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Angola

"A fraude interna e o furto eliminam anualmente 30% da receita das empresas em todo o mundo"

Grande Entrevista a LARS BENSON DIRECTOR DO CIPE PARA ÁFRICA

Lars Benson, director para África do Centro Internacional para o empresariado privado (CIPE) defende que a subida de Angola no Índice de Percepção da Corrupção é um incentivo às reformas em curso. E que só se vai vencer esta luta juntando Governo, empresas, sociedade civil e jornalistas de investigação.

Angola está numa fase em que dá sinais de que quer combater a corrupção. Que impacto representa a corrupção nas economias?
Vou começar por falar da corrupção a nível de negócios. A Associação Internacional dos Contabilistas Certificados (IFAC) elaborou recentemente um estudo em que analisa as contas das empresas a nível mundial e demonstrou que estas perdem cerca de 30% da sua receita total com a fraude interna e furto. Outro indicador do impacto da corrupção sobre os negócios foi disponibilizado pelo Banco Mundial e de acordo com esta instituição os actos de corrupção aumentam o custo de fazer negócios em 10% por todo globo.

Disse que estudos indicam que a fraude e o furto são as formas de corrupção que mais prejudicam as empresas a nível internacional. De que forma isto acontece?
Quando falamos em corrupção nos negócios, estamos a falar de todas as formas existentes. Um tema frequente é o suborno ou propina que acontece em casos em que uma empresa tem um prestador de bem ou serviço e aceitas a proposta deles e depois algum do dinheiro pago pela empresa contratada regressa a algum funcionário da empresa que contratou os serviços isto significa que a empresa não adquiriu o bem ou serviço ao melhor preço e em muitos casos não se tem em conta o factor qualidade o que é uma das formas de fraude interna.

Quando diz furto a que tipo de acções concretas de corrupção nos negócios se refere?
Outra forma de corrupção é o furto, estamos a falar de activos que desaparecem. Por exemplo quando olhamos para o balanço da empresa no final do ano e reparamos que certos activos não fazem mais parte do património ou pior constam do balanço mas o auditor refere que ninguém sabe onde estão e por isso levanta reservas. Temos também o caso de pessoas que por causa da sua posição essencialmente em procurement ou potencialmente vendedores oferecem presentes para assegurar a venda para a empresa ou influenciar a decisão da contraparte.

Mas este último exemplo não é ilegal.
Algumas das formas de corrupção não são necessariamente ilegais mas consideradas como formas de corrupção. Outro caso é o nepotismo que passa por contratar membros da família ou ajudá- -los a envolver-se nos negócios. São exemplos de problemas que acontecem em todas as empresas e países em toda a parte do mundo. Os nigerianos identificaram mais de 500 palavras para identificar todas as diferentes formas de corrupção existentes.

Em países com um fraco ambiente de negócios é muito difícil conseguir-se um contrato sem suborno ou nepotismo?
Entendo o que diz. Também sei que muitas vezes para conseguir uma licença num país de forma rápida para operar as empresas sentem-se seduzidas a subornar um funcionário público. E esta é a forma de corrupção mais famosa em todo o mundo. Mas tal como disse a corrupção vai muito além disso.

Que tipo de soluções existem para combater a corrupção?
Casa país tem diferentes actores, cada um com o seu papel neste processo. Em primeiro temos os jornalistas de investigação cujo papel é investigar. O cumprimento do papel dos jornalistas de investigação obriga o governo a trabalhar mais para melhorar a transparência em termos de processos. O segundo actor é o governo, quer a nível do poder legislativo e judiciário que estabelece as regras e regulamentos que inibem, quer as empresas, quer outros actores da sociedade a estarem engajados em actos de corrupção.

Além das empresas que outros actores existem?
O terceiro actor é a sociedade civil. Novamente aqui vem o papel de investigar para que as empresas e governos se sintam obrigados a combater a corrupção e a comportar-se da forma correcta. E, por fim, temos o sector empresarial.

Qual o papel do sector empresarial no combate à corrupção?
Quando falamos de corrupção existe um problema de procura e oferta e a maioria das soluções para resolver o problema da corrupção estão focadas no lado da procura. O que por si só não impede as pessoas de pedir subornos. É fundamental perceber quem fornece estes subornos na maior parte das vezes são as empresas mesmo que contra a sua vontade. Existem diferentes abordagens para contrapor este fenómeno. O governo, a sociedade civil e os jornalistas de investigação têm um papel a desempenhar, mas o empresariado tem uma responsabilidade.

Qual?
Primeiro é bom para o negócio se podes encontrar uma forma de reduzir ou evitar todas estas diferentes componentes de corrupção, tu poderás melhorar o teu produto, reter os teus empregados, poderás encontrar os empregados certos, e poderás encontrar investimento internacional e interno. Poderás ser mais atraente aos bancos em termos de empréstimos, tudo isso são boas razões para estar engajado na luta contra a corrupção adoptando sistemas de compliance anticorrupção.

Mas como se pode abordar esse combate a nível do sector empresarial?
É muito simples. Em primeiro lugar temos que nos certificar que a nossa casa está em ordem e que a nossa empresa está em ordem para termos a certeza de que começamos a engajar-nos nas questões da corrupção que nós pelo menos chegamos à mesa para seguros de que não temos nada na nossa organização ou empresa que faça com que as pessoas fiquem cépticas em termos da nossa seriedade ao enveredar por práticas contra a corrupção tendo em conta o nosso histórico de ética e integridade.

Mas será seguro uma empresa aparecer publicamente e declarar-se contra as práticas de corrupção?
Em muitos países é muito perigoso para os líderes de negócios levantarem-se e dizerem eu sou contra a corrupção e nós não vamos fazer isso. E é por isso que nós temos associações empresariais que devem tomar um papel de liderança nestas conversas difíceis com o governos focada em que tipo de reformas de política regulatórias devem ser feitas, o que precisa mudar, como é que a corrupção está a eliminar oportunidades de negócio e com elas os empregos e investimentos.

Mas, afinal, qual o papel das empresas no combate à corrupção?
É necessário implementar uma cultura onde líderes empresariais comprometem-se a fazer negócios de forma ética e desempenhem um papel de liderança assegurando que os colaboradores trabalham de acordo com estes processos. Quando as pessoas se sentem tentadas a avançar para subornos ou outras formas de corrupção precisam entender que só é necessário um escândalo de corrupção para arruinar uma empresa, quando construir uma marca leva anos. Porquê arriscar o valor da sua marca por causa de atitudes pouco éticas? Só se resolve se todos os actores que mencionei se juntarem e trabalharem juntos só nestes casos vamos começar a ver mudanças do comportamento do país e alterações a nível da percepção da corrupção nos países que assim procedem.

Foto: Expansão

"As empresas precisam de adoptar as práticas anticorrupção"

O que é o CIPE?
O Center for International Private Enterprises (CIPE) foi criado há 35 anos por uma iniciativa do Congresso americano. A organização, baseada em Washington D.C. está afiliada à US Chamber of Commerce que é a maior organização de negócios do mundo com cerca de 3 milhões de membros e que está representada pelas "AmChams" em mais de 100 países, incluindo Angola. Nós estamos também afiliados a uma organização chamada Nacional Endowement Democracy.

Qual a vossa relação com o combate à corrupção?
O CIPE está numa posição interessante uma vez que a nossa missão é promover a abertura de oportunidades para o sector privado especialmente para as pequenas e médias empresas em todos os continentes. Estamos focados em assistir os nossos parceiros em matérias como transparência, prestação de contas aos accionistas e a outras partes interessadas.

Só trabalham com empresas?
Por via das empresas e associações também trabalhamos com os governos democráticos para apoiar a criação de políticas que promovam a remoção de barreiras que afectam os Negócios.

Qual a vossa estratégia para Angola?
O CIPE tem uma parceria com a AmCham-Angola e uma firma de advogados angolana cujo objectivo é oferecer serviços em compliance anticorrupção às empresas angolanas. Entre os serviços destacam- -se a formação, consultoria, avaliação ou auditoria aos programas de compliance das empresas.

Já existem empresas em Angola com este sistema?
Pretendemos assegurar que as empresas adoptem um sistema de gestão de risco chamado anticorruption compliance. Já há empresas a introduzir isto em Angola mas sentimos que muito mais precisa de ser feito. Todas as empresas especialmente as pequenas e médias precisam de ter mecanismos de gestão para prevenir, mitigar e reduzir oportunidades para corrupção.

Foto: Expansão

"A verdade é que a corrupção em Angola ainda não acabou"

Angola melhorou a sua posição no Índice de Percepção de Corrupção. O que é que isto significa?
Angola cresceu 7 pontos e subiu 19 lugares no Índice de Percepção da Corrupção, divulgado recentemente. De facto é algo importante e envia um sinal positivo. Mas é importante entendermos que o último classificado no índice tem 14 pontos enquanto Angola tem 26. Parece me uma margem muito curta, daí ser necessário identificar- se os principais desafios e indicadores que se podem mudar e continuar a trabalhar.

O que quer dizer?
A verdade é que a corrupção em Angola ainda não acabou. Logo o compromisso deve ser trabalhar mais para melhorar mais depressa e alcançar melhores resultados. Não se pode olhar para o resultado alcançado e parar, nem andar mais devagar na luta contra a corrupção. Porque os outros países também estão a trabalhar e o que se ganhou hoje pode não ser suficiente para manter a posição amanhã.

Nos países em que o Índice de Percepção de Corrupção é elevado o rácio de transformação de pequenas em médias empresas é quase inexistente?
Certo. Num ambiente em que os negócios não se desenvolvem como deviam, os empregos e os investimentos não crescem e as empresas não atingem uma dimensão muito elevada.

Trabalhou em Angola na criação da cadeia de logística da indústria de petróleo e gás. Pode descrever a experiência?
Fui o primeiro director do centro de apoio empresarial (CAE) que é a organização responsável pela criação da cadeia logística (supply chain) na indústria de petróleo e gás. Ou seja, era nosso papel assegurar que as grandes multinacionais de petróleo e gás tivessem condições de adquirir bens e serviços que necessitavam a nível local, evitando que todo o dinheiro gerado na indústria de petróleo e gás fosse exportado.

Quais eram as metas?
A meta era e acredito que continua a ser assegurar que as petrolíferas ajudassem a desenvolver as empresas locais em Angola. Como não havia know-how nem tecnologia localmente, promovemos algumas parcerias com empresas internacionais para assegurar a transferência destes recursos.

Quais eram as principais dificuldades das empresas na ocasião?
Estavam relacionadas à necessidade de aumentar a produtividade, aumentar os lucros, tentar entender as operações e como funcionavam os negócios. Os maiores desafios das empresas angolanas no passado passavam também pela necessidade de ter três números de telefone para assegurar as comunicações, outros tinham e ainda têm que ter geradores para ter acesso a electricidade.

Na altura já haviam reclamações de corrupção?
Já existiam reclamações de empresas que tinham de lidar com problemas de corrupção a todo o tempo. Outros não entendiam as regulações do governo porque estavam sempre a mudar.

Voltando ao CIPE, a vossa meta é eliminar a corrupção?
A principal vantagem de se combater a corrupção é que esta acção permite reduzir oportunidades de ocorrência de fraude e desfalque interno nas empresas. Sempre que ocorre um acto de corrupção numa empresa o custo de produção cresce, a qualidade do serviço desce e os lucros são corroídos. A única forma de evitar isso é termos um ambiente onde a ética e integridade são respeitados e seguidos.

O que é que isto significa?
Quando falamos em integridade estamos a falar de um sistema de gestão e risco chamado Anti Corruption Compliance.

O compliance é um serviço valorizado em África?
Estes serviços têm sido oferecidos em África mas não é um segmento que tem tido a atenção necessária. Se queremos combater a corrupção é importante olhar para onde estão os maiores riscos e onde isto ocorre com maior frequência e de certeza que as pequenas e médias empresas são as mais afectadas por este fenómeno.

LARS BENSON
É um cidadão italo-americano, nasceu na Itália e é filho de um cidadão americano. Cresceu nos Estados Unidos, no Novo México, em Ítaca perto de uma reserva de índios. Aos 10 anos muda-se para a Arábia Saudita para acompanhar o progenitor que era professor universitário e trabalhou para a Saudi Aramco, uma das maiores petrolíferas do mundo. Fruto da estadia do pai no então maior produtor de petróleo do Mundo, Benson frequentou o ensino superior em terras do Munhamad bin Salman. A sua primeira profissão foi como jornalista, de onde migra para uma fábrica americana que não identifica. O destino levou-o a Angola onde foi o primeiro director do centro de apoio empresarial CAE, instituição responsável pela cadeia de supply chain na industria petrolífera angolana. Benson é o director regional para África do CIPE.