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Opinião

Quanto empregos serão destruídos pela Covid-19 em 2020?

Laboratório Económico

No estudo do Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC) da Universidade Católica de Angola (Efeitos Económicos e Sociais da Covid-19 em Angola, deste mês) estão questionadas as medidas do Governo para diminuição dos efeitos da recessão económica esperada para este ano e agravada pelos efeitos dos sucessivos confinamentos que não se sabe quando acabarão, uma vez que o País ainda está no início da rebentação da onda da contaminação.

Medidas insuficientes, como cabalmente se demonstra, a serem complementadas e completadas por outras que aí igualmente se apontam. As economias europeias, as mais afectadas pelos efeitos da Covid-19, tirando os EUA (a que se seguirá o Brasil), prevêem ter reduções no valor nominal dos respectivos PIB de 400 a 700 milhões de euros por mês, acreditando os seus economistas que o desconfinamento regulado e regulamentado contribua para que a catástrofe não o seja, até final deste ano.

Aceitando o valor mais baixo, está a falar-se numa diminuição do PIB nominal de 4.800 milhões de euros. Igualmente nestes países e não obstante a enorme quantidade de dinheiro colocada à disposição da economia para manter as empresas, o emprego e os salários, as falências têm-se sucedido em catadupa, 2.300 e 1.745 empresas em estado de insolvência durante o confinamento na Alemanha e em Portugal.

Em Angola, não estão disponíveis informações sobre estas matérias, desconhecendo-se quantas unidades económicas encerrarão em 2019, quanto mais emprego será destruído, em quanto de salário o rendimento nacional será afectado. Nada. A AGT só continua preocupada com a cobrança de impostos, mantendo as suas notas de rodapé nos noticiários da TPA, anunciando a forma como os contribuintes podem pagar as suas obrigações fiscais via modelos electrónicos. Com empresas a encerrar, o desemprego a aumentar, a produtividade a encolher e os salários a diminuírem, quem afinal vai pagar impostos em Angola? E empresas que encerram a sua actividade raramente reabrem, ou seja, morrem completamente.

A única instituição que avançou com um estudo sobre os efeitos da Covid-19 e da presente crise foi a Universidade Católica de Angola, tendo estimado uma recessão em 2020 de cerca de 6,8%. Alguns empresários - os que, verdadeiramente, sentem o peso da economia e das dificuldades em fazer a economia acontecer em Angola - têm afirmado que as previsões do CEIC da UCAN são optimistas, colocando essa fasquia em 8%.

Naturalmente que previsões não são mais do que isso, baseadas em modelos e pressupostos sempre discutíveis. Imagine-se, porém, um cenário Covid-19 com dezenas de milhares de infectados e a manutenção, agravada, dos estados de emergência? Como resolver os problemas de pobreza, com o preço do petróleo em altos e baixos em torno de 30 USD por barril? Admitindo uma recessão de 7% em 2020 e inexistência de ganhos ou perdas de produtividade, a taxa de desemprego pode aumentar no mesmo montante em 2020, ou seja, passar para 38% da população economicamente activa.

De acordo com a recente publicação, The Macroeconomics of Epidemics, o impacto de não se tomar qualquer medida de controlo seria uma quebra no primeiro ano de apenas 0,7% do consumo médio agregado. Porém, as consequências seriam devastadoras a nível da saúde, com um declínio permanente de 0,3% da população e do PIB (como consequência das mortes).

Esta crise é provocada, simultaneamente, por um choque do lado da oferta e do lado da procura, o que poderá criar uma espiral depressiva, gerando uma grande e persistente recessão. O efeito da oferta é causado pelo risco de contágio dos trabalhadores, fazendo com que haja uma redução da força de trabalho, significando paragem das empresas, interrupções do comércio internacional e ruturas nas cadeias de valor.

No lado da procura, os efeitos são causados pelo risco de contágio das pessoas que consomem, resultando na redução súbita e violenta, quer do consumo privado, quer do investimento. A consequência resulta em fortes dificuldades de tesouraria para as empresas que, posteriormente, se poderão traduzir em problemas de solvabilidade e podendo mesmo levar ao seu encerramento.

Estes problemas reflectem-se em desemprego e diminuição do rendimento disponível das famílias, os quais conduzirão a uma redução do consumo e do investimento. Um efeito circular que para ser travado exige medidas rápidas e eficazes.

A Covid-19 em Angola tem de ser encarada como um choque externo violento, semelhante à queda abrupta do preço do barril do petróleo depois de 2014. Os seus efeitos são essencialmente sobre a economia não petrolífera. O encerramento de empresas poderá ser considerado como o natural ajustamento de uma economia com muitas e significativas zonas de ineficiência (darwinismo económico)?(1) Não me parece e, por isso, há lugar a uma intervenção do Estado para atenuar as consequências negativas e criar as condições de retoma.

A questão essencial a colocar e a debater é se a recuperação económica é factor suficiente para a reversão do desemprego e para a criação sustentada de emprego líquido no futuro.

Adjacente à capacidade de geração de emprego está a matéria salarial, ou, de modo mais geral, do poder de compra da sociedade: são suficientes taxas expressivas de variação anual do nível de actividade para que os salários - e outras remunerações que entram no cômputo do poder de compra geral - aumentem e as famílias vivam melhor?

A literatura económica está recheada de casos de destruição de empregos, uma vez que para as empresas o desafio é de vida ou morte. As que não aumentarem a produtividade vão à falência, sendo o custo social associado ao despedimento em massa dos trabalhadores. As que conseguirem ganhos de produtividade poderão conter uma parte da sua força de trabalho. Ou seja, até mesmo a prosperidade passa pelo desemprego.

Assinale-se que o progresso económico e social da Humanidade tem, também, sido feito pelo viés da redução do tempo de trabalho, ao que se tem associado uma elevação do nível médio dos salários (a Revolução Industrial começou com uma semana de trabalho de 70 horas, salários de subsistência e um ambiente de trabalho extenuante).

Provavelmente, a sua situação final - por muitos especialistas e futuristas já antevista para o século XXII - será a da libertação total do trabalho. Ou seja, as máquinas tenderão a ser os "novos escravos" da Humanidade, capazes de produzir outras máquinas, bens e serviços diversos.

Neste estádio, as máquinas libertarão as pessoas do trabalho material, para que possam dar contribuições profundas para a geração de capital social na sociedade civil. Será, então, a predominância do espírito sobre a matéria, do espiritual sobre o material, ou seja, a possibilidade de realização plena da Religião.

Parece que não existem receitas universais e muito menos infalíveis contra o desemprego, apesar de o Fundo Monetário Internacional fazer crer que a redução da presença do Estado da economia - com todas as implicações e facetas conhecidas - seja a solução-milagre para o crescimento económico e a geração de empregos.

No entanto, deve ser aceite que a manutenção sob controlo do gasto público é uma prática salutar, que alarga o espaço para a economia privada, aquela que, supostamente, gera maior número de empregos, sobretudo, quando o crescimento económico for puxado pelas exportações - forte concorrência no mercado internacional -, que exigem rigor e disciplina fiscal, qualidade do investimento público e baixas taxas de juro.

Seguramente que o modelo de desenvolvimento seguido ou a seguir tem muita importância para o enquadramento do problema, porquanto existem modelos mais "amigos" do emprego, do que outros. Para além disso, determinadas políticas específicas são indispensáveis para, ou estimular- se o funcionamento do mercado de emprego na perspectiva de criação de postos de trabalho líquidos, ou, então, para corrigir determinadas imperfeições dos mecanismos de oferta e procura de mão-de-obra, uma vez que se tem como certo que o mercado de trabalho funciona pior do que o mercado de bens e serviços.

Outras medidas se fazem mister para a dinamização do processo de geração de emprego com o crescimento económico, tais como: providenciar-se o acesso a activos produtivos, como terra e crédito - enquanto meio de atacar o problema da repartição do rendimento nacional a montante e que pode ter uma incidência extraordinária no combate contra a pobreza - garantir-se o acesso aos serviços sociais, essencial como forma de muscular o processo de criação do capital humano nacional, aposta forte na formação e reciclagem profissional (os conhecidos "learning by doing" e o "a life of learning"). Mas, também, essencial é o estabelecimento de um compromisso político para o emprego, uma espécie de agenda social estabelecida em torno do emprego.

Nota

1) Os apoios diversos previstos pelo Governo nos seus documentos de política económica, podem também aproveitar as unidades menos eficientes, o que seria um desperdício de recursos financeiros. Mas, num País em que política e economia empresarial andam de braço dado, é difícil introduzir descriminações positivas.