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"Não é fácil equilibrar a qualidade e o pouco que o cliente consegue pagar"

Entrevista a ANDRADE LINO

"Escrevente iletrado: feridas crónicas" é o primeiro livro de Andrade Lino e chega em formato digital, numa altura de confinamento social. O livro antecipa, na ficção, a realidade e um confinamento que veio agravar a crise económica, obrigando o autor a adiar projectos.

Lançou recentemente o livro de crónicas "Escrevente iletrado: feridas crónicas". O que sugere o título?
O livro, que resulta de uma parceria com o colectivo de artes Mwinda Kubata, é uma compilação de prosas, crónicas e textos de opinião do foro político sobre o estado de espírito de uma pessoa que se vê forçada ao distanciamento social muito antes disso se tornar uma medida de prevenção contra a propagação da Covid-19, antes mesmo de a Organização Mundial de Saúde declarar a pandemia do novo coronavírus.

Quem é o escrevente?
É uma pessoa que acompanhou de perto várias histórias de amor, viu valores a perderem-se e a sociedade onde vive a colapsar e decidiu reportar esses acontecimentos. O relato inclui o que via nas ruas, o que presenciava nos transportes públicos e o que ouvia dentro de casa. Traz ainda reflexões sobre o impacto da depressão na vida de um indivíduo que, sem se sentir à vontade para falar sobre o assunto, decide escrever para atenuar a dor e o sofrimento interno.

O livro está disponível em formato digital. Já estava assim programado ou foi forçado a isso pelo estado de emergência?
Não houve uma programação de tiragem precedente. O livro foi sendo construído aos poucos, sem compromisso algum. Mas foi o estado de emergência que motivou a organização dos textos e a disponibilização em formato digital, não havendo como fazê-lo de outro modo.

O lançamento em formato digital reduziu os custos?
Neste formato os custos são sempre reduzidos, até porque é uma publicação independente, que do ponto de vista de produção literária pode apresentar-se incompleta. Mas foi bom para evitar as burocracias, ainda mais numa altura como esta, em que muitas das organizações se encontram pouco operacionais.

Fala-se muito da falta de cultura de leitura dos angolanos, dos mais jovens sobretudo. Acredita que, mesmo assim, vão aderir ao livro digital?
Há actualmente uma forte tendência de as pessoas adquirirem mais os livros digitais do que os físicos. Apesar dos riscos para os olhos, o acesso ao livro digital é mais fácil, devido aos preços praticados na comercialização dos livros físicos, embora sacrifícios como este, muitas vezes, sejam necessários.

Teve algum patrocínio?
Não. Como disse, surgiu-me a ideia de lançar um livro um pouco também para ajudar a distrair as pessoas nesta altura, muito por causa da pitada de humor que coloco em muitos textos. Pessoas próximas têm-me pedido uma obra, também pensei nelas.

A pandemia alterou a sua agenda de trabalho?
Não houve grandes mudanças. Saía mais de casa para trabalhos de reportagem e/ou cobertura de eventos. Naturalmente, a rotina tende a ser agora um pouco entediante, por causa do confinamento obrigatório. Mas, a nível de trabalho, o ritmo mantém- se quase o mesmo. Sempre foi possível fazer entrevistas via WhatsApp, por exemplo.

É jornalista e também dedica tempo à música e fotografia. Podemos esperar trabalhos seus nestas duas áreas?
Lancei um disco EP, em 2018, mas até agora estou dependente das condições do home studio para próximos trabalhos. Tão logo fique pronto, e se até lá eu ou o mundo ainda existir, teremos coisas novas. Quanto à fotografia, tenho pensado numa exposição, mas nada ainda devidamente definido.

É uma pessoa de gastos?
Nem tanto, mas "invisto" muito em comida. Gosto de comer.

Como é que a cultura pode contribuir para a economia?
Acredito que a cultura de um país está, de uma forma ou de outra, automaticamente, ligada ao turismo. Quando o investimento a nível do turismo é bem feito, a cultura sai a ganhar. E cultura é mais do que manifestação de hábitos e costumes de um povo. É também ter conhecimento amplo sobre diversas matérias. Daí que, quando começarmos a olhar mais para a cultura, não como sendo apenas música, mas como necessidade de aprender mais sobre nós mesmos, investirmos nas línguas nacionais, no folclore, na didáctica das artes plásticas, etc, teremos muito o que mostrar e vender. Não que não tenhamos agora, mas é preciso dar atenção à produção nacional. Há potencial cá dentro que precisa ser aproveitado, a petrodependência já nos mostrou várias vezes os seus riscos. O que os centros culturais fazem é um exemplo de como, se por exemplo olharmos mais para o cinema nacional, podemos criar riqueza através de outros sectores.

De que forma a crise crise económica afecta nos seus trabalhos?
A partir do momento em que a economia entra em depressão, as instituições sentem-se obrigadas a reduzir o pessoal por causa do baixo nível de rendimento, o Estado vê os seus cofres vazios, nasce o IVA e os mercados praticam preços que assustam os bolsos da população, não há como não ser afectado. Não tem sido fácil ter de equilibrar a qualidade dos serviços de fotografia, por exemplo, e o pouco que o cliente consegue pagar. Surge a necessidade de pensar noutras alternativas, porque os colaboradores, para as empresas, de algum modo, tornam-se um peso. Opta-se por trabalhar três vezes mais, mas ainda assim parece não ser o suficiente.

Comunicador das palavras, das imagens e do som

Tem 25 anos e lançou o seu primeiro livro de contos e prosas "Escrevente iletrado: feridas crónicas", inspirado num distanciamento social que a pandemia da Covid-19 acabou por impor. Andrade Lino, ou Widralino, é jornalista e dedica parte do seu tempo à fotografia e à música, com um EP já gravado.

Quanto à fotografia, pensa organizar uma exposição para tornar público o seu trabalho. Com formação académica em Língua Portuguesa e Comunicação "pendente", aproveita os tempos livres para produzir composições musicais. Os desportos praticados são basquetebol e futebol. O livro de cabeceira é "O terceiro homem" de Graham Greene. Para já, quer continuar a desenvolver o colectivo de artes Mwinda Kubata.