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Opinião

Méritos partidários

Editorial

Pedro Godinho levanta, em entrevista nesta edição, uma questão que deve ser discutida de forma aberta e descomplexada - o facto de se escolher os governantes e os gestores públicos pela camisola partidária que vestem é, claramente, um factor inibidor do desenvolvimento do País.

Esta ideia de que o sucesso social e profissional em Angola depende de uma inscrição no CAP e de um cartão de militante, mensagem que é absorvida pelos mais jovens, causa distorções a dois níveis - normalmente afasta os mais capazes, que acabam por ir trabalhar para o estrangeiro, e premeia os mais bajuladores, que fazem de tudo para manter os seus privilégios. É impossível implantar um sistema com base na meritocracia quando os critérios de avaliação são partidários. Porque é que alguém para ser ministro tem de ser do comité central? Porque é que gerir uma empresa pública é um prémio pela envolvência política?

Não será certamente na minha geração, mas espero que na próxima se possa explicar aos mais novos que a competência, o conhecimento, o profissionalismo, são factores diferenciadores do sucesso. Mas mais importante, que se dêem exemplos concretos desta forma de agir, porque não vale a pena anunciar que se combate o nepotismo e depois deixa-se que por tudo e por nada nos façam elogios despropositados, que para além de alimentarem o ego, não servem para mais nada. Porque são isso mesmo, despropositados.

Muito se fala dos tempos novos que se vivem no País, mas também é momento de se mudarem as práticas. Algumas vêm dos anos 80, foram potenciadas nos anos 90, e já neste século foram assumidas como normais, sendo que, nos últimos anos do anterior governo, tornaram-se mesmo motivo de orgulho para quem as fazia. Nasceu mesmo uma nova ciência, a "ciência da sábia orientação". Por momentos, parecia que ia haver alterações, mas rapidamente se percebeu que, dificilmente, nesta geração, haverá mudanças. Custa-me muito ver esse constante culto da personalidade feito por aqueles que se queixam do passado, mas que o repetem sempre que têm oportunidade.

E isso deve-se exactamente ao que falámos no início do texto. Não premiar os mais competentes, mas os mais subservientes, porque o sucesso social e profissional continua a depender de critérios partidários. Parece uma roda difícil de quebrar, que só poderá alterar-se quando quem decide tiver a coragem de pôr esses bajuladores na ordem. E passar a escolher os seus quadros pela capacidade intelectual e técnica. Vai dar mais trabalho, porque quem pensa tem opinião, mas o País sairá a ganhar certamente.

(Editorial da edição 566 do Expansão, de sexta-feira, dia 20 de Março de 2020, já disponível em papel ou em versão digital com pagamento em Kwanzas. Saiba mais aqui)