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Angola

"Muito dificilmente as empresas aguentarão este fardo da crise sem apoio institucional"

Grande Entrevista a JORGE LEÃO PERES, ECONOMISTA E DOCENTE UNIVERSITÁRIO

Há quase quatro décadas na banca, o economista Jorge Leão Peres prevê dias difíceis para as empresas e as famílias e diz, com vigor, que Angola perdeu uma oportunidade soberana para diversificar a economia. Mas reconhece o mérito da governação actual.

Como está a acompanhar a situação política, económica e social do País neste momento de crise, com a pandemia da Covid-19?
São momentos difíceis. Com uma economia já por si fragilizada, com graves problemas estruturais, as condições sociais tendem inicialmente a degradarem-se. Estamos perante um grande dilema, sector empresarial e particular (famílias) a demandar apoio institucional e o Estado com grandes problemas de liquidez por força da queda vertiginosa do preço do barril de petróleo no mercado internacional. A economia angolana enfrenta no presente dois violentos choques externos que abalam em profundidade a sua estrutura, nomeadamente, a pandemia da Covid-19 e a queda acentuada do preço do barril do petróleo.

Com este cenário, o que deve ser feito para estabilizar a economia e as empresas?
Em economia não existem soluções acabadas e definitivas, tudo depende da vontade política e do envolvimento efectivo de todos os actores económicos e sociedade em geral. A estabilização da economia, mediante controlo da sua variável central, a inflação, é um processo contínuo e sistemático cujos resultados são percepcionados ao longo do tempo. Por outro lado, impõe- se a necessidade de reformas profundas ao nível do desenvolvimento das actividades económicas mediante aperfeiçoamento do quadro institucional e regulamentar que proporcione condições iguais e de concorrência perfeita a todos os operadores económicos.

Entende que as empresas estão preparadas para enfrentar mais essa crise?
Muito dificilmente as empresas suportarão este fardo sem o apoio institucional, seja dos governos e seja dos intermediários financeiros, e isto é uma constatação a escala mundial. Só o facto de as empresas encerrarem ou reduzirem as suas actividades, em decorrência das incontestáveis medidas de distanciamento social em nome do bem comum, não restam dúvidas que vão encaixar enormes prejuízos que, se não beneficiarem destes apoios, acabarão por quebrar.

É preciso definir os planos de contingência por sectores ou para todas as empresas?
Os desafios são vários e os recursos são sempre escassos, por isso há que definir prioridades. Daí que os planos de contingência tenham que ser definidos por sectores de actividade. Desde já elejo a agricultura como ponto de partida, e nunca é demais relembrar o lema lançado pelo Presidente António Agostinho Neto, de que a "Agricultura é a base e a indústria é o factor decisivo".

Como aplicar esse lema à nossa realidade?
Neste lema está a chave do desenvolvimento e sustentabilidade de uma economia, em que temos um sector agrícola a "alimentar" a cidade com produtos e as indústrias com matérias-primas, e este sector gerar produtos manufacturados para a cadeia de distribuição mercantil da sociedade em geral e inputs para a agricultura e sectores conexos. Lamentavelmente, em Angola, apenas 3% das terras aráveis estão ao serviço da agricultura, o que não deixa de ser matéria para reflexão.

Quais são os pontos centrais de um plano de contingência?
Um plano de contingência serve para atender situações imprevistas e de carácter preventivo e alternativo, ou seja, para atender casos de emergência, que no caso concreto e imediato é de fazer face a actual situação de pandemia da Covid-19, que em meu entender se estenderá por todo ano de 2020, e portanto, este ano será um ano atípico não só em Angola mas em todo o mundo, que conhecerá muito provavelmente uma recessão global. A agravar a situação temos a queda do preço do barril do petróleo, o que significa redução de receitas, portanto, o plano de contingência deve passar por um redimensionamento das despesas, um rigoroso controlo orçamental e uma gestão parcimoniosa dos escassos recursos financeiros.

Vamos ter muitas falências este ano?
Com certeza e conforme já referi a nível mundial. O ambiente empresarial em Angola ainda não garante uma real sustentabilidade aos negócios, com intermitências acentuadas nos vários ciclos de vida de um projecto, e na actual conjuntura, o espectro de falência é mais do que previsível, se não se adoptar com urgência um plano de resgate financeiro das empresas.

Qual o sector que lhe causa mais preocupações no momento actual? Porquê?
Os sectores da economia devem estar articulados recebendo inputs de outros e gerando outputs para os outros. Mas o pilar fundamental está na articulação dos dois grandes sectores da economia, a agricultura (campo) com a indústria (cidade), e é o que falha em toda cadeia produtiva do país. Quando as indústrias dependem de importações da matéria-prima para o seu funcionamento, então em rigor não temos na verdadeira acepção da palavra um sector industrial, mas tão somente uma indústria de "empacotamento". Por isso, não passa de mera falácia quando catalogamos a economia angolana em sector petrolífero e sector não petrolífero. Em meu entender o sector não petrolífero é uma miragem, na medida em que tudo gravita em torno do sector petrolífero, ou seja, de importações para as indústrias, comércio, serviços de consultoria, etc. Impõe-se a disrupção desta cadeia.

Com a crise da Covid-19 como o Governo deveria assegurar que não haja mais despedimentos?
Se a conjuntura já colocava constrangimentos financeiros ao Governo, face a queda do preço do barril do petróleo, esta pandemia ainda vem agravar a situação, pois em outras latitudes geográficas, os respectivos governos estão a definir estratégias para a injecção de recursos financeiros ao tecido empresarial para resgatar as empresas que estão confrontadas com situações de redução e nalguns casos mesmo de cessação de actividade por um período sem horizonte temporal. Não ocorrendo isso, será o colapso das empresas e consequentemente o disparar da taxa de desemprego, cujos indicadores já não são assim tão simpáticos. (...)

(Leia o artigo integral na edição 568 do Expansão, de sexta-feira, dia 3 de Abril de 2020, em papel ou versão digital com pagamento em Kwanzas. Saiba mais aqui)