Auditoria interna
Parece inacreditável que técnicos, auditores, secretariado da AN, presidente e deputados não tenham dado conta de um erro de 204 milhões Kz inscritos numa rubrica tão escrutinada como subsídio de renda de casa/presidente.
Como é que todos os mecanismos de controlo internos, da própria assembleia, e externos, de quem teve a responsabilidade de publicar em Diário da República, deixou passar por duas vezes? Parece muito difícil de acreditar que nenhum dos 220 deputados tenha olhado atentamente para estas duas resoluções, foram as duas a plenário para aprovação, e tivesse levantado a questão.
Quando estas coisas acontecem, percebe-se que há alguma coisa que não está a funcionar bem na estrutura - desleixo das pessoas envolvidas, procedimentos desadequados, circuitos de poder pouco participativos, 100 pessoas vêem sempre melhor do que uma. Sendo a Assembleia Nacional um órgão de poder com autonomia para elaborar, aprovar e mandar publicar o orçamento, não pode agora "empurrar" a responsabilidade para outras entidades. Já relativamente à sua execução, a conversa é outra, uma vez que o Tribunal de Contas e o Ministério das Finanças são chamados a interagir e passam também a ter possibilidade de "controlar."
Internamente, o questionamento deve passar pela forma como se constrói o orçamento, como se registam os itens nas diversas rubricas e como se contabilizam as despesas de acordo com a sua natureza. O facto de fazer da mesma forma há muitos anos não significa que é a melhor forma, é apenas aquela que é mais confortável. Depois há práticas que têm de mudar. Tem de vingar o hábito de justificar cada kwanza que é gasto do erário público, que cada um deve ter um documento de suporte, que quando falamos da Assembleia Nacional tem de ser público. Mas ser público é também gerar documentos de fácil consulta, estimular a participação dos cidadãos, porque grande parte das reservas que os angolanos têm em relação aos deputados tem a ver com o distanciamento e desconhecimento da sua actividade.
A própria Assembleia Nacional também tem de contribuir para a sua imagem de transparência. Por isso, espero que no rescaldo do reconhecimento desta gralha técnica, ela própria faça uma auditoria interna às suas contas, que seja reconhecida pelo cidadão como independente e que publique os resultados. E que altere alguns procedimentos que dão maior possibilidade a actos pouco transparentes. O Expansão contribuiu para que estas questões se coloquem, para que alguma coisa se altere. Angola está a mudar e as instituições têm de acompanhar. Sentimos que estamos do lado certo. (...)
(Editorial da edição 570 do Expansão, de sexta-feira, dia 17 de Abril de 2020, já disponível em papel ou em versão digital com pagamento em Kwanzas. Saiba mais aqui)