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Opinião

O retorno dos 'cowboys'

Editorial

Nos últimos tempos, parece que volta a levantar-se uma onda "esquisita" de que quem não é da nossa opinião é contra nós. Não é patriota. No início dos anos 80, dizia-se que era contra-revolucionário. Nos anos dourados do petróleo a mais de 100 dólares, quem não pensava como o regime não era angolano.

Ou seja, primeiro questionava-se o espírito revolucionário como argumento para a diferença de opiniões, depois veio a fase da angolanidade e agora a do patriotismo. Todos alinhados pela mesma pauta e em fila indiana, isso sim, é que é ser revolucionário, angolano e patriota. A cartilha mantém-se, o substantivo vai mudando. O direito à diferença fica para os livros, a ameaça e a difamação ficam para o dia-a-dia.

Incomoda-me mais quando isto vem de uma geração que nasceu com a independência, que já trata o País na primeira pessoa do plural com tamanho à vontade, que acho que não é apenas estratégia ou acção psicológica, é mesmo desconhecimento e falta de respeito a uma História que sempre foi feita de diferenças, de combates - físicos, militares ou ideológicos - com as naturais consequências para quem escolheu este ou aquele caminho na sua trajectória pessoal e profissional. E fazem-no porque acham que o primeiro critério no casting de escolha entre os "bons" e os "maus" é o dinheiro.

Sentem-se cowboys porque têm casa na Expo, Cascais ou em Londres, porque acreditam que os euros e os dólares que acumularam noutras paragens nunca os vão deixar ficar mal, e que podem sempre pegar no cavalo e "fugir" para perto da família que, na sua maioria, está lá fora. Agora, com as fronteiras fechadas está pior, alguns mostram já sinais de nervosismo, não conseguem aguentar tanto tempo no País, apesar de serem verdadeiros e indiscutíveis patriotas. Têm poucas raízes, acho.

O verdadeiro problema é que estes cowboys criam muita confusão na cidade. Também precisam dela para justificar a sua presença. Estimulam os ódios, acentuam diferenças, baralham emoções, descredibilizam os projectos e as mudanças, "irritam" a sociedade civil, que é a verdadeira mola para a tão anunciada mudança de paradigma. Esta tem também um maior poder intelectual, pensa nos problemas, tem soluções, e isso incomoda os cowboys.

Porque, na verdade, a única que coisa que verdadeiramente lhes importa são as esporas novas em ouro e platina, o "cavalo" com vidros fumados que foi lançado em Itália, a forma como vão manter esse estatuto. E estão dispostos a tudo para se manterem à superfície e, por isso, são perigosos, até para os do seu bando.

Às vezes pergunto-me, quando os vejo a retornar à estrada principal da cidade com maior à vontade que há uns meses atrás, "porque é que o sheriff não põe estes cowboys no seu devido lugar?". E não encontro uma resposta lógica....


(Editorial da edição 573 do Expansão, de sexta-feira, dia 8 de Maio de 2020, já disponível em papel ou em versão digital com pagamento em Kwanzas. Saiba mais aqui)