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Opinião

Ainda e sempre as críticas aos programas de ajustamento estrutural "à la FMI": segunda parte

Laboratório Económico

Bem-vindos a 2020. Com a economia mundial a entrar numa nova fase de abrandamento do seu crescimento, os Estados Unidos e a China a experimentarem reduções na intensidade de variação das suas produções, a União Europeia sem sair do seu processo de baixa variação do PIB e muitas economias africanas a experimentarem variações negativas nas mais importantes variáveis macroeconómica, ao que se acrescem fenómenos de populismo por todo o mundo ameaçadores de equilíbrios sociais frágeis, o descaso pelos problemas ambientais do planeta (Trump e Bolsonaro são os "pidepipers" mundiais) e os vários conflitos militares regionais, a minha saudação inicial deve ser apenas interpretada como um desejo/ esperança e não enquanto crença num ano melhor do que 2019.

Neste contexto internacional - a que se junta a difícil situação económica interna e a recessão social do País - é altamente provável que Angola continue a patinar em 2020, na melhor das hipóteses. E uma das razões prende-se com as consequências negativas dos ajustamentos macroeconómicos em curso.

Se o actual programa de ajustamento e estabilização não é do Fundo Monetário Internacional tem as suas vestes e retrata bem o modelo tão do agrado desta instituição financeira internacional. Quanto de soberania nacional a sua execução retira? Aliás, a economia angolana, na sua crónica doença de falta de crescimento, está a ser tratada, simultaneamente, pelo FMI, Banco Mundial e Banco Africano de Desenvolvimento, "médicos" com a mesmíssima interpretação das suas causas e um denominador comum sobre a adequada terapia, ou seja, emagrecer primeiro (todos os agentes económicos estão a ser sujeitos a uma tremenda cura de emagrecimento e a própria economia não tem condições para crescer), para depois se recompor, mas com toda a probabilidade, sem o fulgor necessário e do passado. Ou seja, "depois do adeus ao FMI" e dos aplausos da comunidade internacional do "pensamento único", o País não vai conseguir crescer a uma taxa superior e sustentada à do crescimento demográfico, permanecendo-se, em muitos sectores de actividade e na maioria da população, numa situação de reprodução simples (1).

Por isso é que o Presidente eleito da Argentina, Alberto Fernández, assegurou, após a sua eleição, que o país vai cumprir com os seus compromissos em matéria de dívida, mas rejeitou aplicar mais ajustamentos orçamentais: "é meu dever antecipar que na situação em que se encontra a economia argentina é difícil proporcionar um ajustamento maior", numa conversa telefónica com a nova directora-geral do FMI, Kristalina Georgieva (2).

A segunda questão decisiva dos programas de ajustamento segundo a doutrina do FMI - foi onde terminei o artigo de 13 de Dezembro passado - prende-se com a efectiva melhoria da balança comercial decorrente de uma desvalorização. Para a teoria clássica, a desvalorização permite a obtenção de três efeitos positivos: torna as exportações mais competitivas (3), aumenta as margens de lucro relativamente às das actividades viradas para o mercado interno (o que conduz a uma realocação dos factores e recursos de produção) e reduz o poder de compra por compressão da procura e alta dos preços de importação. Estes efeitos positivos só ocorrerão se a soma das elasticidades procura-preço das exportações e das importações for superior à unidade (teorema de Marshall-Lerner).

Os seguidores da abordagem do FMI garantem que esta condição se verifica para a maioria dos países em desenvolvimento. No entanto, existem três excepções em que a desvalorização engendra efeitos negativos:

(a) A primeira refere-se aos países exportadores de matérias-primas e de produtos de base, cujas cotações são fixadas no mercado mundial, não dispondo os respectivos países de margem de manobra para os influenciar. O mercado mundial de algumas matérias- primas e de alguns produtos de base (com excepção do petróleo, dos diamantes, do ouro e de outros metais preciosos) aproxima-se muito de um mercado de concorrência perfeita em que os preços são um dado, só alteráveis face a modificações estruturais na oferta e/ou na procura (alterações na natureza dos "inputs" para a indústria transformadora, modificações na produtividade, etc.). Assim sendo, os resultados do incremento das exportações por redução de preço provocado pela desvalorização estarão sujeitos à maior ou menor rigidez dos preços do mercado internacional. Por outro lado, o mercado mundial daquele tipo de produtos está sujeito a uma cartelização crescente, donde a competitividade das exportações esperada duma política de desvalorização monetária ser, quase sempre, mais aparente do que efectiva. Em contrapartida, os países que alinham em políticas activas de desvalorização acabam por ser penalizados com o aumento do preço das importações de todos os bens, o que inviabiliza, por exemplo, uma estratégia de substituição de importações. A realocação dos factores de produção para as actividades viradas para a exportação pode ser catastrófica nos casos em que sejam produzidos bens cuja procura mundial é recessiva ou cujas cotações se mostrem tendencialmente decrescentes; do mesmo modo, quando a componente importada das exportações for muito elevada a política de desvalorização torna- -as menos atractivas;

(b) A segunda excepção reporta-se a países cujo valor do défice externo é, à partida, muito elevado, de tal sorte que o aumento dos preços das importações suplanta os ganhos conseguidos no sector exportador. Se a elasticidade procura-preço das importações for fraca (procura rígida) pode resultar uma baixa do rendimento global ("ceteris paribus" uma elasticidade das importações rígida faz aumentar mais do que proporcionalmente à variação dos preços e da taxa de câmbio as importações globais, diminuindo o diferencial exportações menos importações, donde uma redução do PIB ou dos rendimentos). Uma desvalorização possui efeitos deflacionistas (diminuição do PIB) quando em (M-X)/M em = elasticidade procura- preço das importações. Esta condição verifica-se em países com uma relação elevada entre o saldo negativo da balança comercial e as importações, o que não é o caso de Angola;

(c) A terceira excepção respeita os casos em que a elasticidade-preço das exportações é baixa e em que a indústria nacional depende fortemente das importações de matérias-primas, produtos intermédios e bens de capital. O aumento do preço destes bens ocasionado pela desvalorização coloca dificuldades à indústria, com eventual projecção no decréscimo de produção, não compensado pelas receitas de exportação.

Ora bem, parece que todas estas excepções são aplicáveis à maior parte das economias africanas subsarianas, do que se conclui que a correcção do défice externo pela desvalorização das moedas nacionais raramente é verificada e quando acontece é momentânea e não sustentada. Acresce que a maioria dos países de destino das exportações africanas impõe quotas de importação ou critérios rígidos de qualificação dos produtos de origem africana. Nestas condições, os produtos africanos, ainda que se tornem baratos quando valorizados nas moedas nacionais, não ganham, necessariamente, novos mercados externos. Assim, a desvalorização raramente ou quase nunca atinge os resultados esperados e, pelo contrário, pode provocar inflação (pela alta dos preços de importação) e consequencializa uma má alocação de recursos escassos. A realocação de recursos que os programas de ajustamento realçam como um dos seus resultados positivos, se ocorrer, acabará por ser nefasta nos casos referidos, porque as produções originadas não têm procura nos mercados internacionais.

Notas

(1) O MPLA e o Governo, ao aplicarem o Programa de Estabilização em curso e com a assistência financeira, técnica e ideológica do Fundo Monetário Internacional, abandonaram completamente os princípios da "economia do bem comum". João Lourenço poderia deixar como legado ao País justamente "uma economia do bem comum", porque a erradicação da corrupção - a sua bandeira e o seu verdadeiro programa de Governo - nunca vai acontecer.

(2) Semanário Expresso de 23 de Novembro de 2019.

(3) Os países africanos não dispõem de estruturas produtivas competitivas. Alves da Rocha escreve quinzenalmente