e desvalorização dos salários e rendimentos, a fotografia dos 44 anos fica completa: a capacidade de resistência da população está no limite, sendo, assim, admissíveis reacções tendentes a discutir e pôr em causa a magnanimidade das políticas económicas e sociais do Governo. Recessão económica e social, desemprego e pobreza são os únicos factores que devem ser considerados como desestabilizadores de uma paz social afinal podre.

Durante estes 44 anos fomos mais livres? Em termos abstractos sim, porque independência significa liberdade, mas em termos reais muitas situações de abuso de autoridade, atentados contra liberdades colectivas e individuais, acumulação ilegítima de fortunas, impunidade, etc., aconteceram. Em termos estritamente económicos entre 2014 e 2019 - com as necessárias incidências sociais - o direito de melhoria de condições de vida, a liberdade económica de escolha dos consumidores, o direito a trabalho digno e compensador e melhoria na distribuição do rendimento (direitos consagrados na Constituição da República de 2010) não foram conquistas na dimensão em que deveriam ter sido depois já de muitos anos de independência.

A capicua seguinte, andando para trás, verificou-se com a comemoração dos 33 anos de independência, em 2008, o último da "mini-idade" de ouro de crescimento da economia nacional. Estes foram os anos em que a economia nacional mais cresceu, graças aos efeitos das receitas do petróleo, directos sobre as receitas fiscais e as reservas internacionais líquidas e de contágio sobre alguns dos restantes sectores de actividade, com realce para a construção, a energia e o comércio.

Como se caracterizaram o Produto Social Bruto e a sua distribuição, o rendimento médio por cidadão, as taxas de emprego e desemprego e as dinâmicas de crescimento económico? Apenas para começo de conversa - que continuará até se esgotarem as capicuas passadas e futuras (estas até 2050).

(1) Para mais desenvolvimentos consultar CEIC - Relatório Social 2018.
(2) The Economist Janeiro de 2010.
(3) The Economist, "The third industrial revolution", 21 de Abril de 2012.
(4) Mariana Mazzucato, O Valor de Tudo - Fazer e Tirar na Economia Global, Temas e Debates, Círculo de Leitores, Março de 2019.
(5) Ver Relatório Social 2018.
(6) Crescimento do PIB entre 2015 e 2019 de - 4,78% (acumulados) e do PIB por habitante de -15,6%, igualmente acumulados. A população empobreceu a um ritmo médio anual de 2,79%. Taxa de desemprego actualizada no III Trimestre deste ano de 30,7%, incremento de desemprego de 212670 pessoas em idade economicamente activa, decréscimo do emprego de 294312 trabalhadores apanhados pela inactividade. Dados retirados da Folha do INE intitulada Indicadores de Emprego e Desemprego, III Trimestre de 2019.

Alves da Rocha escreve quinzenalmente